A entrega do dote, ou alambamento, é a condição indispensável para que haja casamento tradicional – que chega a ter maior impacto que o casamento civil ou religioso. Mas a realidade mudou e muitas famílias são criticadas por serem consideradas oportunistas.
Esta situação ganha terreno em Cabinda. Ao contrário da longa lista de bens hoje pedidos à família do noivo, no passado o dote era considerado um gesto simbólico e de respeito à família da noiva e era composto por utensílios básicos.
“Este é um problema que deve nos interpelar a todos, pois nós estamos com um défice de diálogo entre a tradição e a modernidade, há problemas muito sérios. Por isso, a dita modernidade não nos deve alienar a nossa tradição, pois um povo que perde definitivamente as suas raizes ancestrais é um povo sem rumo”, explica o político e professor universitário Raúl Tati.
O bispo da Diocese de Cabinda, Belmiro Chissengueti, também tece críticas às longas listas de bens pedidos no dote de casamento tradicional que, a seu ver, asfixia jovens com o sonho de casar.
“Esforço social”
“O casamento é um elemento fundamental estruturante. Por isso deve haver um esforço social por forma a garantir a harmonia social, mas permitindo que os pobres e os desempregados não sejam impedidos de formar família”, diz.
A mesma preocupação é manifestada pela camada juvenil, que entende que é colocada em causa a imagem e a dignidade da mulher que entra na relação em posição fragilizada, tornando-se propriedade da família.
Por isso, Emiliana Bambi, de 27 anos, deixa um apelo: “Acredito que a cultura deve fazer o seu trabalho de base que é inspecionar, porque particularmente não vejo essa realidade na província.”
A situação motivou recentemente uma Conferência Provincial sobre o Casamento Tradicional, que contou com a participação de vários estratos da sociedade, entre autoridades tradicionais e religiosas, académicos e juristas.
Pais, não tios
Do encontro saiu a decisão de que a relação dos produtos do dote seja feita pelos pais e não pelos tios, como tem acontecido, para acabar com excessos. Ainda assim, há famílias que não cumprem, denunciou o secretário provincial da Cultura, Manuel Guilherme.
“Algumas famílias cumprem, mas outras nem por isso e há ainda outras que nem querem saber disto, ou seja, muitas delas pensam que quanto mais for elevado o dote maior é a valorização da mulher”, diz.
O vice-governador de Cabinda, Macário Lembe, considerou um atentado à cultura local essa posição das famílias.
“Temos de eliminar a tendência de banalização desta cerimónia que em muitos casos se tem tornado em momentos de destruição da consciência moral ferindo gravemente o objetivo que é a constituição harmoniosa da família”, conclui.

