Nem o choro da criança que aparentava ter 3 anos fez os agentes da polícia de ordem pública, militares e representantes da Sonip desistirem de despejar a senhora – que preferiu não ser identificada – que vive, há um ano, no apartamento 32 do Bloco W, prédio 32. A senhora mostrou resistência à ordem de despejo e tentava confrontar às autoridades, impedindo-os que entrassem em sua residência. Até antes de desmaiar o seu plano estava perfeito, mas, (in) felizmente, depois de ser reanimada, acabou algemada e levada à esquadra da Polícia.
A irmã mais nova da senhora, que tentava a todo custo convencer a polícia a não prender a sua mana e, ao mesmo tempo, consolava a sobrinha que não parava de chorar, não se conteve e derramou também lágrimas de desespero. Sem apresentar qualquer documento, foi expulsa da casa que diz ser dela e que vai provar este facto.
Além da menina que aparentava ter 3 anos, outra criança completamente inocente, já que era surda, também ficou sem tecto e com a mobília toda trancada dentro do apartamento. O primeiro dia de despejos, na cidade do Kilamba, dos moradores que a Sonip alega terem ocupado ilegalmente alguns apartamentos, ficou também marcado com o barulho da equipa de manutenção da CITIC em cada porta arrombada e fechadura trocada; com a gritaria de algumas moradoras que tentavam reivindicar o seu direito.
Até ao fecho desta edição foram trocadas as fechaduras de 25 apartamentos e despejadas 6 famílias, já que as outras casas encontravam-se desabitadas. A ‘operação despejo’ foi feita apenas nos blocos W32 (um total de 19 apartamentos), W14 (um apartamento), W13 (dois apartamentos) e W23 (um total de três apartamentos). Consta que um total 75 apartamentos seriam desalojados hoje, Sexta-feira, nos blocos X e Z, perfazendo um total de 100 casas ‘recuperados’ pela Sonip.
Polícia expulsa o colega
Uma das moradoras do Bloco W32 que foi despejada é quadro da Polícia de Ordem Pública e apresentou também documentos que os funcionários da Sonip julgaram ser falsos. Embora tenha mostrado resistência junto dos seus superiores, facto que por um triz a colocaria por trás das grades, a cidadã foi convidada a deixar a sua residência sem sequer retirar a mobília.
Outra pessoa que também está na mesma situação é uma senhora que diz ser funcionária da Casa Civil da Presidência da República. Falando na condição de anónima, disse que deu entrada dos seus documentos na Imogestin, uma vez que a Sonip já não está a gerir o processo de compra e venda das casas, e foi-lhe dito que aguardasse.
“Estou surpresa como é que hoje vêm cá simplesmente enxotar as pessoas como se fossem cães. Tem uma senhora que fez obras em casa, partiu um monte de coisas e agora devolveram-lhe o dinheiro gasto e está a ser expulsa. Estão a nos dizer que estamos ilegais e a na base de dados não consta os nossos nomes”, reclamou ela, que diz ser impossível, pois fez o pagamento e tem a cópia do contrato. Aquela funcionária elegeu a palavra ‘desumano’ para caracterizar a atitude que a Sonip está a ter junto daqueles cidadãos, uma vez que “muitos de nós também passou por ‘poucas e boas’ para conseguir pagar a casa e obter o contrato. Estão a arrombar as portas na ausência dos donos da casa – isto não se faz”.
Coordenadora do prédio detida
“Não é justo o que estão a fazer porque todo mundo que cá está, por algum motivo entraram aqui, ninguém arrombou casa alguma”, disse a coordenadora Divalda João, quando entrevistada pelo OPAÍS, entes de ser detida por desacato a autoridade. Para ela, fez-se algum ‘negócio’ que trouxe aquelas famílias ao referido prédio. “O Kilamba é tido como a cidade em que passou-se mais negócio do que outra coisa e o W32 não é o único prédio, por isso não é justo a Sonip estar a despejar as pessoas quando nos outros prédios existem situações similares.
Se o cidadão a princípio não estava em condições de pagar, hoje, deve ter dinheiro para tal”, disse. A quem não está legal deve ser dada a oportunidade de legalizar o seu apartamento e não simplesmente ser despejado ou ficar sem tecto e sem saber aonde ir, é a solução que a coordenadora acha ser a melhor.
Enquanto a senhora do apartamento 32 estava a ser despejada, pela confusão que fez e a enchente que se constatou no corredor, a coordenador achou por bem fazer uma filmagem com o seu telefone – acção que não caiu bem, para os agentes da polícia. A polícia tentou reter apenas o telefone, mas Divalda João não reagiu bem e acabou também detida.
Com (ou sem) criança, todo mundo fora
Os funcionários da Sonip tinham recebido ordens superiores de prorrogar por mais 24 horas para os moradores que tivessem crianças em casa, mas a polícia não concordou com esta decisão já que alegou não ter muito tempo para estar a bater a porta da mesma casa duas vezes. Assim sendo, com ou sem criança, despejaram todo mundo.
As carrinhas dos funcionários da CITIC estavam em prontidão, para remover as mobílias e armazenar num contentor que foi preparado para este fim, caso o morador decidisse tirar no mesmo dia o móvel. Enquanto a população na rua presenciava a situação que os seus vizinhos estavam a passar, os seguranças de cada prédio eram chamados a colaborar com a polícia. “Nós sabemos que estes apartamentos não são dessas pessoas porque os donos vieram até a Sonip reclamar que os seus apartamentos foram ocupados ilegalmente. Nós temos o cadastros de todo o mundo e o desses senhores não consta, por isso mandamos a ordem de despejo atempadamente, mas pelos vistos muitos ignoraram”, disse um funcionário da Sonip que preferiu não se identificar, porque não tem ordens superiores para dar entrevistas. Aquele indivíduo enfatizou, várias vezes, que a ordem de despejo foi enviada há meses atrás e, inclusive, reforçaram o aviso 24 horas antes de se deslocarem às residências acompanhados pela força policial.
“Deviam ter um pouco de sensibilidade”
Outra cidadã expulsa do W32 com as suas duas crianças, que também preferiu não se identificar, disse que devia existir por parte da Sonip e da Polícia “um pouco mais de sensibilidade, já que são muitas as pessoas que ficarão sem tecto”. Acha também que devem ter o direito de renegociar com a imobiliária para que lhe seja dada a oportunidade de legalizar os documentos, já que lhe foi dito que é ilegal. Deixou muita coisa importante dentro de casa e disse que caso desaparecesse algo a Sonip irá se responsabilizar, pois não tenciona voltar tão cedo sem antes regularizar aquela situação.
Defende com unhas e dentes que está legal e pagou os 14 mil dólares que lhe foram exigidos. “Eu não tenho para onde ir e não vou fugir de ninguém. Eles atacaram, então, nós teremos de contra-atacar, se os documentos que estão a dizer são falsos, então vamos ter que desmantelar toda rede com que nós assinamos estes contractos”.
Importa realçar que muitos apartamentos estavam sem os seus proprietários presentes, que segundo a Sonip devem ter obedecido a ordem de despejo.
No fim do trabalho, ficaram registadas 3 detenções, 6 famílias desalojadas e 25 fechaduras trocadas, até o dia 09 do corrente. A mesma operação será feita na Centralidade de Cacuaco, como fez saber um funcionário da imobiliária.
O PAIS