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Quinta, 22 Mai 2014 12:10

27 de Maio de 1977: o dia em que o MPLA se dividiu

Em 2000, a jornalista Lara Pawson estava na baixa de Luanda quando se iniciou uma manifestação: um grupo de jovens sentou-se no chão em greve de fome contra o aumento de 1.500 por cento no preço dos combustíveis. Minutos depois, nessa manhã “quente e húmida de Fevereiro”, chegaram duas carrinhas com polícias armados.

Doze manifestantes foram presos. Dias depois, novo protesto e a mesma reacção das autoridades. À terceira, um homem apontou-lhe uma kalashnikov e ordenou-lhe que parasse com a entrevista que estava a fazer e desligasse o gravador. Recusou-se e ao segundo aviso o homem prendeu o seu entrevistado.

Quando contou o sucedido a um jornalista com cerca de 50 anos, ele disse-lhe: “A última vez que houve um protesto digno desse nome (...) mataram muitos dos manifestantes.” Referia-se ao 27 de Maio de 1977, o dia em que os fraccionistas (liderados por Nito Alves e José ‘Zé’ Van Dúnem, recentemente expulsos do MPLA) organizaram um ataque a uma prisão e à rádio nacional.

Na sequência desse dia, muitas pessoas desapareceram ou foram condenadas à morte. Lara Pawson quis escrever sobre esse episódio, mas não conseguiu descobrir quantas pessoas morreram, segundo se lê no livro ‘Em Nome do Povo’ (editado pela Tinta da China e que vai ser lançado sexta-feira, dia 23).

Num artigo na SÁBADO de 22 de Maio contamos-lhe o que aconteceu nesse dia. Aqui, publicamos a entrevista com a autora.

O que é que foi o 27 de Maio? Um golpe, uma manifestação?

Ambos. Era uma tentativa de golpe de Estado, mas também havia uma manifestação. Os mais pobres do bairro de Sambizanga foram para se manifestar pacificamente para serem ouvidos pelo presidente Neto. Por outro lado, sem dúvida, que havia uma tentativa de golpe de Estado. Não é possível abrir as prisões, entrar na rádio nacional e ter o apoio da 9.ª e dizer que isso não era uma tentativa de golpe de Estado. Com certeza que havia dirigentes do lado dos nitistas que queriam fazer um golpe de Estado. Não tenho muitas provas, mas na minha opinião, também havia diferenças de opinião entre os dirigentes do fraccionismo.

Não se percebe de quem partiu a ideia para o 27 de Maio.

Eu não sei. Quando se fala com angolanos sobre o 27 de Maio, a população lembra-se e fala no nome de Nito Alves. Não fala no nome de José Van Dúnem. Ele era burguês, era mais um membro de elite. Para a maioria do povo, o Nito Alves era o líder desse movimento e era o mais importante. Era o motor do 27 de Maio.

O 27 de Maio acontece seis dias depois da grande manifestação no estádio da Cidadela, em que o Neto anuncia a expulsão de Van Dúnem e do Nito. Este é um dos motivos porque se avançou com o golpe ou já se estava a preparar antes?

Na minha opinião, sem dúvida que havia um movimento, uma vontade de se tomar o poder. O discurso de Neto na Cidadela talvez tenha [levado a que] o movimento acontecesse dentro de uma semana. Pode ter a ver com os cubanos que estavam a chegar ao país e os nitistas com medo de que se não fosse a 27 de Maio eles iam perder a oportunidade de fazer a tentativa do golpe de Estado.

Entre os motivos que levaram os nitistas ao 27 de Maio há a questão da raça?

Eu acho que a raça teve um papel no 27 de Maio. Mas também a questão da classe, da geração – os fraccionistas eram maioritariamente jovens e os de lado de Neto tinham 50 e tal anos. E também a experiência da militância. Neto, Lúcio Lara e os outros eram vistos como pessoas de fora do país, vivendo em Brazzaville, em Lisboa. Pessoas que cresceram com uma cultura portuguesa, uma cultura europeia. O Alves, o ‘Monstro Imortal’ [Jacob João Caetano] cresceram em Angola e não saíram do País.

Conclui-se o livro e não se consegue perceber o número de mortos, cujos relatos variam entre dois mil e 90 mil. 90 mil é muito exagerado?

Eu acho que esse número de 90 mil, 70 mil, até 50 mil, é de mais.

Fica-se com a ideia de que estas pessoas que foram mortas, sendo nitistas ou não, morreram porque há uma data de pessoas se intervêem. Houve alguém que decidiu?

Ouvi falar, mas não tinha a certeza e não incluí, que Onambwé tinha uma lista dos inimigos [que deviam ser] mortos. Sei que no dia 27, 28, 29, havia buscas em Luanda. Pessoas que estavam na lista e desapareceram. Havia algumas pessoas que foram vistas como inimigos.

É o caso dos soldados da 9.ª brigada?

Sim. Mas também pessoas vistas como activistas, pessoas com ideias muito fortes. Havia muitas raivas e muitas tensões entre pessoas. A primeira história do meu livro é a de uma viúva. O marido dela desapareceu e era um branco, um português. Parece que foi morto por causa de uma raiva de um homem, um angolano, que queria casar com uma mulher, a viúva que hoje está em Portugal. Acho que o 27 de Maio também provocou uma oportunidade de algumas pessoas de exercer os seus próprios complexos criados durante os anos de colonialismo.

Nito passa ao lado destas descrições do dia 27 de Maio. O que é que ele andava a fazer?

Fala-se que estava frequentemente com os jovens em Sambizanga [bairro nos arredores de Luanda onde apareceram mortos seis responsáveis do MPLA], mas o dia 27 de Maio não sabemos muito bem o que fez. Eu não sei. No meu livro decidi que nas conversas que sempre se têm em relação a Angola nos concentramos nos dirigentes. Decidi que é importante ouvir a versão do próprio povo.

Sobre os acontecimentos do 27 de Maio, leia o artigo na SÁBADO de 22 de Maio.

sábado.pt

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