Esta realidade cria um ambiente fértil para o descrédito institucional e incentiva, de forma indireta, os cidadãos a recorrerem à justiça pelas próprias mãos.
Um dos focos centrais deste problema encontra-se nos Tribunais da Relação, sobretudo nas províncias do interior do país. Há uma perceção recorrente — sustentada por múltiplos testemunhos — de que, quando um processo envolve alguém ligado às estruturas do Governo, da Polícia Nacional ou das Forças Armadas, ocorre uma manobra silenciosa: a substituição do juiz inicialmente responsável pelo processo. Esta prática, ainda que nem sempre formalizada ou assumida publicamente, mina o princípio da imparcialidade e transmite à sociedade a mensagem de que a justiça não é igual para todos.
A situação agrava-se quando as próprias vítimas se sentem traídas pelo sistema de defesa que procuram. Há casos em que, durante o acompanhamento processual, a vítima descobre que o seu advogado mantém relações pessoais ou institucionais com o alegado prevaricador. O resultado é previsível: lentidão processual, sucessivos adiamentos, “voltas” jurídicas difíceis de compreender e, muitas vezes, o arquivamento tácito do caso. Para quem sofre a dor da injustiça, esta experiência aprofunda o sentimento de abandono.
Ainda mais grave é o silêncio institucional em torno de crimes cometidos dentro de algumas esquadras. Denúncias de violações, torturas e até mortes sob custódia policial continuam, em muitos casos, sem desfecho conhecido. A ausência de punições severas e exemplares reforça a cultura da impunidade e legitima, aos olhos da população, o uso abusivo da farda como instrumento de poder e intimidação. Quando a autoridade deixa de ser sinónimo de proteção e passa a representar ameaça, o pacto social entra em colapso.
O recente caso da menina Belma ilustra de forma dramática esta ruptura. Um dos seus progenitores afirmou publicamente que, caso a justiça formal não seja feita, recorrerá aos “meios tradicionais” para resolver o conflito — uma referência clara à fetiçaria. Independentemente da crença envolvida, esta declaração é um grito de desespero que revela até que ponto a confiança no sistema judicial está fragilizada. Quando cidadãos começam a considerar soluções paralelas — sejam elas tradicionais, violentas ou simbólicas — estamos perante um sério sinal de alarme social.
É fundamental compreender que a justiça pelas próprias mãos, sob qualquer forma, também constitui crime e aprofunda o ciclo de violência e ilegalidade. Mas, a responsabilidade maior recai sobre o Estado e as suas instituições. A morosidade, o favorecimento, a falta de transparência e a ausência de responsabilização efectiva dos prevaricadores criam as condições ideais para que os cidadãos abandonem os canais legais.
Urge, portanto, que os órgãos de justiça em Angola atuem com maior celeridade, independência e rigor, sobretudo em casos sensíveis que envolvem violações graves de direitos humanos. A punição exemplar dos infratores, independentemente da farda que vestem ou do cargo que ocupam, é crucial para restaurar a confiança pública. Só assim será possível travar a perigosa tendência de substituição da justiça institucional pela justiça privada — um caminho que ameaça o próprio Estado de Direito.
Por Rafael Morais

