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Segunda, 10 Novembro 2025 12:25

A vacinação contra o câncer do colo do útero e a descrença em relação à vacina

O governo angolano, milagrosamente, está a levar a cabo uma campanha de vacinação como prevenção contra a doença do cancro do colo do útero. Esta campanha teve início no pretérito dia 27 de Outubro  e vai até o dia 7 do mês em curso, tendo previsões para que aconteça uma segunda fase a partir de Janeiro de 2026.

A prioridade é vacinar cerca de 2,2 milhões de crianças dos 9 aos 12 anos de idade em todo o território nacional. Para o efeito, as escolas são os espaços privilegiados dessa campanha, mas não exclusivos. Segundo dados do MINSA, o cancro do colo do útero é a segunda maior causa de morte, contra o cancro, entre as mulheres, seguida do cancro da mama. Alguns, no entanto, são os angolanos que, e como quase sempre, continuam cépticos ante a esta medida, duvidando não só desta política do governo, mas também, e se calhar o pior, da eficácia da própria vacina.

E devemos até admitir que a comunicação com os professores,  pais e encarregados de educação não foi de forma antecipada e massiva igual ao início da campanha. Por conseguinte, essas pessoas, pouco sensibilizadas, simplesmente esqueceram o facto de que só no ano de 2022 Angola tratou 915 casos desse tipo de cancro, o que obrigou o governo a juntar-se com parceiros internacionais como o Banco Europeu de Investimento (BEI) e a União Europeia que ofereceram um financiamento de cerca de 50 milhões de euros.

Ademais, a notícia da campanha foi anunciada, em primeira instância, pelo secretário de Estado para Saúde Pública, Carlos Alberto Pinto de Sousa, em 2 de Setembro, na capital do país, Luanda, tendo actualmente a Primeira Dama da República, Ana Dias Lourenço, como a embaixadora da mesma. Para isto, o MINSA adquiriu 2.230 mil doses da vacina imunizadora contra o HPV (Papilomavírus Humano)  — o vírus do Cancro do Colo do Útero, transmitido principalmente pelo contacto sexual.

Mas poderiam todas estas medidas fazerem parte de um investimento para uma necropolítica de redução populacional vulgo anti-natalista?

Ora, não vi até ao momento, em Angola, um Movimento que se assumiu oficialmente como anti-vacinas, mas as teorias construídas, de quem rejeita a vacina, não fogem muito com as de conspiração — que, em alguns casos, vejam na ciência moderna uma pseudo via para resolver os problemas sociais —, criticando os métodos e os resultados das mesmas pesquisas. O argumento usado na descrença das vacinas são variados: a quem acredita que as condições de autismo, cancro e outras doenças de nascença são provocadas pelas próprias vacinas pré-natais; outros afirmam que os países imperialistas, na ânsia pela obtenção de lucro, inventam doenças, temporariamente curáveis, em laboratórios para depois venderem as vacinas; não muito diferente destes, alguns afirmam que essas vacinas fazem parte de um programa para a redução da população a nível mundial e sobretudo africano, por meio da esterilização das mulheres. Este último argumento, segundo observei, foi o mais compartilhado pelos encarregados de educação, a quando do meu questionamento sobre o porquê de não autorizarem a vacinação das crianças. Mas o que mais me preocupou nisso tudo, é saber que todas estas teorias não têm nenhum embasamento científico. São argumentos desprovidos de quaisquer estudos ou pesquisas publicadas e reconhecidas internacionalmente.

Essas crenças, embora infundadas, ganham força num contexto em que as populações já desconfiam das intenções geopolíticas globais — o que nos remete ao conceito de necropolítica proposto por Achille Mbembe, que, ao contrário da biopolítica, elas visam reduzir significativamente as populações excedentes em países pobres, por meio de guerras, pandemias e crises socias — verdadeiros actos de desumanização contra as classes dominadas. E talvez por isso, devemos admitir que, em países como o de Angola, em que a pobreza insiste em não tirar férias, e a taxa de natalidade parece crescer mais do que o PIB, muitos então acusam estas medidas de vacinas como políticas anti-natalistas.

Mas sejamos sensatos, a vacina contra o Papilomavírus Humano (HPV), desenvolvida em 1980, não foi um caso aleatório de pesquisa. Passou por rigorosos processos e experimentações laboratoriais, com a criação de partículas ou vírus para estimulação do sistema imunológico para formação de anti-corpos, e só depois submetidos a milhares de voluntários para que, na sua aplicação, a padronização de resultados pudesse conferir uma eficácia da mesma, isto tudo acontece antes de ser usada a nível global, assim como acontece com muitas vacinas hoje difundidas. Assim, a vacina contra o HPV para além de reduzir o risco de desenvolvimento do cancro do colo do útero, diminui significativamente o número de casos de verrugas genitais ou lesões pré-cancerígenas, e seus efeitos colaterais são, geralmente leves e temporários, como dor nos braços, febre baixa e cansaço, mas nehum dado sobre prejuízo à fertilidade das mulheres.

Então, afirmar de que essa vacina faz parte de uma necropolítica ou medida anti-natalista é o mesmo que afirmar que a Austrália (o primeiro país a adoptar a vacinação contra o HPV em 2007), Reino Unido, Suécia, Ruanda e outros, são países genocidas contra o seu próprio povo. O que não é verdade. Pois, a Austrália, por exemplo, reduziu em 80% as infecções por HPV e redução de 50% nas lesões pré-cancerosas em mulheres jovens. Só o Ruanda, que é um país africano — que introduziu a vacina em 2011 — por meio da eficácia da vacina, decidiu introduzir a vacina de forma nacional.

O vírus do HPV não é algo exclusivo de Angola, mas devemos admitir que, se a vacina não é eficiente, a doença sem sombra de dúvidas o é. E só quem já sofreu ou sofre por ela pode confirmar. Angola, então, deve, como fez o Ruanda, introduzir esta vacina no calendário nacional de rotina para garantir protecção às futuras gerações de meninas.

Em suma, as autoridades angolanas devem reforçar mais na comunicação sobre a qualidade, eficácia e importância das vacinas e sobretudo, as possíveis consequências da não vacinação. Pois, muitos se absteram por conta, não só das teóricas sobre políticas anti-natalistas, mas também pela ausência de informações suficientes para mandarem seus filhos à um lugar possivelmente necrótico.

Autor do Texto: Mateus Kuta (Professor, Estudante Universitário no Instituto Superior Dom Bosco — Unidade Orgânica da Universidade Católica de Angola, no curso de Licenciatura em Ensino Primário).

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