Eleito presidente da UNITA, o maior partido da oposição, em novembro do ano passado, Adalberto da Costa Júnior advogou a causa da paz dentro e fora de portas e, por isso, fala do fim da guerra como o momento que marca o início das oportunidades. Muitas delas falhadas, admite. Critica a falta de aproveitamento das potencialidades do país. “Angola tem tudo para avançar. Não precisamos do petróleo para nada”. De passagem por Lisboa, falou ao Expresso sobre bloqueios e receios, a perigosa desvalorização do kwanza face ao dólar e o papel de “despertar consciências” que assume. “Quero trazer o Presidente da República ao debate institucional, à casa comum [Assembleia Nacional], para que preste contas. Quando alguém governa com este tipo de poder e não presta contas, é um drama.”
Há quem pense que os países africanos estão imóveis, mas há muitas dinâmicas. E Angola?
As notícias sobre África são sempre postas num ângulo negativo, quando há notícias muito positivas. O grande drama é que, e falo de Angola, o foco está difícil de ser atingido. O foco é a estabilidade, o desenvolvimento. Saltou-se de um boom económico para uma situação de cócoras. É surpreendente, mas vamos lá chegar.
O superciclo da cotação alta das matérias-primas, de que Angola beneficiou, chegou ao fim. E agora?
Era só o petróleo, o erro é esse, as pessoas pensam que é pelo petróleo que vamos ressurgir, mas não é.
Quando diz “as pessoas”...?
A governação. Todo o investimento estratégico foi feito em função de o petróleo ser a nossa salvação, só agora é que há uma diferença no discurso, diz-se que é preciso desenvolver a agricultura, a iniciativa familiar, todo o sector mineiro... e nós temos outras infinidades que a natureza nos dá e que não estão nem de perto nem de longe nas prioridades políticas.
A UNITA sempre defendeu a aposta na agricultura e na diversificação dos sectores de investimento.
Permanentemente! Sempre defendemos que somos um país com potencial na agricultura, o grosso da população dedica-se a ela, agora têm de se criar infraestruturas, criar encaminhamento dos produtos para os mercados principais e fazer investimento estratégico a este nível. O programa de governação da UNITA é muito atual e tem múltiplos subprogramas de apoio a esta estruturação.
Quer dar um exemplo?
Previmos a abertura de escolas de engenharia comunitária. Tem de se fugir da formação universitária clássica, abriram dez universidades em Angola que formam licenciados para o desemprego. Temos centenas de milhares de jovens formados e sem perspetivas, é isto que está na base dos protestos. Tem de se desenvolver o ensino técnico-profissional de proximidade e pragmático. Temos um país que vai crescendo a nível da população e o crescimento económico é três vezes inferior ao daquela.
Podemos provar que os dados do estado relativos à dívida pública são falsos
O crescimento demográfico é uma das megatendências a que todos os governos africanos vão ter de responder. Como vê esta questão em Angola?
Atualmente as planificações estão todas atrasadas, estamos a correr em perda. A estatística tem de ser acertada e em Angola governa-se com estatísticas muito negativas. Há uma semana estive em Malanje, ando muito pela estrada, corro o país real, e vi que há muita produção local, mas não tem escoamento, e as estradas, que são de construção recente, degradam-se rapidamente.
Como avalia o impacto das medidas de combate ao coronavírus?
Sou um crítico do cerco a Luanda que está ativo desde que a covid-19 chegou a Angola. Está a separar Luanda do resto do país. É obrigatória a quarentena para quem entra e sai e não há solução à vista para este problema. O SNS fornece testes, mas a testagem tem um nível muito baixo. O número de testes que Portugal fez numa semana de novembro era superior ao que Angola fez em oito meses. É preciso trabalhar com um mínimo de conhecimento do desafio e não acredito que não haja dinheiro para comprar testes, isto já justificaria mexer no dinheiro da reserva estratégica, do fundo soberano, porque se trata da salvaguarda da vida.
Porque critica o cerco de Luanda?
Somos todos países importadores desta doença. Angola até registou o problema depressa, mas depois não controlou riscos como os voos vindos de Portugal, do Brasil, da África do Sul, do Dubai. O Governo levou 40 dias a instituir o controlo dos passageiros dos voos da Taag e não controlou a TAP. Os passageiros das primeiras semanas de risco movimentaram-se à vontade por todo o país e não se evitou a contaminação comunitária. Quando se montou o cerco a Luanda já as pessoas tinham girado pelo país vezes sem conta. O cerco foi um erro, só trouxe consequências económicas negativas, mata-se o desenvolvimento das empresas que estão limitadas à capital. Dano da covid, dano da crise mais a limitação da mobilidade do mercado, despedimentos em massa, foi um crime completo.
Queremos a revisão da constituição, o Presidente é um deus
O Estado não deu apoios?
Não, não teve a abertura que teve o Estado português. Como é possível transferir a responsabilidade em exclusivo ao empreendedor quando já estávamos a sofrer quatro anos de default? As empresas sucumbiram.
A pandemia não marcou o início dos problemas que aponta a Angola.
O Estado angolano foi assaltado de todas as formas. A Sonangol criou o fenómeno da produção de multimilionários e nenhuma partilha nem desenvolvimento. A dívida pública chega quase a 100% do PIB e o Governo não aceita estes números nem o inquérito da UNITA à dívida pública, a mais importante. Podemos provar que os dados do Estado relativos à dívida são falsos. Fogem porque muitas destas fortunas se construíram com base no que é hoje a dívida pública falseada. Quem são? São os que estão nas cadeiras do poder. O acumulado destas fortunas é capaz de ser superior ao valor da dívida pública. Se Angola tivesse um programa ponderado e debatido de forma abrangente, teríamos condições para encontrar soluções.
A presidência de João Lourenço resume-se a uma troca de elites?
Tenho muitos dados e não fujo à pergunta. João Lourenço fez uma campanha em 2017 com comícios artificiais montados pela Casa Militar da Presidência da República. As Forças Armadas iam aos quartéis das aldeias e enchiam camiões com a população e militares todos de T-shirt. O combate à corrupção foi a grande bandeira, o fim da impunidade, bandeiras que trouxeram uma enorme desilusão. Depois de eleito, cada vez que o PR visitou o estrangeiro fez uma grande prisão ligada ao combate à corrupção na véspera de partir. O marketing funcionou.
E passados três anos?
Temos programas estratégicos de combate à corrupção como a Lei de Repatriamento de Capitais. Recuperam-se alguns prédios e empresas, são ativos importantes? Eles só foram entregues por serem tóxicos. Inaugurou-se o [hotel] Intercontinental num prédio que pertencia a uma sociedade privada e à Sonangol criando 500 empregos. Vai ficar às moscas e trazer passivos ao Estado, que o gere. Quanto à comunicação social, o Estado anexou a TV Zimbo e a TV Palanca, agora temos a TPA 1, 2, 3 e 4 sob gestão do Estado. Estes polos ainda faziam uma certa oxigenação e viraram propaganda institucional escandalosa. Está criado um monopólio do Estado. As privatizações vão parar às mãos dos seus antigos proprietários, não tenho a mínima dúvida. Como é que alguém que assume o combate à corrupção tem no seu gabinete casos de corrupção protegidos? Como é possível a Procuradoria-Geral da República depender do PR nos seus processos? A lei está feita dessa forma. Isto não é uma democracia. Queremos a revisão da Constituição, desde 2013 que a fiscalização tem de ser aprovada pelo PR, que é um deus. A lei eleitoral angolana está formatada para produzir maiorias qualificadas do MPLA, o que torna impossível fazer a alternância em Angola. EXPRESSO