“Não pode ser um capricho do Presidente da República, porque é um assunto que diz respeito a todos, fundamentalmente ao elemento mais importante de cada Estado, que é o titular do poder soberano: o povo. E é o povo que tem sentido essa luta a se esfumar pela negativa, a abrandar”, disse MCK, nome artístico de Katrogi Nhanga Lwamba.
MCK confessa-se desiludido com o atual Presidente de Angola, João Lourenço.
“Nós todos tínhamos muita expetativa. Porque vínhamos primeiro de 27 anos de conflito militar e depois vínhamos de 38 anos do consulado de José Eduardo dos Santos. Então qualquer coisa que entrasse já ia aparecer fresco e novo”, diz.
Antes, durante a Presidência de José Eduardo dos Santos (1979-2017), MCK salienta que Angola caracterizava-se por dois tipos de relações: submissão ou repressão.
“Não havia um meio-termo que aparentemente Lourenço tentou criar nos primeiros meses do seu mandato, convidando ativistas cívicos como Luaty Beirão, Rafael Marques, Alexandra Simeão e muitos outros grupos representativos da sociedade civil para irem ao Palácio sentar-se consigo e conversar, com a declaração do combate à corrupção, que também criou muita expetativa, porque depois da guerra era o grande cancro do desenvolvimento angolano. Então isso criou-nos muitas ilusões relativamente ao futuro de Angola”, acrescenta.
A passagem do tempo frustrou as expetativas, considera.
“Nós hoje temos se calhar mais liberdade de expressão, mas menos liberdade de imprensa”, lamenta, considerando que quase todas as empresas pertencentes a ‘pessoas politicamente expostas’ “ligadas ao aparelho do Estado, ligadas à gestão de Eduardo dos Santos, essas empresas que foram confiscadas, recuperadas no âmbito da corrupção, da recuperação de ativos, voltaram para a esfera pública”.
O resultado é que “não há liberdade de imprensa em Angola”, porque todos os ‘media’ são geridos pelos estatais Televisão Pública de Angola e Rádio Nacional de Angola.
“Deixámos de ter um espaço alternativo para ideias contrárias. Na imprensa pública não há lugar para a crítica ao Presidente João Lourenço. Ou seja, matou-se um espaço, aquele espaço inicial de seis meses da abertura democrática, de mais liberdade de imprensa morreu. Hoje temos uma imprensa completamente amordaçada e não há espaço, não há lugar para a ideia contrária, não há lugar para a imparcialidade, não há lugar para informar a verdade”, critica.
MCK diz que no tempo de José Eduardo dos Santos faziam-se concursos públicos e agora, com João Lourenço, aposta-se na chamada contratação simplificada e adjudicação direta.
“Criou um novo monopólio”, denuncia, lamentando a falta de “programas éticos que promovam a liberdade de expressão, que promovam a denúncia, que promovam linhas de segurança de quem quiser denunciar”.
Acima de tudo, em Angola “continua a faltar abertura democrática para discutir isso de forma aberta e livre”, com instituições públicas “sem processos contabilísticos transparentes”.
“Não há responsabilização dos atores públicos”, resume, considerando que as “muitas denúncias” que são feitas “são pura e simplesmente ignoradas e como a situação social se agravou, dá a sensação que os níveis de corrupção são mais altos”.
MCK diz acreditar mais numa sociedade civil organizada, com “capacidade de estabelecer pautas de atuação” que os partidos políticos deverão seguir.
“É isso que está a faltar. Temos uma sociedade civil organizada com capacidade de fazer as suas escolhas e exigir então melhores ofertas políticas de quem pretende atingir o poder político”, explica.
Sobre “Sementes”, o primeiro álbum de originais em dois anos que vai lançar no próximo dia 31 em Portugal, MCK diz que dificilmente terá condições para o apresentar em Angola.
“Em Angola há uma censura tácita. Às vezes a censura não é explícita, mas é tácita. Por exemplo, eu estou cá em Portugal para fazer o lançamento do disco e eu consigo livremente ir a qualquer meio de imprensa, divulgar o meu trabalho sem entraves”, reconhece.
“Em Angola, por exemplo, eu não teria liberdade de ir à imprensa pública e falar do meu trabalho, que é um trabalho voltado para Angola (…) Teria igualmente dificuldades de escolher espaços públicos para apresentar a música ou a minha arte, porque quase tudo em Angola, o Estado em Angola foi capturado por pessoas ligadas ao MPLA. As grandes empresas, grandes produtores de concertos, quase tudo gira em torno daquilo que é a vontade do partido”, acusa.
Advogado de profissão, MCK diz que se sente “muito à vontade” seja como músico ou homem ligado à justiça.
“A minha música tem sido, ao longo desses tempos, a advocacia dos grandes interesses, das grandes aspirações, dos grandes sonhos, dos desejos do povo angolano”, conclui.