Seria natural, até por isso, que os dois Estados tivessem uma relação diplomática saudável e que não houvesse mais confusões do que aquelas normais, em que cada país defende os seus interesses. Mas não tem sido assim, e o processo que envolve Manuel Vicente, vice-presidente angolano até ontem, não faz sentido à luz do direito internacional, como defendem os angolanos e Vítor Ramalho, secretário-geral da UCCLa e ex-deputado do PS, já que o governante angolano só pode responder perante a justiça angolana.
A não ser que o Direito Internacional que vale para o resto do mundo não se aplique a Angola. Há exemplos corriqueiros que nos veem logo à memória: há cerca de um ano, dois filhos do embaixador do Iraque agrediram violentamente um jovem de Ponte de Sôr e não foram julgados por gozarem da tal imunidade diplomática. Muito se falou no caso, mas os jovens voltaram para o seu país sem se terem sentado no banco dos réus. Em Portugal parece existir uma certa animosidade com muito do que vem de Angola, pois o mesmo não se passa com cidadãos de outras nacionalidades. Talvez por isso, o novo presidente angolano, mesmo antes de tomar posse, foi a Espanha, país onde, pelos vistos, os angolanos são melhor aceites.
E o que os angolanos pedem, olhando para a nota de repúdio enviada ao governo português, é apenas reciprocidade no tratamento entre os dois estados. Se os governantes e deputados (angolanos e portugueses) gozam de imunidade à luz do direito internacional, por que razão Manuel Vicente tem de ser julgado em Portugal em vez de o ser em Angola? Marcelo Rebelo de Sousa, que foi convidado para a tomada de posse de João Lourenço, bem tenta acalmar as águas, mas a sua missão está difícil. Afinal, António Costa não foi convidado nem tão-pouco a ministra da Justiça portuguesa, por sinal de origens angolanas... (Jornal I)