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Terça, 24 Junho 2025 19:58

«Não podemos ter boa justiça quando os tribunais são injustiçados pelo Executivo» - José Luís Domingos

Assumiu o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) há cerca de um ano e meio, por via de renhidas eleições, em substituição do jurista Luís Paulo Monteiro.

Doutorando em Direito pela Universidade Católica de Lisboa, José Luís António Domingos não tem tido um consulado pacífico devido às suas posições ousadas em defesa da classe e de causas sociais, algumas das quais já levaram ao chumbo de leis inconstitucionais junto do Tribunal Constitucional.

Está há cerca de um ano e meio à frente da OAA. Que balanço faz do seu consulado?

O balanço é positivo, visto que temos trabalhado com dedicação e compromisso diário para dignificar a classe e reforçar o papel da OAA como garante do Estado de Direito. Enfrentamos, contudo, limitações significativas, nomeadamente a ausência de um tratamento justo por parte do Executivo quanto à atribuição de um orçamento próprio à OAA, ao contrário do que acontece com outros operadores judiciários. Esta carência compromete o cumprimento integral e eficaz das nossas atribuições constitucionais.

Apesar disso, registámos progressos assinaláveis, apostámos fortemente na capacitação técnica dos advogados, como demonstram os cursos de línguas em curso e outras formações especializadas.

No domínio da protecção social, firmámos parcerias que facilitam o acesso aos serviços de saúde e seguros em condições vantajosas para os colegas, e preparamos a implementação de um fundo de apoio financeiro que oferecerá segurança adicional no futuro.

Prosseguimos com a remodelação das salas de trabalho para os advogados nos tribunais, temos em curso a reforma dos normativos internos da Ordem - com enfoque no reforço do regime de imunidades dos advogados - e continuamos a desenvolver acções em defesa da legalidade, da justiça e dos direitos fundamentais dos cidadãos. Implementámos uma verdadeira revolução digital na Ordem. O portal do advogado permite hoje a plena interacção com os serviços da OAA sem necessidade de deslocação física, e introduzimos uma nova cédula profissional moderna e segura, compatível com os padrões internacionais.

No plano da transparência, promovemos uma cultura de responsabilidade e prestação de contas: em menos de dois anos, submetemos à aprovação da classe o plano de actividades, os respectivos orçamentos e os relatórios de contas, todos aprovados praticamente por unanimidade.

O que lhe oferece dizer sobre a nova Lei da Advocacia em debate na AN?

No plano legislativo, promovemos a elaboração e discussão pública de propostas para a revisão do Estatuto da OAA, assim como oferecemos contributos técnicos relevantes à proposta da nova Lei da Advocacia em debate na Assembleia Nacional.

Reforçámos a cultura de compliance e responsabilidade jurídica, com a implementação de procedimentos internos de controlo e transparência, aprovação de normativos sobre conflitos de interesse e boas práticas administrativas, bem como a capacitação dos quadros da Ordem em matérias de integridade e gestão institucional. No campo dos direitos humanos, organizámos um colóquio nacional com a participação de organizações da sociedade civil e ONG´s, reforçando o posicionamento da Ordem como defensora dos direitos fundamentais a nível nacional e internacional. Participámos activamente em redes e fóruns internacionais ligados à defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão, fortalecendo o prestígio da advocacia angolana além-fronteiras.

Estes avanços demonstram que, mesmo perante limitações orçamentais, a OAA tem conseguido afirmar-se como uma instituição actuante, moderna e comprometida com os mais elevados padrões de ética, justiça e cidadania.

Durante a campanha eleitoral, prometeu fortalecer o Estado de direito e conferir maior dignidade aos advogados. O que já fez de concreto?

Temos desenvolvido acções concretas para a consolidação do Estado democrático de direito e a valorização da advocacia. Celebrámos um acordo com a Associação dos Juízes de Angola (AJA) para promover o diálogo nacional sobre a reforma da justiça e participámos activamente em reuniões de coordenação judicial, onde apresentámos propostas para o aperfeiçoamento do sistema. Realizámos visitas a tribunais e estabelecimentos prisionais em diversas províncias, avaliando no terreno as condições de acesso à justiça, sobretudo para os mais vulneráveis.

