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Segunda, 18 Agosto 2014 18:14

O MPLA serve-se bem porque está na cozinha - André Mendes De Carvalho

André Mendes de Carvalho é um dos rostos dos herdeiros do malogrado deputado e escritor Agostinho André Mendes de Carvalho. Antigo responsável da Direcção de Relações Internacionais do Ministério da Defesa, o almirante “Miau” como é conhecido, juntou-se a Abel Chivukuvuku e outros políticos para formarem a CASA-CE, a coligação que ficou em terceiro lugar nas últimas eleições realizadas no país. É com este deputado, que abdicou da farda, que O PAÍS conversou sobre a sua vida no parlamento, os problemas que Angola ainda enfrenta e os rumos que se pretende. Coisas que, segundo ele, só serão alcançadas com uma outra liderança.

Houve razões de fundo para abandonar o MPLA?

Bom, naturalmen te que para se dar um passo da dimensão do que eu dei tinha que haver razões muito profundas e sérias. Portanto, estas razões houveram. Mas, devo esclarecer o seguinte: eu não saio do MPLA. Sai das Forças Armadas para o projecto onde me encontro agora, porque do MPLA já sai, praticamente, desde 1992. A partir do processo, que iniciou entre 1991-92, todo o elemento que era das Forças de Segurança Nacional, das FAA, Polícia e por aí adiante não podia continuar a militar nos partidos como faziam até então. A partir daquela altura pertencia às Forças Armadas e era apartidário, tínhamos isenção política.

De maneira que fiquei desde 1992 até praticamente 2011 /12 fora da vida partidária.

O político andou encubado no interior do almirante André Mendes de Carvalho ‘Miau’?

O político sim, mas o partidário não, porque durante estes anos no meu exercício como membro das forças de defesa procurei agir com isenção partidária. Até posso dar um exemplo que numa determinada altura alguém me tivera dito que… Essa questão da colocação dos adidos de Defesa era processado na minha direcção, eu era o director nacional de Relações Internacionais, onde estive para acima de 10 anos.

Numa determinada altura propusemos um indivíduo para adido de Defesa num determinado país – e não vale a pena identificar qual – e as pessoas dizem que este não pode ir para ali porque veio da UNITA.

Depois houvera uma série de peripécias, o indivíduo já tinha sido indicado com o aval do ministro acabou depois por ser retirado e por se indicar uma outra pessoa. Fui ter com o ministro e fiz-lhe ver que a atitude dele não estava correcta. Ele entendeu o que lhe estava a dizer e reverteu a situação. E o meu argumento sempre foi: para quem é militar, está nas Forças Armadas, de um momento para o outro pode-se ver envolvido numa situação de guerra, então a preocupação deste indivíduo é olhar para frente onde está o inimigo ou tem de estar preocupado com o indivíduo que está à sua retaguarda ou que lhe cobre os flancos? Ele tem de estar preocupado com o inimigo, não com os indivíduos da sua própria força. E para isto, porque as FAA integram indivíduos provenientes de várias forças, é necessário que se crie um espírito de corpo, umas Forças Armadas com unidade para que amanhã a preocupação do soldado seja apenas com o inimigo e nunca com os seus companheiros que lhe cobrem os flancos ou a retaguarda.

Dizer então que as razões foram muito profundas. Já estava para tomar uma atitude, não bem dessas de criar a CASA-CE, mas de me insurgir com algumas práticas que se verificavam no nosso ambiente político que não me agradavam absolutamente nada. E uma destas razões teve a ver com o modo como se aprovou a nova Constituição, sobretudo com esta situação do cabeça de lista. Eu tenho dito que não há nada que me tenha revoltado tão profundamente ao longo de toda a minha vida política como esta questão do cabeça de lista. Em primeiro lugar, porque na altura estavam a apresentar propostas para a nova Constituição e também apresentei alguns subsídios, aquilo que entendi como fundamental que a Constituição deveria ter. Quando entrego aquilo, porque andei a hesitar se entregava ou não, porque estava a ver que haveria interpretações das mais diversas, mas analisei bem e vi que de facto podia entregar. E foi no último dia que tomei esta decisão.

