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Domingo, 05 Dezembro 2021 13:45

Membro de órgão da presidência de Angola na mira do Ministério Público de Portugal

O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa está a investigar alegadas ligações de um dos principais suspeitos da Operação Miríade ao poder angolano. Irmão de advogado e um dos principais suspeitos pertence a órgão da Presidência da República de Angola.

A rede de tráfico de diamantes, ouro e droga e de branqueamento de capitais, alegadamente liderada pelo ex-comando Paulo Nazaré, pode ter ramificações à cúpula do poder em Luanda.

A equipa liderada pela procuradora Cláudia Ribeiro, do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, suspeita que um cúmplice de Nazaré e um dos principais arguidos da Operação Miríade, o advogado Artur A., está envolvido na lavagem de vários milhões de euros em operações financeiras feitas entre Lisboa e Luanda, onde tem “conhecimentos privilegiados”.

Este arguido mantinha contactos frequentes com empresários de Angola, entre eles os seus irmãos, que partilham consigo a sociedade numa empresa investigada pelo Ministério Público, neste caso a Sublimedestino. Um dos irmãos é “até integrante do Conselho Económico e Social (CES), órgão da presidência daquele país”, refere o despacho que determinou as medidas de coação sobre os detidos desta operação da PJ e MP.

O CES, que foi criado em setembro de 2020 pelo Presidente angolano, João Lourenço, é composto por 45 especialistas nas áreas das ciências económicas e sociais, bem como empresários e gestores que dão apoio à presidência angolana. De acordo com a Casa Civil de Luanda, “é um órgão de reflexão de questões de especialidade macroeconómica, empresarial e social que está à disposição do titular do poder executivo para efeitos de consulta de matérias do interesse do Executivo”.

As ligações a Angola na Operação Miríade não se ficam por aqui. A investigação estará longe do fim, mas há pelo menos dois suspeitos no processo que permanecem um mistério para as autoridades: um “tal Carlos”, cúmplice angolano a quem a rede branqueou €27 milhões e que pretendia fazer uma transferência para Portugal de €50 milhões, repartidos por €8,3 milhões à semana, e um Alexandre, “ou Alex”, a quem Paulo Nazaré terá enviado vários diamantes para Londres.

Há quatro anos, o SIED não detinha informações “que imputassem esse tipo de tráfico diretamente às forças nacionais destacadas” na República Centro-Africana

O MP suspeita que Nazaré, que se encontra em prisão preventiva, tinha a cumplicidade de alguns oficiais do Exército e de ex-militares, atuando em rede em países como a República Centro-Africana (RCA), Angola, Guiné-Bissau, Dubai, África do Sul, Brasil e Reino Unido.

Para já, o juiz de instrução Carlos Alexandre afasta “um quadro de conspurcação” no seio das tropas portuguesas em relação a estes negócios ilegais. Mas verificou que “não se tratava de duas ou três situações isoladas, de um ou dois militares”. E conclui que “só o evoluir da investigação poderá densificar, ou não, os contornos integrais desta rede, a sua hierarquia e extensão, quer em Portugal, quer na RCA, quer em Angola, quer nos outros paí­ses onde os detidos mantinham contactos frequentes”.

Nazaré justificou ao juiz que vive a “expensas dos pais” e quando viaja para o estrangeiro é a namorada quem paga as despesas. Já os restantes suspeitos garantem que os saldos chorudos nas contas bancárias se devem a “presentes de casamento, biscates e empréstimos”.

ALERTA DO SIED

Na altura em que a primeira missão militar portuguesa se fixou na RCA, em 2017, o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), que monitoriza os interesses portugueses considerados sensíveis no estrangeiro, detinha informações que deram origem a relatórios sobre o “ambiente perverso” de “todo o tipo de tráficos” — entre eles de diamantes — naquele país, garante uma fonte próxima das ‘secretas’. Um alerta que deverá ter chegado às Forças Armadas, que iam atuar num território considerado hostil.

Nessa altura, no entanto, o alerta dos serviços de inteligência não imputava esse tipo de tráfico “diretamente às forças nacionais destacadas”. Ou seja, não foi detetada então qualquer ligação entre essas “atividades perversas” e os militares portugueses.

Estes dados sobre os “perigos” e a “facilidade” do tráfico de dia­mantes nas ruas de Bangui e restante território foram partilhados sensivelmente na mesma altura pelos operacionais da MINUSCA, a missão de manutenção de paz da ONU naquele país, à Força Nacional Destacada na RCA. Tal como o Expresso avançou na última semana, os portugueses que integraram o contingente das Nações Unidas receberam brie­fings detalhados sobre as atividades das redes criminosas a atuar na RCA.

Um dos principais receios da força internacional era o possível envolvimento de militares com as máfias locais, o que veio a concretizar-se entre outubro de 2017 e março de 2018, quando Paulo Nazaré, ao serviço da 2ª Força Nacional Destacada, terá sido aliciado num hotel de luxo, em Bangui, para transacionar ilegalmente diamantes, ouro e droga para Portugal em aviões militares.

A rede de que fazia parte Nazaré foi denunciada, no final de 2019, às autoridades portuguesas por um intérprete local que trabalhava para a ONU, cúmplice do jovem militar português, mas que se sentiu prejudicado no negócio por ter ficado sem a sua comissão. Posteriormente, um major que se preparava para enviar oito diamantes ilegalmente para Lisboa para outro militar também revelou o esquema.

O Expresso perguntou ao Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) se confirma estes alertas do SIED e da ONU e se, na sequência desses avisos, foi reforçada a vigilância aos seus militares, bem como os procedimentos de segurança. Mas até ao fecho desta edição não foi possível obter qualquer comentário.

Em 2017, o número um do EMGFA era o general Pina Monteiro, que diz não se recordar de alertas do SIED sobre tráfico de pedras preciosas na RCA. “Lembro-me das primeiras avaliações militares de cenário, que referiam a existência de minas de diamantes e as suas relações com os grupos armados no país.”

Sem se referir a relatórios concretos das ‘secretas’, o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes refere que havia análises genéricas sobre os cenários de instabilidade no local. “Naturalmente, não devo fazer comentários sobre essa ou qualquer outra situação que decorra do exercício das funções de ministro da Defesa. Mas, em termos genéricos, e como me parece óbvio, esses alertas eram análises gerais de situação, não tinham a ver, em concreto, com quaisquer riscos individualizáveis.” EXPRESSO

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