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Sábado, 14 Dezembro 2019 18:46

“Se João Lourenço entregar um bem público à filha, serei o primeiro a criticá-lo”

O jornalista e activista dos direitos humanos, que até quinta-feira nunca tinha sido entrevistado por qualquer órgão público de comunicação social, esteve na TPA onde garantiu que “se João Lourenço entregar um bem público à filha”, será o primeiro a criticá-lo.

Rafael Marques respondia às insinuações de alguns sectores da sociedade que afirmam que baixou o nível de críticas à governação devido à sua proximidade com o Presidente da República.

“Não é pelo prazer das pessoas que vou começar a chamar nomes a João Lourenço. Mas se João Lourenço entregar um bem público à filha, serei o primeiro a criticá-lo. A diferença para o antigo Presidente é que agora terei a oportunidade de pegar no telefone e de tentar confirmar as informações” junto da presidência, disse o jornalista.

Marques recordou que “no tempo de José Eduardo dos Santos” não teria sido possível concretizar a entrevista à TPA. “Temos de reconhecer que está a haver mudanças. Enquanto cidadãos temos o dever de agarrar as oportunidades e maximizá-las porque a liberdade conquista-se”, acredita.

Sobre os recentes casos de alta corrupção que estão a ser investigados e julgados, Rafael Marques identifica “muitos problemas” e defende a criação de uma instituição apenas dedicada ao combate à corrupção.

“Ainda agora, no caso Augusto Tomás, os juízes do Tribunal Supremo nem tiveram tempo de consultar o processo. Estes atropelos levam-nos a reflectir. Até porque os operadores de justiça são os mesmos do regime que institucionalizou a corrupção”, lembrou.

Para Rafael Marques, o país necessita de uma reforma judicial que garanta a existência de uma instituição dedicada exclusivamente ao combate à corrupção e demais juízes com uma visão diferente do seu papel. E considera que “por ora” o fundamental é compreender “que o Governo está a lutar”.

Sobre as comparações entre as práticas do sistema de justiça de José Eduardo dos Santos e João Lourenço, o jornalista defende que “a questão não é se a justiça é mais independente ou não”.

“No tempo de José Edua-rdo dos Santos tínhamos a institucionalização da corrupção. E os juízes conforma-vam-se com esta realidade. No espaço de dois anos temos o contrário”, disse Rafael Marques à TPA.

Para o entrevistado, a corrupção mata porque priva o país “de recursos essenciais”.

“A independência deve ser olhada como uma conquista. Os votos vencidos dos juízes do Tribunal Supremo no recurso do caso Augusto Tomás também são a prova de que começam a pensar por si próprios. Isto é importante. Não será da noite para o dia que teremos um sistema judicial independente, mas o que é facto é que o Presidente da República não está a interferir nos processos”, acredita.

A conclusão a que chega sobre o caso Augusto Tomás é que o julgamento “não foi justo” pelos factos que são públicos, mas “o fundamental”, segundo Rafael Marques, é que aconteça “uma revisão” para não continuarmos “com a ideia que a justiça está a ser selectiva”. E denuncia: “Houve empresas ligadas ao MPLA que também receberam dinheiro do Conselho Nacional de Carregadores (CNC) e muitas individualidades também foram ao pote”, alerta o jornalista.

Sobre a comunicação social no país, o jornalista diz que o sector precisa de mudar bastante. Precisa “de sangue novo, com novas ideias”. Mas o fundamental é que “há um espaço de diálogo que permite maior interacção” e diz-se disponível para organizar seminários sobre jornalismo de investigação em parceria com o Jornal de Angola, a TPA e a Rádio Nacional de Angola.

“O Jornal de Angola publicou, no domingo passado, uma matéria do Expresso [de Portugal] sobre a ex-ministra das Pescas. O jornal não tem jornalistas capazes para fazer uma matéria própria? Eu trabalhei no Jornal de Angola e de forma gratuita podemos fazer trabalhos conjuntos sobre jornalismo para que o jornal não tenha de repetir uma matéria de uma publicação estrangeira por não investigar o caso”, explicou Rafael Marques.

Também os casos de manifestações proibidas deram origem a muitas críticas internas e externas a José Eduardo dos Santos. Marques considera que “as pessoas têm direito a manifestar-se” e que a resposta do Governo é que é o problema.

“Há outros mecanismos políticos para lidar com as ondas de descontentamento, mas os cidadãos devem manifestar-se”, defende, para depois recordar que o ex-Presidente “saiu completamente chamuscado por um grupo de jovens”.

Rafael Marques disse que idealiza uma “sociedade justa, inclusiva, assente no funcionamento imparcial e eficaz da justiça”.

Para melhorar a governação e a relação entre Governo e governados, o jornalista considera que o país deve criar espaços para que a sociedade civil seja melhor estruturada. “É um sector que deve estar presente em todos os grandes debates”, defende Rafael Marques.

Vencedor de vários prémios internacionais pelas reportagens e denúncias que fez ao longo dos últimos anos e responsável pela plataforma “Maka Angola”, o também activista pelos Direitos Humanos foi preso em 1999 - na sequência da publicação de um artigo, no finado semanário Agora, com o título “O baton da ditadura” - e afirma que pretende fixar-se nas zonas rurais de Malanje com acesso de qualidade aos serviços básicos. “Temos muito caminho pela frente”, concluiu Rafael Marques. JA

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