Estava numa conferência internacional, ali no hotel Alvalade, que tinha a ver com o sector militar da CPLP, agarro alguém do secretariado, bateram aquilo muito rápido e arranco para o Parlamento e dou entrada do documento. Na altura, até perguntei: ‘entraram muitos documentos’.

Responderam-me: ‘hoje entrou o do MPLA’. Então fui o último a entregar.

E o MPLA tinha entregue uma proposta que não tinha nada a ver com o cabeça de lista e aquele era o último dia.

O senhor Presidente da República a posteriori, já fora do prazo para se entregar as propostas, aparece com uma proposta do cabeça de lista alterando tudo aquilo que o documento inicial do MPLA continha.

Primeiro, é o problema da violação dos prazos estabelecidos na lei e, em segundo, vêm com uma proposta que não é admissível. Até hoje tenho isso atravessado na garganta. Como é que um indivíduo que quer ter todos aqueles poderes não é eleito de uma forma clara, através de uma eleição presidencial, e é eleito numa lista genérica? E só porque está à frente desta lista vira Presidente da República! Num sistema presidencialista, o Presidente da República tem que ser eleito numa eleição presidencial.

Há mais razões?

Por outro lado, a Constituição passada obrigava num prazo estabelecido que houvesse eleições presidenciais.

Ele foi adiando, adiando, adiando, adiando, acabou por não fazer as tais eleições presidenciais, violando a própria Constituição e depois fez aprovar esta Constituição do cabeça de lista numa altura até em que nós tínhamos aqui o Campeonato Africano das Nações (CAN) em Futebol, em 2010. As pessoas preocupadas com o CAN e outros a darem golpes baixos por debaixo da mesa, e depois fica numa situação de ilegalidade.

Não realizou as eleições que a Lei Constitucional passada lhe exigia, entretanto a nova Constituição não estava aprovada e ele foi obrigado a vir a terreiro dizer ‘aprovem a Constituição’, a procurar acelerar, porque estava numa situação de ilegalidade. Eu só lamento que o Tribunal Constitucional depois prorrogue o mandato de alguém que estava numa ilegalidade. Portanto, isto é gozar com o povo, é um abuso tão profundo e cria uma revolta tão grande. É insuportável, só não explodi naquela altura porque o meu velho andava muito doente. Tivemos muitas discussões em casa, eu e outras pessoas que frequentavam a casa, o velho estava muito debilitado, tive mesmo de recuar para não criar um clima que prejudicasse a sua saúde.

A sua ida para a CASA-CE não criou más interpretações no seio da sua família, os Mendes de Carvalho, que é identificada como sendo fiel ao MPLA, e de outras pessoas que lhe eram próximas?

De algumas sim, mas de outras não. Vamos começar pelo meu pai: ele sempre foi uma pessoa muito crítica. É só pegar nos livros dele como o Ministro, estava a escrever um outro ‘Ponto Prévio Senhor Presidente’, que se pode encontrar num outro que ele escreveu e acho que é o ‘Cultos Especiais’. Se olhar para aí vai ver que ele é muito crítico, que também não está satisfeito com a situação. Mas, como bem diz, a nossa família esteve sempre ligada ao MPLA, isto é um facto.

Mas essa questão dos partidos é como os clubes. O senhor é do 1º de Agosto, outros são do Petro, Desportivo da Huíla. Deixam de ser angolanos porque um enverga uma camisola e outro uma distinta? Não, são todos angolanos. É a mesma coisa que se passa com os partidos políticos, somos todos angolanos. Portanto, é preciso vencer esta barreira de que uns são mais angolanos do que outros. Nós somos todos iguais e psicologicamente temos que, de facto, prepararmo-nos para entendermos os outros como iguais.

