O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, criou ontem uma comissão ministerial para a Organização e Funcionamento do Ministério das Relações Exteriores.
O referido grupo, que foi apresentado num dia em que o actual titular do Ministério das Relações Exteriores, Georges Chikoty, esteve presente no Palácio da Cidade Alta, onde foram acreditados os novos embaixadores da Suíça, Ghana, Botswana, Senegal, Benin e Bioelorrúsia, é coordenada pelo ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República.
A George Chikoty coube a função de coordenador adjunto na equipa que tem como missão analisar os processos de reclamações dos Diplomatas e elaborar um Programa de Reforma do Ministério, com vista a melhorar as condições de trabalho, de enquadramento e colocação dos funcionários e diplomatas.
Integram a Comissão os ministros da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (António Pitra Neto), das Finanças (Armando Manuel), do Planeamento e Desenvolvimento Territorial (Job Graça), o director do Gabinete de Quadros do Presidente da República (Aldemiro Vaz da Conceição), e os Secretários do Presidente para os Assuntos Judiciais e Jurídicos e para os Assuntos Diplomáticos e de Cooperação Internacional, nomeadamente Florbela Araújo e Carlos Lopes.
Tendo como pano de fundo as reclamações apresentadas pelos diplomatas, a referida comissão deverá debruçar-se principalmente sobre o dossier relacionado com a possível reforma de cerca de 60 embaixadores de carreira e outros funcionários em idade de aposentação.
A criação da referida comissão, segundo fontes do Ministério das Relações Exteriores, é vista como o passo que faltava para se levar avante alguns projectos em curso nesta instituição.
Apesar das suas competências, o nível das reclamações apresentadas regularmente acabavam por ultrapassar a competência do próprio ministro. Quando anunciou numa reunião, realizada em Janeiro deste ano, o seu plano de aposentação de muitos diplomatas, o ministro das Relações Exteriores acabou por ser rechaçado pelo responsável da Associação dos Diplomatas Angolanos (ADA), António Luís de Sousa Lima Veigas, acusando-o inclusive de estar a introduzir na instituição funcionários na base da amizade e da relação familiar, contornando o concurso público.
Lima Veiga prometia ainda impugnar todos os actos administrativos praticados pelo ministro, razão pela qual já tinham enviado uma carta ao Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social e à Inspecção Geral do Estado (IGAE).
O PAÍS apurou que nos últimos meses uma equipa da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE) passou a pente fino as actividades do Ministério. Mas esta inspecção, cujos resultados ainda não foram tornados públicos, ocorreu depois de num outro momento a instituição encabeçada por Georges Chikoty ter sido submetida ao mesmo procedimento.
‘Não se sabe se terá sido o resultado da última inspecção efectuada que levou o Presidente da República a criar esta comissão inter-ministerial’, contou uma fonte, acrescentando que ‘ sem o apoio político, institucional do Presidente da República não seria possível efectuar qualquer tipo de reforma no ministério. Por isso, acreditamos que terá feito isso porque compreendeu que é necessária a sua orientação expressa’.
E o caso das reformas dos diplomatas é uma destas matérias cujo desfecho dependerá necessariamente das orientações emanadas pelo titular do Executivo. O embaixador Lima Veigas, por exemplo, garantiu a este jornal em Janeiro que estava disposto a ir para a reforma, mas exigia que, ele e todos os colegas de carreira, devam ser ‘jubilados e não reformados pura e simplesmente’, nos marcos do que determina o Decreto Presidencial n.º209/11 de 3 de Agosto de 2011, publicado no Diário da República n.º147, I Série.
O diploma legal determina que a ‘jubilação é a reforma honrosa de serviço reconhecida pelo Estado aos funcionários diplomáticos com a categoria de embaixadores e aos funcionários consulares de categoria equivalente que reúnam os requisitos legalmente exigíveis para a reforma e que tenham pelo menos um grau de licenciatura’. De acordo com as fontes que acompanham o dossier, neste momento a lista dos possíveis reformados está efectivada. Mas, ao que tudo indica, o assunto terá emperrado quando se verificou que a questão da segurança social de muitos destes diplomatas não estava assegurada, facto que fez com que muitos deles temessem pelo futuro.
‘O grande problema é que o país não acompanhou a situação dos descontos, o que não é fácil para as pessoas que trabalharam durante muito tempo. O próprio MAPTESS já constatou que não é uma situação de fácil resolução, sendo para isso mesmo necessária a intervenção do Presidente da República’, explicou um alto funcionário das Relações Exteriores.
A não passagem à reforma de alguns destes diplomatas com mais de 65 anos está a condicionar a promoção de quadros mais jovens, alguns dos quais com cerca de 10 ou 20 an0s de trabalho. Alguns directores geopolíticos há muito que deviam ser promovidos a categoria de embaixadores, mas existem algumas direcções como a da Ásia e Oceânia, assim como da América onde os respectivos titulares conservam as categorias de ministros conselheiros.
O excessivo número de diplomatas em fim de carreira tem comprometido também as aspirações de Angola a nível de algumas organizações internacionais, em posições que só seriam atingidas com quadros devidamente formados.
Em muitos casos, segundo contam as fontes deste jornal, estas organizações internacionais exigem quadros com formação e idade inferior a de muitos diplomatas. Mas, como comentou um quadro do MIREX, ‘muitos que têm formação são colocados lá em baixo e os que não têm estão em cima, apesar da idade. Mas estes recusam-se a sair porque não vêem um futuro risonho pela frente’.
Estes e outros impasses fizeram com que o ministro Georges Chikoty, segundo apurou este jornal, frear as suas intenções de mexer em algumas áreas do próprio ministério, incluindo algumas reformas no próprio estatuto orgânico. Um dos alvos seria a diminuição das direcções, cuja composição excedem e acabam por onerar o próprio orçamento da instituição.
Uma oportunidade espinhosa
A criação da comissão pelo Presidente da República é apresentada em alguns círculos do próprio Ministério das Relações Exteriores como uma oportunidade para Georges Chikoty se impor, por causa das repercussões que geraram algumas das suas posições no passado.
A medida, que ocorreu num dia em que o governante esteve no Palácio próximo do Presidente José Eduardo dos Santos, prenuncia que ele possa ter sido abordado pelo próprio Chefe do Executivo, antes mesmo de ter sido apresentada aos meios de comunicação social.
‘Acredito que o ministro tem que se impor mais. E acho que o futuro do próprio Ministério das Relações Exteriores vai depender da sua própria capacidade de se fazer ouvir’, contou um conhecedor dos corredores das Relações Exteriores, acreditando que ‘a comissão é uma oportunidade que lhe dão e é muito importante que isso funcione’.
O PAÍS