«O largo estava cheio de uma multidão efervescente, e o palco estava decorado com cartazes gigantes do camarada António Jacinto e de dois barbudos que eu não conhecia». Foi assim que um jornalista da Rádio Nacional de Angola (RNA) descreveu os acontecimentos no Largo Primeiro de Maio, em Luanda, na noite de 11 de novembro de 1975, pouco antes de António Agostinho Neto proclamar a independência de Angola. Na realidade, o enorme painel colocado no palco onde Neto discursou reproduzia Marx, Engels e Lenine. Este episódio é narrado já nas primeiras páginas do mais recente livro de António Costa Silva, Angola aos Despedaços – 50 anos depois, que futuro?, publicado pela Guerra e Paz.
E esta marca marxista-leninista ainda não foi completamente abandonada pelo MPLA, o partido no poder desde então, que chama à sede do partido ‘Kremlin’ e que mantém plasmadas as estruturas partidárias dos partidos comunistas. Mas é ainda na economia que este peso de décadas mais se faz sentir: começou com os planos quinquenais de modelo socialista, impraticável em muitos aspetos e, mais ainda, porque o país mergulhou na guerra civil. A partir da década de 1990, Angola tentou a transição para a economia de mercado, a par da guerra interna que prosseguiu e que só terminou em 2002, deixando quase um milhão de mortos e mais de quatro milhões de deslocados que se instalaram, sem condições, nas periferias das grandes cidades, especialmente em Luanda.
Em paz, criou-se um capitalismo de Estado tão dependente como o próprio Estado do petróleo – que representava 90% das exportações e 70% das receitas fiscais. A China entrou em força no país para a reconstrução das infraestruturas destruídas pela guerra, com dívida paga em petróleo. Situação entretanto corrigida, embora os oil-backed loans ainda se mantenham, seja como for, a China continua a ser o maior credor externo de Angola – os dados mais recentes, ainda que sempre muito opacos, apontam para uma dívida de 8,9 mil milhões de dólares.
Houve um tempo em que a subida dos preços do petróleo suportou todos os excessos: houve crescimento, mas não houve diversificação da economia. Entre 2014 e 2017, o petróleo cai a pique, o país entra em recessão, esteve assim durante alguns anos e, entretanto, a diversificação da economia transformou-se em mantra político, ainda com José Eduardo dos Santos, mas especialmente com o atual Presidente, João Lourenço, que está a menos de dois anos do fim do segundo mandato.
«Nestes 23 anos de paz, elegemos como prioridade e como objetivo fundamental resolver os principais problemas herdados da guerra, no âmbito de uma definição de prioridades em que, para além da reabilitação das principais infraestruturas fundamentais para o desenvolvimento, o combate à fome, à pobreza e às desigualdades sociais estão no centro de todos os nossos esforços e atenções», disse o Presidente João Lourenço no discurso do ato central que assinalou as celebrações dos 50 anos da independência angolana. A ouvir, no local – na Praça da República, em Luanda – esteve o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que também ouviu o Presidente angolano falar do «colonialismo português que nos oprimiu e escravizou durante séculos».
Esta alusão ao colonialismo português foi desdramatizada por Marcelo, que, durante os 10 anos de mandato, foi sete vezes a Angola – esta a última, como chefe de Estado –, dizendo que são referências normais, tal como «quando nós falamos do 25 de Abril, falamos da ditadura». E acrescentou: «Eu achei-o muito cuidadoso e muito simpático, quer na relação pessoal, quer nas posições públicas».
Há outros dois temas sensíveis nas relações entre Portugal e Angola, relacionados com a reparação pela colonização e as recentes leis dos estrangeiros e da nacionalidade, que Marcelo Rebelo de Sousa optou por evitar, desta vez.
O assunto criou ondas de comentários que revelaram que o país está menos preparado para o tema do que Marcelo, mas o Presidente manteve a narrativa com laivos suavizantes.
A propósito dos 50 anos da independência de Angola, o CESOP – Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa –, em parceria com a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e a RTP, colocou a pergunta: «Acha que a descolonização foi muito boa, boa, nem boa nem má, má ou muito má?» O resultado dá 9% para ‘muito má’, 17% para ‘má’, 32% para ‘nem boa nem má’ e 30% para ‘boa’, o que não dá uma ideia pouco benevolente de todo o processo – com 35% a responsabilizar os negociadores portugueses da época, mais do que aqueles que responsabilizam o antigo regime (29%).
«Portugal deve pedir oficialmente desculpa aos países africanos de língua portuguesa pela colonização?» – foi outra das perguntas. 35% disseram que sim, 58% disseram que não. Ainda assim, a maioria (60%) acha que falar de descolonização tem mais coisas positivas do que negativas.
Alberto Oliveira Pinto, historiador e autor de História de Angola, um extenso livro publicado em 2016, considera que «em História não se pede desculpa a ninguém, nem se fazem reparações; os danos do colonialismo compensam-se com a cooperação e com os projetos em comum. Tudo o que diga respeito a objetos de museu, eles têm de ser preservados onde estiverem», para acrescentar que o Estado angolano «pouco apoio, ou quase nenhum, dá aos próprios museus de Angola – e depois vem pedir reparações e devoluções de peças a Portugal».