Na vida política é mesmo assim, Quando chegamos lá não havia debates, olhamos para o regimento e tivemos que dizer ao senhor presidente da Assembleia Nacional que o regimento obrigava-o a agendar pelo menos um debate mensal Somos independentes, soberanos na tomada das nossas próprias decisões, mas compreendemos que é necessário conjugar esforços com as outras forças políticas da Oposição, se entendermos que o ‘status quo’ não é o mais adequado, não está a resolver os problemas do país, temos que procurar encontrar outros caminhos. E o encontrar outros caminhos foi participar na CASA. Eu também me posso considerar um membro fundador da CASA.

Sente-se satisfeito?

Perfeitamente. Sinto-me satisfeito por causa das transformações que estamos a imprimir, organizar a nível da sociedade, a esperança que nós estamos a dar a uma série de descontentes que não se revêem nos partidos pré-existentes. Por exemplo, estivemos a discutir a Conta Geral do Estado e uma das questões que abordamos na nossa declaração política diz que ‘quando chegamos à Assembleia Nacional, em 37 anos nunca tinha entrado uma Conta Geral do Estado’. E nós chegamos lá e uma das primeiras preocupações, quando começamos a aprovar o Orçamento para 2013, é que não podíamos aprovar se não tínhamos uma noção do que tinha sido a execução do Orçamento de 2012. Onde é que está a Conta Geral do Estado? Bom, e como nós, CASA, outros partidos da Oposição também questionaram esta mesma situação. Depois de muita pressão já recebemos a Conta Geral do Estado de 2011 e de 2012.

Agora, essas contas não vêm em condições para nos esclarecer que as maneiras como foram empregues os dinheiros públicos na execução do OGE de 2011 e 2012. O Executivo está a fazer de conta que está a prestar contas. Ele ainda não está a prestar contas devidamente, mas já é uma boa base que tenha começado a apresentar a Conta Geral do Estado.

E a nossa luta daqui para frente é, de facto, forçá-lo para que preste contas de maneira devida, tal como a Constituição e a Lei lhe exigem.

É um ganho. Quando chegamos lá não havia debates, olhamos para o regimento e tivemos que dizer ao senhor presidente da Assembleia Nacional que o regimento obrigava o a agendar pelo menos um debate mensal sobre temas da actualidade nacional ou internacional. Levaram muito tempo, debate vai ou não, mas pronto… Já se realizou o debate sobre a criminalidade e outro sobre a comuinicação social. Mas está a custar a sair, estão muito resistentes, não estão a dar cumprimento àquilo que está na Lei, continuam com aquele espírito de partido único.

Nos tempos de hoje já não se pode estar a caminhar a passo de cágado, senão, nós que já estamos atrasados acabamos por ser remetidos para as calendas gregas. Temos que andar depressa.

Conheceu Abel Chivukuvuku há muito tempo, fruto da amizade que terá havido entre o vosso pai, o malogrado deputado Mendes de Carvalho, e o pai do actual líder da CASA-CE? Sabe que algumas pessoas classificam a vossa aliança como contranatura por possuírem experiências políticas distintas?

Essa aliança não pode ser contranatura porque o Abel é angolano.

Eu também sou angolano. A partir do momento que caio para a esfera política-e o Abel é político-, portanto, quanto mais não seja, por essas duas razões, por sermos ambos angolanos e indivíduos que estavam na esfera política, tínhamos que nos cruzar. Isso só não é suficiente porque teria que haver também uma outra preocupação. Eu não estava satisfeito com o modo como o país estava a ser conduzido e ele também não. Devo esclarecer que quando se dá esta situação da Constituição e do cabeça de lista, como já expliquei, a minha revolta foi grande.

E, a partir daquela altura a maneira como o Presidente da República ia ser eleito era através daquele esquema que ele montou, andei à procura de ver como é que eu poderia contrariar isso. Porque também tinham acabado com esta questão dos candidatos independentes. O candidato que era independente tinha que se filiar num partido político qualquer para poder concorrer.

E eu comecei à procura de figuras que tivessem de facto peso e que pudessem ser cabeças de lista para concorrerem e fazer frente ao cidadão José Eduardo dos Santos, candidato à Presidência da República na lista do MPLA. É dentro deste espírito que vou à procura do Abel.

