O guião é velho como os impérios: quem sonha com a coroa, paga com a cabeça. Roma tinha o Coliseu; nós temos a TPA. Os césares usavam gladiadores; os nossos usam jornalistas fardados a rigor, com microfones em vez de espadas, mas com a mesma precisão letal.
Higino não é nenhum santo, disso até os anjos desconfiam. Já passou pelas mãos da Justiça, já esteve com um pé no cadafalso durante o “primeiro combate” à corrupção, mas, como gato de sete vidas, escapou sempre na porta pequena, provavelmente depois de um chá quentinho servido na “sala das negociações”.
Mas desta vez a ousadia foi maior: dizer em voz alta que queria ser presidente do MPLA. Ah, pecado capital! Como se em monarquias se pudesse candidatar a rei. A linha vermelha foi atravessada e, desde então, Carneiro é tratado como persona non grata pelo império lourencista.
A imprensa oficial, que deveria informar, agora desfila como guarda pretoriana do Palácio. A TPA, sustentada com o suor de todos os angolanos, virou sala de comando da presidência, uma espécie de Netflix do regime, só que sem a opção de “pular introdução”. Ética jornalística? Está no mesmo arquivo onde guardaram as promessas de combate à pobreza.
O curioso é que Higino Carneiro, homem de fortuna e com fama de saber sobreviver, não parece disposto a ser cordeiro levado ao matadouro. Está a ser caçado, é certo, mas ainda pode rosnar, mostrar garras e obrigar João Lourenço a dançar mais rápido do que gostaria.
Se este conflito fosse epopeia antiga, veríamos dois generais no campo de batalha, cada qual com a sua legião: Lourenço com a máquina do Estado, Carneiro com as suas redes de influência e bolsos fundos. A questão é: quantos “golpes de espada” resistirá o general 4×4 antes de ser abatido? Chega inteiro a 2026?
Os impérios ensinam que quem desafia o trono raramente morre de velhice. Mas também ensinam que, por vezes, um desafeto resiliente consegue arrastar o próprio império para a decadência. A história gosta de ironias. E aqui a ironia é ver um regime que prometeu “abrir” a democracia usar o manual clássico do absolutismo para se proteger dos seus próprios filhos.
No fim, a dúvida permanece: Higino Carneiro será abatido como exemplo ou sobreviverá como fantasma incómodo, assombrando João Lourenço até ao último dia do seu reinado? O certo é que o jogo começou. E, como diziam os romanos, “alea jacta est”. Os dados estão lançados.
Horácio dos Reis
*Jornalista