Dois dias após a morte de José Eduardo dos Santos, continua sem se saber quando ou onde vão decorrer as cerimónias fúnebres. O governo angolano disponibilizou em todas as províncias do país um local público para os cidadãos poderem prestar homenagem ao ex-presidente, que morreu sexta-feira em Barcelona, mas mantém-se o diferendo com a família sobre a trasladação do corpo.
Este sábado, o Executivo angolano aumentou de cinco para sete dias o período de luto nacional em memória de José Eduardo dos Santos, que governou o país durante 38 anos, e reafirmou a intenção de fazer um funeral de Estado em Angola, ainda sem data. Citada pela agência de notícias angolana, a porta-voz da comissão criada para organizar as exéquias, Marcy Lopes, afirmou que uma delegação governamental está neste momento em Espanha para negociar com a família a realização das cerimónias fúnebres. Alguns filhos do ex-presidente, entre os quais Tchizé dos Santos, querem que o funeral seja realizado em Espanha, alegando que o pai não queria ser sepultado em Angola enquanto João Lourenço estiver no poder.
Na sequência da primeira reunião com esta delegação governamental, realizada sábado por vídeoconferência, a filha mais velha, Isabel dos Santos, admitiu que o funeral venha a realizar-se em Luanda, mas só após as eleições marcadas para 24 de agosto. Os filhos mais velhos do ex-presidente acusam o atual chefe de Estado, João Lourenço, de querer retirar dividendos políticos com as cerimónias fúnebres. Como condição para a sua realização em Luanda, exigem que funeral só tenha lugar depois das eleições e querem garantias de que Isabel e Tchizé dos Santos podem entrar e sair do país sem risco de serem presas
Tchizé dos Santos, que acusa o atual chefe de Estado angolano de tentar sobrepor-se à família ao divulgar publicamente a morte de José Eduardo dos Santos antes de os próprios filhos terem tido conhecimento do óbito e de anunciar preparativos fúnebres à sua revelia, interpôs uma providência cautelar para que o corpo não seja trasladado para Angola.
Citada pela Lusa, Carmen Varela, advogada de Tchizé, afirmou que a clínica onde José Eduardo dos Santos morreu após duas semanas de internamento não deixará sair o corpo "enquanto não houver uma ordem judicial ou um acordo entre todos os filhos".
"Tchizé e os irmãos querem que se respeite a vontade do pai, que é não ser enterrado em Angola, mas sim em Espanha, porque não quer que o atual Presidente da República utilize o seu enterro com fins políticos", disse à Lusa a advogada, acrescentando que um enterro em Angola impossibilitaria o último adeus de vários familiares próximos, já que alguns dos filhos "não podem entrar em Angola e nem sequer têm passaporte angolano".
Tchizé dos Santos, que vive há vários anos fora de Angola, perdeu o mandato de deputada do MPLA em 2019 e afirma correr risco de vida no seu país. Já a irmã mais velha, Isabel dos Santos, também a residir no estrangeiro, enfrenta vários processos judiciais em Angola e diz ser vítima de perseguição.
Ainda assim, o atual presidente angolano afirmou este sábado que nenhum familiar de dos Santos será impedido de entrar no país para marcar presença no funeral: "Se tivermos em conta as atuais circunstâncias, não vemos por que razão a família que está lá fora não [possa] acompanhar o seu ente querido, estamos a contar com a presença de todos sem exceção de ninguém", frisou João Lourenço.
SUSPEITA DE HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
Dias antes da morte de José Eduardo dos Santos, Tchizé dos Santos apresentou queixa à polícia espanhola, acusando a última mulher do pai, Ana Paula dos Santos, e o médico pessoal do ex-presidente, João Afonso, pelos crimes de tentativa de homicídio, omissão do dever de assistência, lesões por negligência grave e divulgação de segredos por pessoas próximas ao pai.
Tchizé dos Santos considera que a morte do pai foi "favorecida" pela atuação da sua última mulher, pelo médico e por "outras figuras próximas do governo angolano". Num comunicado divulgado sábado, acusa-os de não terem prestado ao pai os cuidados médicos e a assistência necessária, nomeadamente quando sofreu uma paragem respiratória.
Eduardo dos Santos sucedeu a Agostinho Neto como Presidente de Angola, em 1979, e deixou o cargo em 2017, cumprindo uma das mais longas presidências no mundo, marcada por acusações de corrupção e nepotismo. Expresso