O Abel tem a estória que tem, nós acompanhamos toda a sua trajectória, aquilo que os jornais foram publicando sobre a sua pessoa mesmo dentro da UNITA. Praticamente sai da UNITA, fica naquela situação que nós conhecemos, olhei para o perfil dele e entendi que era um dos cabeças de lista, um dos presidenciáveis que podia fazer frente ao candidato do MPLA.

Fui à procura dele, propondo-lhe exactamente isso, que era um presidenciável e que no meu entender se concorresse às eleições tinha chance.

Podemos concluir que o deputado empurrou Abel Chivukuvuku a concorrer pela CASA? Nunca pensou dirigir uma formação política?

Não. A minha ideia naquela altura era, de facto, apoiar pessoas que já estivessem bem posicionadas e tivessem possibilidades concorrer com sucesso. O Abel era um indivíduo que já tinha meio caminho andado, portanto, ele não decidiu concorrer para a Presidência ali. Se olhar bem para os jornais, do que se dizia naquela altura, vamos ver que ele tinha já um exercício feito neste sentido. E foi precisamente por me aperceber que era um indivíduo que provavelmente estaria interessado, mas ainda não tinha feito a cabeça se iria ou não. Mas tinha o trabalho de casa feito. Eu aproximei-me, pus-lhe esta possibilidade e ele disse que iria pensar. Depois, também me garantiu que daria uma resposta em Janeiro do ano seguinte.

Ele ausentou-se, foi para a Europa, Estados Unidos e quando volta – e porque não dizia – voltei a ir à procura dele e saber qual era o ponto da situação. E ele diz-me: bom, de facto outras pessoas também foram aparecendo com posições idênticas.

E resolveu que iria participar. Depois diz: porque é que em vez de ir sozinho não iríamos os dois? Eu fico com a Presidência e o meu irmão concorre para a vice-presidência.

Como já lhe disse, não tinha isso em mente, nem de criar partidos políticos, nem de concorrer a eleições nenhumas. Estava disposto a servir de municiado, o meio-campista que abastece o ponta de lança, vamos falar assim porque estamos nesta fase de futebol. Eu estava disposto a dar apoio na retaguarda, mas ele põe-me perante este facto.

Disse-lhe que não estava nos meus planos fazer isso, porque ainda era militar e como lhe disse não podia ter actividades políticas ou partidárias.

Disse-lhe que não. Passado um tempo, ele voltou outra vez, passou pelo meu pai, que me disse que o Abel queria falar comigo. Ele insiste e, depois, ficou-me um certo peso de consciência, como é que empurro alguém para um projecto desta dimensão, pede-me ajuda e recuso-me a dar. E outras pessoas também me foram dizer que convém, isso aumenta as possibilidades de ele se puder sair bem. Então fiquei a pensar, levei muitos meses para tomar a decisão, conversei com o meu pai durante uma fase, ele disse-me que pensasse bem, etc, etc, até que entendi que devia mesmo avançar e comuniquei ao Abel. Durante algum tempo trabalhava eu e ele, embora ele trabalhasse com os outros todos, mas tudo aquilo trazia-me e analisávamos. E é assim que apareço na CASA-CE com este projecto alternativo de oferecer a Angola uma situação melhor do que aquela que se tem na actualidade. Porque vou-lhe dizer o seguinte: este país é conduzido por um homem. Este MPLA todo que está aí vai arrastado por uma só cabeça. Esta é a realidade, o que o Presidente pensa é o que eles fazem e não só, também o que dizem que pensam. Se o Presidente pensa amarelo, eles também dizem que pensaram amarelo. Depois vivem neste clima de bajulação e dizem que se estou a beber este sumo graças… O Presidente José Eduardo dos Santos teve ao longo da sua vida política momentos altos. Nós temos de reconhecer isso. Eu tenho de reconhecer isso, momentos positivos.

