Print this page
Quarta, 12 Novembro 2014 11:31

‘Canudo não é sinónimo de emprego’

Anualmente, as universidades nacionais outorgam diplomas aos licenciados que, segundo elas, estão aptos para ingressar no mercado de trabalho. Todavia o “canudo” não garante o acesso ao emprego e tal situação tem desmoralizado os recém- formados, pese embora as políticas de combate ao desemprego.

A jovem Gercioneth Neves, de 26 anos de idade, contou a OPAÍS que após quatro anos intensos de formação conseguiu o tão desejado canudo, é licenciada em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Lusíadas de Angola (ULA) e há dois anos se encontra na busca árdua pelo emprego.

A gestora afirmou que já pensou em trabalhar noutra província ou até mesmo noutra área que não fosse a da sua especialidade, porque, segundo ela, ainda não possuí experiência e concorda que é sempre bom adquirir conhecimentos extras, visto que o saber não ocupa lugar, argumentou.

Ciente de que a falta experiência é uma das principais deficiências no seu currículo, a nossa entrevistada declarou que já reflectiu sobre a possibilidade de fazer estágios não remunerados de modo a suprir esta lacuna, apesar de não obter sucessos nas suas tentativas, lamentou.

Gercioneth Neves disse ainda que já entregou inúmeras cópias do seu currículo dirigidas à diversas empresas e chegou até mesmo a ser chamada para ser submetida a entrevista, “aparentemente a resposta é positiva e pedem para aguardar a ligação telefónica que infelizmente nunca é recebida”, afirmou.

Por não conseguir conquistar o emprego até ao momento, a nossa interlocutora revelou se sentir frustrada, “ tive de superar muitas dificuldades no decorrer da minha formação académica e agora me encontro “estagnada” profissionalmente, não posso demonstrar o que aprendi, alegou. Não estudei para ficar com o conhecimento guardado em casa”, defendeu.

Indagada sobre a opinião que alguns empresários angolanos defendem ao alegarem que “muitos licenciados não possuem a qualificação profissional” exigida para ingressarem em determinadas empresas ou cargos, a nossa entrevistada diz que “no aglomerado de indivíduos que concorrem para vaga de emprego, sempre haverá algum que apresente debilidades elevadas em relação aos demais, porém, também há muitos jovens recém-formados com potencial”, explicou.

Gercioneth Neves disse ainda que muitos dos candidatos não são seleccionados porque geralmente as vagas são ocupadas por aqueles que têm alguém conhecido, vulgo “padrinho na cozinha ou cunha” que intervém a favor deste, afirmou, há alguns casos em que o candidato se disponibiliza a pagar determinado valor, vulgo “gasosa”, para garantir o lugar, detalhou.

“Tem muita corrupção e burlas nesse âmbito”, disse.

Sem oportunidades como adquiriremos a experiência?

No que tange ao requisito “experiência” exigido pelas empresas, Gercioneth Neves é a favor de que as empresas dêem mais oportunidades aos jovens que desejam crescer profissionalmente, realçou.

“Geralmente as empresas quando fazem anúncios da existência de vagas para determinada função, a experiência profissional é exigida como requisito. Se eles não me derem experiência como é que eu vou adquiri-la?”, questionou.

A nossa interlocutora disse ainda que para estes casos em que se realça a carência de experiência, “a solução partiria da iniciativa do empresariado nacional em manter o contacto com a direcção das universidades, a fim de tomarem o conhecimento dos estudantes com bom aproveitamento académico, de modo a gratificá-los com estágios, ainda que não remunerados”.

Prosseguiu dizendo que “em função do desempenho dos mesmos poderiam ser recrutados, assim incentivariam os estudantes, diminuiriam a suposta falta de experimentações e melhorariam a imagem da empresa junto da opinião pública”, concluiu.

Por sua vez, outro entrevistado, declarou que foram necessários cinco anos e meio para se licenciar em Geofísica pela Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto.

Em declarações a O PAÍS, afirmou que antes de concluir o curso já se preocupava em conseguir uma vaga no mercado de trabalho, chegando mesmo a usufruir de um estágio de “Pesquisa de águas” na empresa SEGEO durante dois meses, apesar de não ser enquadrado na referida instituição. Ele disse ainda que se encontra há um ano na busca incessante pelo emprego e durante esta jornada, a situação mais constrangedora pela qual passou, foi ter sido convocado para uma entrevista e após a mesma, a entidade responsável lhe ter dito que já não havia vagas, lembrou.

