Em entrevista exclusiva à CNN Portugal, o presidente angolano, João Lourenço, manifestou "algum incómodo" com a nova lei da nacionalidade aprovada pelo Governo português, alertando para os riscos que a medida pode representar para as relações bilaterais e para o futuro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“Estamos a seguir a situação com muita atenção. Existe algum incómodo. O mínimo que exigimos é que Portugal não trate os imigrantes que escolheram o país como destino para fazerem as suas vidas de forma pior do que os portugueses foram tratados nos países que os acolheram”, afirmou o chefe de Estado angolano.
Apesar de reconhecer que cada país tem o direito de gerir as suas fronteiras, João Lourenço alerta para a necessidade de seguir boas práticas internacionais: “Hoje são uns, amanhã serão outros. No passado foram outros. Portugal é um país de emigrantes, a sua história está profundamente ligada à emigração.”
Sobre se abordará o tema com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa quando visitar Portugal, João Lourenço foi claro: “É nossa obrigação evitar que a CPLP possa ruir. Vamos trabalhar todos juntos para não fazer descambar esse grande projeto de comunidade.”
Angola não vê Portugal como única porta de entrada na Europa
João Lourenço rejeita a ideia de que Portugal seja a porta de entrada de Angola na Europa, afirmando que o país africano tem a liberdade e capacidade de estabelecer relações diretas com qualquer país europeu.
“A porta de entrada da Europa para África não é Portugal, nem mesmo a de Angola. Podemos falar com qualquer país europeu diretamente”, defende.
O presidente destaca os progressos feitos no país desde 1975, reconhecendo que nem tudo foi resolvido, mas reafirmando que a independência valeu a pena.
“Nós em 50 anos fizemos muito mais do que o regime colonial fez em 500 anos em praticamente todos os domínios. Em estradas, escolas, hospitais, energia, em todos esses domínios nós fizemos", enumera.
Questionado sobre as relações económicas com Portugal, João Lourenço disse querer ver um maior investimento português em setores produtivos como a indústria, agropecuária, pescas e turismo, e menos no comércio.
“Felizmente, isso já está a acontecer. Algumas empresas deixaram de apenas vender e decidiram produzir localmente", aponta.
Do lado oposto, foi crítico quanto ao investimento público angolano em Portugal nos últimos anos, que terá sido, em muitos casos, apropriado por interesses privados.
“O que se passou foi que o dinheiro era do Estado, mas o investimento era registado em nome de A, B ou C. Estamos a falar do caso da Galp, da Efacec. Algum espertalhão ou espertalhona pôs o investimento em seu nome e a imagem de Angola ficou manchada com essa atitude", considera.
"A justiça há de chegar" no caso Isabel dos Santos
Sem rodeios, João Lourenço abordou o caso da empresária Isabel dos Santos, negando qualquer tipo de perseguição política por parte das autoridades angolanas.
“Se Portugal e a Holanda também estão a investigar, também estão a fazer perseguição política? A justiça está a fazer o seu trabalho. Angola não esqueceu e continua à espera que justiça seja feita. Vamos esperar pacientemente. A justiça às vezes tarda, mas chega sempre.”
Sublinha ainda que a filiação familiar não deve ser usada como escudo: “Quando alguém comete presumivelmente um crime, não se deve pensar primeiro de quem é filho. As pessoas, quando passam dos 18 anos, deixam de ser filhos de, são cidadãos.”
Angola e o novo equilíbrio global
João Lourenço posiciona ainda Angola como um interlocutor válido na construção de uma nova ordem mundial, com capacidade de manter boas relações com diversos blocos políticos e países.
“Angola pode ser melhor utilizada no sentido de falar com todos, nós temos essa capacidade. Temos coragem de dizer olhos nos olhos quando os nossos parceiros estão errados, já o fizemos com Vladimir Putin sobre a agressão russa à Ucrânia. Angola pauta por ter boas relações, de preferência, com todos os países do mundo", garante.
O chefe de Estado critica o uso da força para impor mudanças globais: “Uma nova ordem social era necessário, impunha-se, mas nunca pela força das armas. Através de uma reforma das Nações Unidas, do Banco Mundial, do FMI. Lamentavelmente está a ser desenhado um novo mapa mundo. Não nos esperam dias bons no futuro."
Sucessão presidencial e desafios internos
Questionado sobre a sucessão em Angola, João Lourenço reconhece pensar "todos os dias" no tema, sublinhando o seu papel na escolha de um sucessor capaz.
“Não posso deixar que o país fique nas mãos de um qualquer. A minha luta é fazer tudo para encontrar alguém que faça por Angola, no mínimo, igual ou, de preferência, melhor do que eu fiz", argumenta.
Em relação aos protestos internos, João Lourenço minimiza a sua relevância: “Às vezes as pessoas manifestam-se sem nenhuma razão aparente."