Reforçámos a assistência jurídica gratuita com a promoção contínua de consultas públicas em várias regiões do País, defendemos a implementação plena da figura do defensor público — consagrada na Constituição — e reivindicámos de forma persistente o aumento das verbas para o apoio judiciário, essencial para uma remuneração condigna dos advogados que prestam esse serviço.

Assumimos uma postura firme na defesa da legalidade, interpondo acções junto ao Tribunal Constitucional contra normas que consideramos inconstitucionais, como o regime jurídico do NIF e a Lei do Vandalismo, e emitimos pareceres e alertas sempre que identificámos ilegalidades em actos normativos do Executivo.

Organizámos ainda um colóquio nacional sobre direitos humanos com organizações da sociedade civil e ONG´s de todo o País, elaborámos relatórios com recomendações e reforçámos a participação da OAA em fóruns internacionais de defesa dos direitos fundamentais, entre outras actividades.

Estas acções consolidam o compromisso da OAA com o Estado de Direito, a justiça acessível e a valorização da advocacia como pilar essencial do sistema democrático.

Em matéria de patrocínio judiciário, qual foi o desempenho da OAA?

Reforçámos a assistência jurídica gratuita com a promoção contínua de consultas públicas em várias regiões do País, defendemos a implementação plena da figura do defensor público — consagrada na Constituição — e reivindicámos de forma persistente o aumento das verbas para o apoio judiciário, essencial para uma remuneração condigna dos advogados que prestam esse serviço.

A OAA tem reafirmado a centralidade do patrocínio judiciário como expressão do compromisso com os direitos fundamentais.

Apesar das dificuldades financeiras, mantivemos a prestação de assistência jurídica aos cidadãos economicamente carenciados, defendendo sistematicamente a valorização e remuneração condigna dos advogados envolvidos. Reiterámos a necessidade de um fundo específico para o patrocínio judiciário, previsto na Constituição, e temos exigido do Executivo um compromisso mais sério neste domínio. Porém, o quadro é mau e precisa de ser urgentemente revisto, somos de opinião de que é o momento de implementarmos em Angola a defesa pública constitucionalmente consagrada, seguindo exemplo de outros países, cito o Brasil que é um caso de grande sucesso.

Alimenta a esperança de que a situação financeira venha a melhorar a curto ou médio prazo?

Temos mantido diálogo permanente com o Executivo neste sentido e, em relação ao ano passado, houve melhorias significativas, apesar de insuficiente.

Acreditamos que o quadro será cada vez mais aceitável neste sentido. Pois, a ausência de financiamento adequado compromete a sustentabilidade da assistência [judiciária], pelo que continuamos a reivindicar a institucionalização de um orçamento próprio e a criação de mecanismos eficazes de apoio ao patrocínio judiciário.

Houve melhorias nas condições de trabalho nos tribunais?

Em algumas localidades, verificaram-se melhorias pontuais, nomeadamente em instalações físicas. No entanto, a maioria dos tribunais continua a carecer de condições dignas para o exercício da advocacia. A OAA tem mantido uma postura firme na denúncia destas deficiências e na reivindicação de melhores condições de trabalho para os operadores judiciários.

Finalmente, depois de muita persistência, prevaleceu a solidariedade institucional, pelo que o Conselho Superior da Magistratura Judicial autorizou a OAA para remodelar as salas dos advogados nos tribunais. Tentaremos com o pouco que temos de melhorar as salas de alguns Tribunais no País, isto para salvaguardar a saúde dos advogados e a dignidade da classe.

Que avaliação faz da promessa pelo PR, em 2017, segundo o qual:

«A justiça deve ser acessível a todos, infelizmente, persistem sinais de desigualdade no tratamento judicial, o que exige reformas estruturais e conjunturais no sistema de justiça» NJ

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