Rafael Marques, conhecido ativista angolano, disse mais do que isto, nesta quinta-feira, denunciando um caso concreto “de um comportamento inadmissível no seio do MPLA, de sabotagem da luta contra a corrupção ora institucionalizada”. O exemplo “demonstra a bipolaridade política do MPLA” nesta cruzada e como “há uma desordem funcional”, em que a “cabeça e os braços do MPLA não andam conjugadas”.
O caso tem um nome: Francisco de Almeida Tchicote, que há dois anos ajudou Rafael Marques numa “investigação profunda das práticas de corrupção na província do Kuando-Kubango”. Como resultado desse trabalho, foram abertos vários processos criminais pela Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola.
Só que o MPLA não gostou. “A 8 de Junho de 2021, o destacado militante Francisco de Almeida Tchicote recebeu uma Nota de Acusação, elaborada pela Comissão de Disciplina e Auditoria do Comité Provincial do Kuando-Kubango no âmbito do Processo n.º 3/CDA/CPP/CC/2021, com vista ao seu sancionamento e possível expulsão do partido”, relatou Rafael Marques no seminário “Ensaio para um Plano Estratégico de Prevenção e Repressão à Corrupção em Angola”, organizado pelo Projecto de Apoio à Consolidação do Estado de Direito.
O militante é acusado de “’ter potenciado o jornalista Rafael Marques com dados obtidos através da Secretaria-Geral do Governo Provincial do Kuando-Kubango’, o que ‘permitiu a publicação de dois artigos’”: “Pinturas Milionárias de casas no Kuando-Kubango” e “Agricultores do MPLA no Kuando-Kubango”. O primeiro, contou o também fundador da organização não governamental UFOLO, era sobre “o facto de a manutenção e conservação de duas residências protocolares geminadas na província do Kuando-Kubango ter custado, em dois anos, cem milhões de kwanzas, para os quais não se encontrava justificação”.
O segundo “abordava a questão de, na lista dos agricultores beneficiários do processo de distribuição gratuita de fertilizantes e sementes, se destacarem dirigentes e atuais membros do Comité Provincial do MPLA, como dois ex-vice-governadores do Kuando-Kubango: Sara Luísa Mateus e Simão Baptista”,
Ora, argumenta o ativista — um dos rostos mais visíveis da luta anti-corrupção durante o longo mandato de José Eduardo dos Santos como Chefe de Estado — “Tchicote não é funcionário do governo provincial do Kuando-Kubango ou de outra instituição do Estado”. A acusação revela “a confusão entre o partido MPLA e o Estado no Kuando-Kubango”, diz Rafael Marques para logo se seguida se interrogar:
“A Comissão de Auditoria acusa Francisco Tchicote de ter violado os estatutos do MPLA, por alegadamente me ter apoiado na denúncia contra práticas de gestão danosa no governo provincial. Qual é a parte dos estatutos do MPLA que defende a corrupção?”
Por um lado, “o Presidente da República e do MPLA, João Lourenço, promete e promove um feroz combate contra a corrupção. Por outro, temos uma ação contrária do Comité Provincial do MPLA no Kuando-Kubango, dirigido pelo governador provincial Júlio Bessa” que está a castigar um militante por, alegadamente, ter ajudado a denunciar a corrupção, sujeitando-o a um processo disciplinar que pode levar à sua expulsão do partido.
Ora, insiste Rafael Marques, “o Presidente do MPLA apela ao combate à corrupção, e o Comité Provincial do Kuando-Kubango do mesmo MPLA persegue os que combatem a corrupção. Onde um diz apoia, o outro diz persegue. Onde um ataca, o outro defende. Onde um condena, o outro protege. E isto tudo dentro do mesmo corpo partidário, que se esperava unido”.
Pedindo o “comprometimento político do Presidente da República e do MPLA” no caso do Kuando-Kubango, que dever ser “urgente, claro e inequívoco”, Rafael Marques sublinha que “é preciso pôr termo à cultura de impunidade e arrogância que leva muitos dirigentes do MPLA a julgar que as províncias por si dirigidas são suas coutadas privadas, onde a corrupção continua a ser um símbolo de poder”.
Na sua intervenção, publicada no seu site Maka Angola, o ativista lembrou que em Angola a corrupção se tornou num “sistema de poder” e por isso “é uma das mais severas limitações ao livre exercício dos direitos humanos”.
Assim, defende que o seu combate deve ser “uma expressão de vontade política, de transparência social, de educação e competência, de reforma da administração pública e, em última análise, de liberdade”. Observador