Num relatório de intelligence com enfoque na presente conjuntura, é mesmo feita advertência à hipótese de o “mal estar” decorrente das referidas tensões poder vir a degenerar em convulsões – para o que concorreriam “factores predisponentes”, entre os quais um alegado estado de desmotivação nos sectores da defesa e segurança.
É referido, por exemplo, que o principal branch do aparelho de informação e segurança, SINSE, exerce deficientemente a sua tarefa de “guardião” do regime, uma conclusão ilustrada com diversos detalhes. Dispõe de boas instalações, Camama, e está dotado de meios técnicos avançados, mas o pessoal não denota preparação e aplicação.
Há cerca de três meses, figuras do MPLA (identidade reduzida a referências como a de pertencerem a uma ala descrita como “histórica”, terão entabulado discretos contactos com indivíduos/meios da oposição com o fito aparente de os sondar e, eventualmente, mobilizar para a necessidade de se “fazer algo”.
2. A contestação movida a JES no interior do regime (memos recatada agora do que no passado) baseia-se em objecções e recriminações – algumas recorrentes, embora em constante avolumação, como a do seu enriquecimento e da família; outras originais, entre as quais as seguintes:
– crescente concentração de poderes na sua esfera exclusiva de decisão política, o que tem acontecido por via da entrada em vigor de novas leis formais, cuja produção influencia, ou através de artifícios tendentes a suplantar/esvaziar instituições do Estado.
– decisões cada vez mais influenciadas e/ou condicionadas por desígnios próprios, políticos e pessoais, em especial no que toca à conservação de poder ou à promoção de interesses particulares de grupos aos quais mantém ligações especiais – a família e o seu círculo próximo.
– concomitantemente, nítida degenerescência da qualidade/eficácia da acção governativa em geral, incluindo administração do Estado nos seus distintos escalões.
Entre os efeitos considerados “paralisantes” do estilo de exercício do poder por parte de JES, e apontado o caso do governo provincial de Luanda. A dilatação a que o processo de nomeação de uma nova equipa tem estado sujeito, é atribuída a dificuldades na conciliação da variedade de critérios a que JES tem de atender.
Numa palestra recente sobre regulação do sector empresarial público, Carlos Feijó, o mais prestigiado jurista nacional, chamou a atenção para fenómenos de falta de clareza em matéria de produção de legislação geral, algo que no seu entender afecta o funcionamento da administração pública.
Da contestação interna a JES faz também parte a ideia de que apenas presta atenção e/ou se ocupa, de facto, de assuntos de natureza financeira, de segurança e política externa. Tal conduta é remetida para razões de interesse pessoal, mas também para a conveniência de iludir um estado de “grande fadiga” que o deveria levar a retirar-se.
3. Entre alguns episódios elucidativos das inclinações “concentracionárias” de JES, ambos recentes, avultam uma proposta de lei apresentada à Assembleia Nacional conferindo ao Presidente, como órgão de poder unipessoal, competências até agora atribuídas ao Concelho de Ministros em questões de nacionalidade.
A principal vaga de críticas às “tendências autocráticas” de JES (a intensidade das mesmas, ainda que veladas, obrigaram-no a reconsiderar) proveio, porém, da sua solitária decisão de prestar ao BESA uma garantia do Estado angolano de USD 4,2 B. O acto, conforme a constituição estipula, carece de aprovação parlamentar.
A referida garantia (AM 861) foi considerada uma medida essencialmente destinada a proteger figuras do regime que se sabia (AM 822) constarem da lista de devedores do BESA, entre as quais se conjectura encontrarem-se familiares directos ou indivíduos que, ao sentirem-se poupados de embaraços, lhe ficarão gratos.
A influência de interesses particulares, nomeadamente de natureza familiar, que os críticos internos de JES identificam nas suas decisões enquanto chefe de Estado e do Governo, é considerada presente em casos como os seguintes – entre outros.
