Print this page
Sábado, 20 Setembro 2014 22:42

José Eduardo dos Santos, o “arquiteto da paz” angolana que está há 35 anos no poder

José Eduardo dos Santos é o segundo líder africano há mais tempo no poder - e até pode manter-se mais oito anos. Recuperou o país da guerra civil, mas mergulhou-o em acusações de corrupção.

Tinha 37 anos quando chegou. Hoje, com 72, não parece estar perto de se ir embora. Isto porque, em 2012, foi pela primeira vez escrutinado nas urnas e ganhou a possibilidade de continuar como presidente de Angola pelo menos até 2017. Mas a Constituição ainda lhe permite candidatar-se para ficar outros cinco anos. Se o fizer, quando sair, se sair, em 2022, terá 80 anos. Pelo menos 66 desses anos terão sido dedicados à atividade política.

José Eduardo dos Santos tornou-se o presidente angolano a 21 de setembro de 1979. A sua vida confunde-se com a História da Angola independente e também com a de África, onde é o segundo líder há mais tempo no poder (o primeiro é Teodoro Obiang, o ditador da Guiné Equatorial, que também é presidente do seu país há 35 anos, mas chegou ao cargo em agosto). Com Obiang, aliás, tem outra semelhança: ambos figuram na lista elaborada pela Forbes como uns dos cinco piores líderes africanos.

“Para seu descrédito, José Eduardo dos Santos sempre geriu o seu governo como se fosse a sua empresa de investimento privado e pessoal. O seu primo é vice-presidente de Angola e a sua filha, Isabel dos Santos, é indiscutivelmente a mulher mais rica do país”, escreve a Forbes para justificar a inclusão do angolano na lista.

Apesar dos muitos casos polémicos que se conhecem à governação de José Eduardo dos Santos – para os amigos próximos, Zedu – a sua longevidade é sinal da sua habilidade política.

Quando chegou ao poder, em 1979, o país estava na bancarrota e mergulhado numa devastadora guerra civil, que só acabaria definitivamente em 2002. É por isso que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido a que sempre pertenceu) não hesita em apelidá-lo de “arquiteto da paz”. Mas quem olha de fora vê sobretudo um ditador que venceu uma guerra civil sangrenta e hoje preside a um regime onde alguns, muito poucos, acumularam fortunas gigantescas e a maior parte da população vive na miséria.

“A primeira prioridade do executivo é manter a estabilidade política, mediante a promoção, defesa e consolidação da paz”, disse na tomada de posse de 2012, a primeira vez desde 1979 que foi efetivamente eleito pelo povo angolano. Até então era apenas o Presidente que o MPLA escolhera.

Nesse último ano da década de 1970 José Eduardo dos Santos foi o homem escolhido para suceder ao primeiro líder da Angola independente, Agostinho Neto, que morrera subitamente. Eleito presidente do MPLA a 20 de setembro, seria investido dos poderes de Presidente da recente República Popular de Angola no dia seguinte. Nessa época o país estava na órbita da União Soviética e o MPLA assumia-se como um partido de vanguarda, na tradição marxista-leninista.

A primeira tentativa de realizar eleições para a Presidência da República ocorreu em 1992, José Eduardo dos Santos ficou à frente na primeira volta, mas a segunda volta, que deveria disputar com Jonas Savimbi, nunca chegou a ocorrer. Entretanto o frágil processo de paz colapsara e a UNITA voltara a pegar em armas, suspeitando de fraude eleitoral e em fuga de Luanda, onde alguns dos seus principais dirigentes foram assassinados.

A guerra civil prolongar-se-ia mais dez anos e só acabaria em fevereiro de 2002 com a morte de Jonas Savimbi, o carismático líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), organização que sempre se opôs ao MPLA. Mesmo assim foram necessários mais dez anos para o regime angolano realizar eleições para a Presidência da República, permitindo a eternização no poder de José Eduardo dos Santos.

Corrupção e oposição

Se a morte de Savimbi marcou o fim de uma guerra com mais de 30 anos, também poderá ter enfraquecido o poder da UNITA face ao MPLA, num país em que as denúncias de abusos de poder e corrupção são constantes. Uma das mais recentes e mediáticas foi a do jornalista Rafael Marques, que publicou em Portugal o livro “Diamantes de Sangue” (Tinta da China), onde acusa o presidente angolano de “apadrinhar a corrupção” no país. A acusação valeu-lhe a abertura de um processo-crime por difamação, movido por nove generais e empresas angolanas.

Angola “é um regime dedicado à pilhagem do seu próprio país”, afirmou Rafael Marques em entrevista à TSF em 2010. “Eu diria que Angola está a ser governada por gangsters. É um Estado gangster”, acrescentou, acusando ainda Portugal de ter “uma relação de servilismo total” perante Angola.

A publicação do livro de Rafael Marques em Portugal foi apenas mais um dos já vários episódios de crises institucionais entre a ex-colónia e a ex-metrópole. No fim de 2012, alguns altos dirigentes angolanos começaram a ser investigados pela Justiça portuguesa por alegados branqueamentos de capitais. A polémica estalou nos dois países e o Jornal de Angola chegou mesmo a sugerir que os empresários angolanos deixassem de investir em Portugal. Cerca de um ano depois, Rui Machete, ministro dos Negócios Estrangeiros, foi a Luanda dar uma entrevista à Rádio Nacional de Angola onde afirmou que “não [havia] nada de substancialmente digno de relevo e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento dos formulários e de coisas burocráticas”. E o processo, que também envolvia o Procurador-Geral da República de Angola, acabou arquivado.

“Não tem [...] qualquer fundamento a afirmação de que em Angola vigora um regime ditatorial, que não reconhece os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos. Não há aqui qualquer ditadura. Pelo contrário, no país existe uma democracia recente, viva, dinâmica e participativa, que se consolida todos os dias”, disse José Eduardo dos Santos em 2011.

A sua vida, já o dissemos, confunde-se com a história da independência de Angola. Em 1961, quando rebenta a Guerra do Ultramar, decide sair do país para ajudar o MPLA a partir do estrangeiro. E acaba por chegar à União Soviética, em 1963, para estudar engenharia de petróleo, em que se licenciou em 1969. Petróleo, aliás, é algo que há em abundância no seu país, o segundo maior produtor deste recurso na África Subsariana. Além disso, Angola é também um país extremamente rico em diamantes.

“Apesar de toda esta riqueza de recursos, a vasta maioria dos angolanos ainda vive nas mais horríveis condições sócio-económicas”, acusa a Forbes, que refere que, em 2012, 68% da população vivia abaixo do limiar de pobreza. Ainda assim, o MPLA afirma, na página oficial do partido, que “o arquiteto da paz, está, actualmente e de forma incansável, a conduzir um vitorioso programa de reconstrução e de desenvolvimento de toda Angola, um dos países que mais cresce a nível mundial.”

Regressado a Angola depois da independência, em 1975, José Eduardo dos Santos ocupou imediatamente o cargo de ministro das Relações Exteriores e, quatro anos depois, estava no cargo mais elevado do país. De onde nunca mais saiu. Até quando?

Observador

Rate this item
(0 votes)

Latest from Angola 24 Horas

Template Design © Joomla Templates | GavickPro. All rights reserved.