O músico Bonga, que receberá este ano uma condecoração oficial, considera que Angola devia “recuar para melhor avançar” e, nesse caminho, não contar “com os mesmos”, mas “com outros que tenham têmpera” e que recuperem “o angolano de ontem”.
Em entrevista à Lusa na cidade alentejana de Sines, onde esteve para atuar no Festival Músicas do Mundo, o músico, de quase 83 anos, partilhou que gostava de ver Angola, 50 anos depois da independência. “Como nós começámos mal, temos que dizer que vamos recuar para melhor avançar. E melhor avançar não é contar com os mesmos que já nos fizeram mal. Têm que contar com outros que tenham têmpera”, vincou.
“Estamo-nos a acobardar demais, (…) tem que haver aquele angolano de ontem, ousado, perspicaz, respeitoso, verdadeiro. Angolano, sem complexos. A gravata não é o mais importante. Os cursos tirados também não são importantes, senhor doutor, senhor engenheiro…”, criticou.
O importante — questiona — é “saber o que é que ele faz, de que é que ele vive, como é que ele vive com a família dele, respeita quem, [se] saúda o povo na rua, [se] ajuda as pessoas”.
A programação paralela do Festival Músicas do Mundo — que decorre em Sines até sábado (com concertos que se estendem pela madrugada de domingo) — inclui a exposição coletiva “Balumuka! — Narrativa poética da liberação… ou ainda, Rebelião Poética Kaluanda”.
Bonga visitou a exposição antes de deixar Sines, para ver a capa do seu disco icónico “Angola 72” na parede do Centro de Artes.
À Lusa, elogiou “o contributo” dos artistas-ativistas angolanos que integram a exposição, com curadoria de Kiluanji Kia Henda e André Cunha, com um olhar sobre a música enquanto veículo de preservação da história.
“Ai, espera aí, então, com tudo isso, não é para a gente ser feliz?”, atira, perguntando onde está “a solidariedade” com “aqueles que comem em contentores e que estão na rua, desgraçados” e lembrando a “escola [que] não há, os hospitais [que] estão com problema”.
O facto de viver fora há mais de 40 anos não lhe diminuiu o amor por Angola. “O país é o país. Agora, os homens é outra louça, (…) contra eles é que a gente se deve insurgir”, sublinhou. No caso dele, fá-lo “cantando, que é a melhor maneira” que encontra para dar “recados positivos para ajudar” o “grande povo” angolano.