– Do elenco governativo, inclusive em postos chave, têm feito cada vez mais parte indivíduos em condições de “responder” a interesses individuais ou de grupo daqueles que os promoveram; um retrato tipo dos mesmos apresenta-os como jovens, com finalidades com os seus promotores ou sob sua ascendência, sem experiência política ou governativa e sem implantação social.
– O ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Edeltrudes Costa, descrito como um”ilustre desconhecido”, é na respectiva escala de precedências a primeira figura do Governo; de facto é considerado “factotum” do Gen M H Vieira Dias “Kopelipa” – por ironia segunda figura apagada, em termos reais; ao actual ministro da Finanças, Armando Manuel, igualmente uma figura apagada, é também atribuída “utilidade meramente representativa”, considera-se que esta tendência tem conduzido ao afastamento de quadros experientes.
- Manuel Rabelais é o novo pota-voz do Presidente; passa por ser próximo de filhos do presidente, José Eduardo dos Santos “Zedú”, também conhecido por “Coreon Du” e Welvitshia dos Santos “Tchizé”, uma ligação a que não terão sido estranhas decisões do mesmo como antigo ministro da Comunicação Social, entre as quais a cedência da TPA 2 a uma empresa privada de ambos; ultimamente dirigia o GRECIMA, uma entidade criada na Presidência com atribuições fácticas em matéria de controlo do sector da comunicação social (em lugar do ministério respectivo); especula-se que na prática, a direcção do GRECIMA, cujo orçamento é de USD 60 milhões, é exercida pelo próprio “Zedu”, na pessoa de Sérgio Neto.
Parte considerável da impopularidade e isolamento de JES é atribuída ao status económico e social dos filhos e de uma irmã, Marta dos Santos. Está dissemina a ideia de que, sem o beneplácito e/ou a aquiescência de JES, nenhum familiar seu disporia do património e fortunas a que são associados.
Isabel dos Santos (actualmente a viver largas temporadas em Londres) e José Filomeno dos Santos “Zenu”, este PCA do Fundo Soberano, são os mais visados na contestação a JES. A mais poupada é “Tchize”. Marta dos Santos converteu-se igualmente em objecto de críticas (grandes investimentos no sector da construção).
Em meios de Luanda corre que Isabel dos Santos tem interesses numa empresa inglesa que aparentemente está em vias de ser contratada, por um preço invulgar, para elaborar um plano director para Luanda; a opção levou ao preterimento de uma outra proposta, angolana – José Pedro de Morais e José Cerqueira.
A antipatia a que a chamada “família presidencial” é votada, é especialmente notada em meios do regime que nos últimos anos, por efeito de leis destinadas a projectar no exterior uma imagem de transparência, foram privados de oportunidades de enriquecimento. Comentam que isso os afectou apenas a eles; não à “família”.
4. A noção generalizada de que há um ambiente interno de crescente contestação a JES tem dado azo a gestos de ousadia cada vez maior da parte dos críticos. Kito Rodrigues reagiu a uma diligência visando a sua aposentação como diplomata, argumentando que só aceitaria tal quando o Presidente (mesma idade) se retirasse.
No discurso de encerramento da última sessão legislativa, o Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, não fez, ao contrário do habitual, nenhuma referência a JES; antes pronunciara-se a favor da transmissão pela TV dos debates parlamentares (hipótese sempre declinada por JES).
JES aparenta ter noção da espiral da contestação interna à sua pessoa e à sua acção – empolada por percepções segundo as quais está novamente a “baralhar” a questão da sucessão presidencial (AM 840), com o fito de manter um clima de indefinição política propício a conservar o poder.
A forma como lida com a adversidade está inspirada num método de análise e acção com antecedentes. Compreende, no essencial, um intenso culto de personalidade destinado a inculcar a ideia de que é um estadista com vasto prestígio internacional; paralelamente, lançamento de acções de “charme”junto dos seus opositores, visando cativá-los.
A exemplo de procedimentos adoptados no passado, em circunstâncias análogas, os dispositivos de segurança e protecção presidencial também foram reforçados (AM 861) e redobrou a atenção prestada às FA (AM 866) em termos de vigilância e controlo do ambiente interno.
Africa Monitor