Apesar das dificuldades que encontra para esta realização, o nosso interlocutor diz que se mantém na expectativa de que alguma das empresas para as quais enviou o seu currículo, e foi entrevistado, o chame e lhe dê a oportunidade para começar a dar os primeiros passos enquanto profissional no tão “almejado” emprego.

Iniciativas sociais de combate ao desemprego

No âmbito do Fórum Nacional da Juventude, que teve lugar em Setembro do ano transacto, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, apontou a importância do emprego e a formação como preocupação fulcral para a camada juvenil.

“Retivemos dessas conclusões que o emprego e a formação profissional são os assuntos que mais preocupam os jovens”, disse.

Nesta senda, foi criado o Plano Nacional de desenvolvimento para Juventude (PNDJ) 2013-2017, com o objectivo de serem criadas políticas, projectos para dirimir as lacunas existentes, embora ainda não se façam sentir na sua plenitude.

Algumas empresas se juntam a iniciativa do executivo angolano, como a Odebrecht que em parceria com as universidades nacionais desenvolvem o “Projecto Jovem Parceiro”, desde 2004.

O projecto visa integrar jovens profissionais (recém-formados) que pretendam desenvolver carreira na referida instituição.

Em depoimento a O PAÍS, António Carlos Daiha Blando director superintendente da Odebrecht em Angola disse que a empresa que gere procura jovens dedicados que demonstrem interesse.

“Fazemos um acompanhamento. Observamos também o carácter, a postura, características como a simplicidade, a humildade, o espírito de servir, a capacidade de trabalhar em grupo”, detalhou. “Para nós é mais importante que eles venham com estas características do que com grandes conhecimentos”.

Acrescentou dizendo: “o conhecimento nós podemos ensinar, a fazer concreto, a fazer escavação, aterros, contabilidade, isso nós podemos ensinar, mas a ter carácter nós não podemos ensinar. O jovem que nós queremos é aquele que tem carácter”, concluiu.

Em dez anos da sua implementação, 70% dos jovens que aderiram ao programa se mantiveram na organização e actualmente ocupam cargos estratégicos nas mais distintas áreas de actuação.

Com esta mesma perspectiva trabalhou em Agosto último a Primavera BSS, empresa portuguesa especializada no desenvolvimento de soluções de gestão para o mercado global, que em parceria com o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) e com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MTC) promoveram uma acção de formação gratuita, num pacote de trinta horas, endereçada aos desempregados e recém-licenciados à procura do primeiro emprego com objectivo de qualificá-los no seu software.

Sérgio Lopes, director – geral da empresa em Angola, disse que os jovens que se submetem a esta formação passam a estar numa “bolsa de recursos” que a empresa possuí, e quando são contactados por algum parceiro sugerem-nos a eles. “Indicamo- los para que possam candidatar- se às vagas existentes naquelas organizações”, disse.

O gestor da Primavera BSS revelou a O PAÍS que em três ciclos de formação, o projecto já beneficiou 36 jovens “e alguns deles permanecem como funcionários na empresa”, salientou. “Nesta última edição tivemos 400 candidaturas”.

‘Desemprego gera consequências psicológicas, sociais e civis’

N´vunda Tonet psicólogo clínico e docente universitário disse que o desemprego é o fenómeno que muito tem atingido a sociedade angolana e sobretudo os jovens licenciados.

Segundo o psicólogo, o mesmo pode gerar o desequilíbrio psicológico, como por exemplo os transtornos de ajustamento, depressão e destemia, que surgem frequentemente quando nos propusemos a atingir determinadas metas e não conseguimos.

“Tem muitos jovens que atrasam a suas realizações familiares porque não têm uma estabilidade financeira e emprego”. “Este fenómeno não tem só consequências psicológicas mas também sociais e civis. Não só afecta o individuo ao nível pessoal mas também social”, explicou. N´vunda Tonet enfatizou que “quando o individuo identifica que está a passar por esse transtorno psicológico e por si só não consegue ultrapassá-lo, deve procurar ajuda especializada para orientação, a fim de encontrar a devida solução. Não só quem tem problemas graves mas também aqueles relativos ao autoconhecimento ou controlo dos impulsos”, afirmou.

