A antiga dirigente da Sonangol classificou a informação como “fake news”, mas a decisão existiu e, como a CNN adiantou, pode servir para ações cíveis e comerciais de indemnização e até investigações criminais, que de resto já estão em curso naquele país.
“Caros seguidores, vem aí mais uma campanha de desinformação e falsidades, organizada pelo jornalista António José Vilela, da CNN Portugal. Nunca me entrevistou e nunca me perguntou sobre o assunto, e o pior é que publicou uma matéria sem contraditório, ao contrário das normas e ética do jornalismo”, escreveu Isabel dos Santos esta segunda-feira de manhã (14 de julho) na sua conta de Instagram, acrescentando de seguida: “Simples: eu não fui condenada pelo Tribunal de Recurso de Amesterdão. Nem existe nenhum processo contra mim no Tribunal de Recurso de Amesterdão.”
Noutra publicação na mesma rede social, Isabel dos Santos escrevia: "se quiserem os factos e informar o público com verdade peçam entrevista - eu dou e RESPONDO. … podem mandar DM !!". Apesar da disponibilidade, os contactos (incluindo DM - abreviatura comum para Direct Message - mensagem direta ou mensagem privada) não tiveram resposta até à publicação deste texto.
As questões a Isabel dos Santos
A viver no Dubai, o que evita que seja detida devido a um mandado de captura internacional das autoridades angolanas, e com processos cíveis, comerciais e criminais em Angola, Portugal e nos Países Baixos, Isabel dos Santos não respondeu até ao fecho desta notícia a perguntas enviadas na manhã do dia 14 pela CNN Portugal para quatro endereços de correio eletrónico (dois deles pessoais), a respetiva conta no Instagram e um dos seus números de telemóvel. Entre outras questões, a CNN perguntou-lhe o seguinte:
"-Tem algum comentário à decisão do processo em anexo [enviámos à empresária parte da decisão do tribunal], das autoridades dos Países Baixos, processo esse que a visa a si e outros responsáveis, entre pessoas coletivas e individuais?;
-Teve conhecimento desta decisão das autoridades dos Países Baixos, cujo resumo consta na peça em anexo publicada pela CNN Portugal?
- O investigador do processo em causa, Van Andel, chegou a dizer na inquirição que fez a várias pessoas neste processo, como sucedeu com Mário Leite da Silva, que a não conseguia contactar para recolher o seu testemunho. O responsável pediu inclusive a Mário Leite da Silva [chegou a ser um dos homens de maior confiança de Isabel dos Santos] se podia intermediar esse encontro e inquirição? Tem algum comentário a fazer?;
- Até quando vai permanecer no Dubai? Não considera que isso pode ser visto como uma forma de evitar o mandado de captura internacional que tem pendente?"
A decisão
Tal como a CNN adiantou, o relatório do investigador holandês Van Andel considerou que várias decisões na Sonangol referentes aos pagamentos de avultadas quantias, alegadamente tomadas por Isabel dos Santos e os seus homens de confiança, foram nulas, até porque houve casos em que aconteceram de forma retroativa. Como sucedeu com a resolução de pagar quase 132 milhões de euros em dividendos. “Numerosas pessoas (jurídicas) cooperaram neste curso desconcertante dos acontecimentos, o que resultou em que Dos Santos tenha obtido de forma fraudulenta acesso a €52,6 milhões de fundos da Esperaza”, concluiu Van Andel, o perito principal do caso.
Mais de um ano depois deste relatório, a 15 de junho de 2023, o Tribunal de Recurso de Amesterdão ratificou boa parte das conclusões do documento e condenou uma série de responsáveis pela “má gestão” da Esperaza Holding BV, nomeadamente Isabel dos Santos, Mário Leite da Silva, Sarju Raikundalia (ex-administrador da Sonangol), entre outros. Na decisão de 44 páginas a que a CNN Portugal acedeu, o tribunal justificou que os documentos que os investigadores conseguiram, incluindo mensagens de correio eletrónico, não deixavam dúvidas de que existiu “má gestão” da Esperaza (sociedade registada nos Países Baixos) devido a diversos estratagemas montados para esse fim.
“Assim, Isabel dos Santos, com a colaboração de Raikundalia, Manuel Lemos [que morreu em março de 2023], Mário Leite da Silva, Konema Mwenenge [sócio e amigo de infância de Sindika Dokolo] e Robert Van Lier [advogado nos Países Baixos], e usando decisões falsas, porque retroativas e incorretas, enriqueceu à custa da Esperaza (e/ou da Sonangol) ao mandar pagar à Exem [empresa controlada por Isabel e Sindika] um montante de 52,6 milhões de euros em dividendos, sem estar autorizada a fazê-lo”, refere a decisão.
Na decisão final, o tribunal destacou que até os custos da investigação teriam de ser pagos solidariamente pelos condenados no processo: um total de 181.500 euros, fora os juros que começariam a contar duas semanas após a data da decisão, ou seja, após o final de junho de 2023. Se não tiver sido pago e como já passaram cerca de dois anos, o valor deverá ultrapassar os 200 mil euros. Segundo várias fontes judiciais contactadas e que solicitaram o anonimato, esta decisão abre a porta a futuras decisões judiciais de avultadas indemnizações que também já estão em curso nos tribunais dos Países Baixos, nomeadamente na justiça cível, comercial e penal. CNN Portugal