No plano onde estou, não sinto essa tensão. Mas no plano económico, sim, até porque os empresários angolanos são agressivos. Querem investir e comprar coisas, querem controlar. É quase como os americanos, que querem ter domínio.
No caso de Angola sente-se isso mais como uma espécie de vingança do ex-colonizado.
Acho que é uma coisa capitalista. Pura. É uma oportunidade, porque não? Lembro-me quando a Teixeira Duarte e a Soares da Costa entraram em Angola e a multiplicação que depois fizeram de negócios. Começaram a investir em sectores que não eram o seu território. Na minha lógica, eles viram a oportunidade. Porque não? Não vi isso como colonização.
Não sente na elite angolana esse sentimento de vingança?
Não sou a elite angolana, não sei como eles pensam. É uma boa piada de alguma forma. Nenhum empresário entra num mercado com o intuito de perder dinheiro. Podia ser muito gira essa ideia de colonialismo invertido, dá para vender jornais, para escrever romances. Mas se eu tiver capital e fizer sentido, invisto. As viagens oficiais dos governos portugueses de Mário Soares a Passos Coelho fizeram-se para atrair investimento. Uma coisa que não sabemos é qual é a carteira de negócios dos empresários angolanos fora de Portugal. Se estão a investir na Nigéria, na África do Sul, nos PALOP, na Bolsa americana...
Acha então que este sentimento em relação aos angolanos é uma embirração, não é real?
É real, porque estamos a falar sobre o assunto. Não é sério. É útil para uma certa instância. Como também é útil o contrário. África queixa-se do investimento chinês, mas é verdade que é útil, eles constroem, desenvolvem.
E corrompem governos. Há vasta literatura sobre isso.
Isso é outra questão. Não conheço. Bom, aqui em Portugal estamos a viver um caso nos dias de hoje [José Sócrates], é uma questão mais delicada. Não tenho provas, posso especular.
Como é que esse sentimento ambivalente em relação aos angolanos tem impacto na sua vida?
Por exemplo, eu ando sempre de fato e gravata e um dia o dono de um restaurante achou que eu era um empresário angolano e perguntou-me se queria comprar o negócio. Era uma tasca aqui na baixa. Várias vezes aconteceu. O angolano transformou-se quase num centro de emprego. Quantas e quantas pessoas vêm ter comigo "eh pá, conheces alguém, está aqui o meu currículo", para trabalhar em Angola. É muito comum.
O título do livro, O Angolano que Comprou Lisboa (Por Metade do Preço), é uma brincadeira sobre isso?
É, porque está na ordem do dia. Custa-me olhar e aceitar que seja só culpa dos angolanos. Se olharmos bem, os empresários angolanos não estão a entrar sem parceiros portugueses. Estão a entrar com o grupo Amorim, com a Sonae. É como um casamento, seduz-se e é-se seduzido. Se Portugal não quisesse esse investimento, fechava. As empresas estão cotadas em Bolsa, é um mercado aberto, qualquer pessoa pode investir.
O que acha do regime angolano?
Há uma coisa engraçada, de que se fala pouco. Há uma identidade nacional - tirando, talvez, Cabinda. Isso é positivo. Não há guerras étnicas. Naquele território, em África, é de louvar. Há um aspecto sobre a democracia em Angola: é muito recente. Logo depois da independência, entrámos numa guerra civil violentíssima. Quando se está em guerra há muitos vícios, e só nos últimos 10 anos nos estamos a conseguir livrar disso. Mas é muito pouco tempo. Obviamente o mundo anda depressa, queremos soluções para amanhã, mas eu sou paciente. É óbvio que não é uma sociedade justa e equilibrada em termos sociais, mas acho que estamos a pagar as consequências de termos vivido 30 anos de guerra civil.
Mas sabe que as críticas apontam para outras coisas: regime de partido único há décadas, violação dos direitos humanos, alta corrupção do Estado... Concorda com essas críticas?
Como todo o angolano, lamento que não haja uma sociedade onde toda a criança olhe para o seu futuro com optimismo. É importante resgatar esses valores da utopia.
É muito diplomático... Nunca o veremos a criticar abertamente o governo angolano?
Claro que sou diplomático. [Pausa] Vou dizer-te abertamente porque é que tenho os meus receios. Não sei com todas as certezas qual é o posicionamento da América, da Europa, em relação à África, não sei qual é a agenda. Para criticar o Governo de Angola tenho muito cuidado, porque tenho de estar a olhar para o outro lado. Não há países isolados, e Angola tem petróleo e diamantes. É um país muito rico. Esteve sempre em diálogo com outras potências.
Se hoje criticasse abertamente o Governo de Angola teria medo de voltar para lá depois?
Eu critico a democracia no geral. Critico a forma como os ditos políticos do mundo se posicionaram em relação a África, critico a descolonização, guerra civil...
Isso soa a desculpa.
Não, não é desculpa. Critico as guerras que se perpetuaram, que foram e continuam a ser benéficas.
E Moçambique, que teve uma guerra civil e hoje tem uma democracia muito mais saudável?
Porque não há riquezas para cobiçar. A nossa grande maldição é sermos um país rico.
Mas sabe que o mundo está cheio de países democráticos ricos em matérias-primas.
Em África são poucos.
Ou seja, o que se aponta ao regime angolano explica-se pelo contexto africano?
Global. Deixem de comprar o petróleo a Angola. Criticamos tanto o Governo de Angola e porque é que continuamos a fazer negócios com ele?
Não é normal um país não ter eleições durante muitos anos.
Vou dizer uma coisa muito simples. Quero uma sociedade justa independentemente de ser um país comunista, como a China, ou uma democracia. É-me indiferente o regime político. Quero uma sociedade justa.
Viveria numa sociedade que não lhe dava a opção de escolher quem o governa?
Não me choca. Se tiver uma sociedade justa. Se os hospitais, as escolas, as estradas, a habitação...
Um europeu não percebe isso.
Mas haver alternância política e não haver justiça social? De que nos serve? Quero uma sociedade justa. Seja lá quem for que me governe.
Revista SABADO