Para se evitar tais transtornos no seio dos estudantes universitários, o psicólogo clínico disse, enquanto docente, que orienta os seus alunos a não estarem muito dependentes apenas dos conteúdos ministrados nas universidade e incentiva-os a fazerem outros cursos complementares para obterem um leque abrangente de conhecimentos e a driblar o desemprego com as iniciativas empreendedoras.

“Os estudantes não devem pensar exactamente que ao obterem um diploma têm de trabalhar necessariamente para uma instituição ou organização, reforçou, não devemos olhar para as empresas existentes como a única alternativa para nós trabalharmos”, argumentou.

Associativismo estudantil pela defesa dos licenciados e estudantes

O presidente da Associação dos Estudantes das Universidades Privadas, Jofre dos Santos, disse a O PAÍS que o organismo criado há quatro anos, tem como principal objectivo defender os objectivos legítimos dos estudantes, tanto aqueles que se encontram sob alçada da instituição como os que já finalizaram o seu curso e saíram.

O representante académico fez saber que frequentemente a organização que dirige tem mantido o contacto com o Dr. Adão do Nascimento, ministro do Ensino Superior, para exporem junto do mesmo as principais inquietações dos estudantes e também dos licenciados.

“Somos parceiros do Ministério do Ensino Superior (MES) para a resolução de diversos problemas dos estudantes, temos tido diversos encontros com o senhor ministro”, afirmou, “apesar das soluções não serem sempre aquelas pelas quais se espera”, disse.

Com o objectivo de verem supridas as necessidades dos licenciados, Jofre dos santos disse ainda que a Associação dos Estudantes das Universidades Privadas, não tem medido esforços na solicitação de estágios e bolsas externas. O Líder associativo estudantil disse ainda que no passado dia 2 de Outubro de 2014 mantiveram um encontro com o representante do Instituto Nacional de Bolsas, (INABE) Moisés Kafala Neto, com a mesma finalidade.

De acordo com Jofre dos Santos, algumas empresas têm disponibilizado determinado número de vagas, mas infelizmente não chegam para atenderem todos os estudantes. “As vezes são quinze vagas para 25 universidades, como as distribuiremos?”, questionou.

Neste sentido, alertou aos estudantes que a partir do terceiro ano da sua trajectória académica, devem ter a preocupação de arranjar um emprego para adquirir experiência profissional e não dependerem do período pós-licenciatura, aclarou.

Jofre dos Santos defendeu ainda que “as instituições de ensino superior também devem estar preocupadas com esta problemática, porque anualmente colocam “quadros” de qualidade à disposição do país, por isso, devem ter o interesse em saber se os mesmos foram enquadrados ou não”, disse.

Cursos sem saída, mito ou verdade?

Na concepção de João Demba, docente universitário do curso de Relações Internacionais na Universidade Privada de Angola (UPRA),todos os cursos têm saída profissional e o de Relações Internacionais não foge disso.

“Os conteúdos abordados no programa deste curso permitem aos estudantes adquirirem um leque abrangente de conhecimentos que os capacitam a trabalhar em áreas similares ao da sua formação”, explicou.

João Demba disse ainda que não é possível definir-se com exactidão quantos são os estudantes que no término da sua formação académica conseguem ingressar no mercado de trabalho.

Mas as instituições e os próprios docentes conseguem ter esta percepção quando são organizadas actividades científicas e extra curriculares em que muitos dos palestrantes são ex-alunos, que actualmente se encontram bem posicionados no mercado de trabalho.

“Muitos estudantes do curso de Relações Internacionais trabalham em embaixadas e outros se tornam docentes, afirmou”.

Fontes indisponíveis a fornecerem dados

O PAÍS contactou a direcção do Instituto Nacional de Estatística (INEA) para junto desta levantar dados referentes à taxa do desemprego juvenil a nível nacional. No entanto, a referida entidade alegou indisponibilidade de resposta, “Somos a informar que de momento a direcção do INEA, não tem disponibilidade para o efeito”, subscreveram.

Por sua vez, contactada a direcção do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) alegaram que o responsável pelo mesmo, o ministro Pitra Neto delegou ao director-geral da Direcção Nacional do Trabalho e Formação Profissional, Leonel Bernardo para responder à equipa de reportagem e este, de momento, se encontra ausente do país.

OPAÍS

Rate this item
(0 votes)

Latest from Angola 24 Horas

Template Design © Joomla Templates | GavickPro. All rights reserved.