Mas hoje já não tem mais nada para dar a Angola, senão um pouco mais do mesmo. Hoje precisamos de despontar outras iniciativas, mas a verdade é que o programa dele acabou.

Hoje é a repetição daquilo que já fez. Portanto, quero reconhecer que há uma contribuição positiva do Presidente José Eduardo dos Santos para a sociedade angolana, não posso evitar isso, mas também não posso deixar de reconhecer que ele hoje não tem mais nada para dar a Angola. É só teimosia de querer ser Presidente, por isso é que começa com discursos do tipo ‘a democracia foi-nos imposta, os direitos humanos não enchem a barriga de ninguém, não foi ele que trouxe a pobreza e que no tempo dos pais dele também já havia’. Já não tem mais nada para dar. E mesmo estas ideias que parecem geniais, que as pessoas repetem como por exemplo ‘precisamos de grupos fortes’, é só estar a correr de um capitalismo que nas sociedades desenvolvidas passaram em finais do século XIX.

Hoje, mesmo nestas sociedades capitalistas eles não estão a despontar nisto. Você vai para Portugal, França e há-de verificar que eles já estão a questionar o sistema em que estão inseridos, querem qualquer coisa nova. E nós estamos a correr atrás disso, que já é qualquer coisa que começa a ser rejeitada pelos outros.

Portanto, não é esta perspectiva.

Se é verdade que tecnologicamente, cientificamente estamos muito atrasados e vamos precisar de tempo para apanharmos os outros, mas em termos de regime social, quer dizer criar uma democracia, um estado de direito e democrático na verdadeira acepção da palavra, nós podemos.

“Hoje estamos a viver na mentira”

A UNITA apresentou recentemente a ideia da elaboração de um pacto social. Acha isso viável?

Nós nunca devemos excluir possibilidades.

Podemos enveredar para este pacto social com uma condição: que ele tenha como substrato a verdade.

Nós hoje estamos a viver na mentira, esse Estado de direito e democrático é falso, posso lhe dar dezenas de exemplos, sobretudo com aquilo que nós vivemos a nível do Parlamento.

O facto de a CASA-CE ser formada por indivíduos de vários extractos políticos da oposição, se calhar também alguns provenientes do MPLA, é um indício de força ou uma fraqueza?

Qualquer realidade é ela mesma e o seu contrário. Portanto, como provenho de alguma formação marxista uso um pouco desta dialéctica: para dizer qualquer coisa é de facto a sua afirmação e a sua negação. Com isto quero dizer que, por um lado, constitui fortaleza e, por outro lado, é o handicap. Mas toda a realidade é assim, toda moeda tem duas faces, de maneira que há muitas vantagens em sermos este arco-íris, esta força política que congrega várias sensibilidades e sectores. Este aporte, contribuição de várias proveniências enriquece. Agora, pronto, também é uma organização mais complexa de ser gerida.

A deserção de algumas pessoas, como Francisco Hebo, faz parte desta complexidade?

Não, não. Há só a deserção do ex-secretário executivo provincial de Luanda, mas é uma coisa também muito mal explicada e que não nos afecta muito. Se calhar, com o correr do tempo, a própria sociedade ainda vai ser surpreendida com este facto.

Agora, com o secretário-executivo ele está aí, trabalha e não há problema absolutamente nenhum. Portanto, enriquece-nos e acho que os ganhos são maiores do que aquilo que são os constrangimentos. Temos gente de todos os pontos do país e temos nada.

Gentes que eram de outros partidos da Oposição, quadros de categoria, não são elementos quaisquer. Tanto é assim que nós na bancada somos poucos mas é uma bancada que estremece o próprio Parlamento, condicionando a agenda do Parlamento, porque é pela qualidade dos elementos que a CASA-CE contém.

Como classifica a vossa posição dentro da Oposição em Angola?

Traçamos uma estratégia logo nos primeiros tempos, quando fui indicado presidente do grupo parlamentar. E essa estratégia situa-nos, determina como devemos estar dentro da Oposição, não permitir nunca que o MPLA nos divida. É um ponto cardinal da nossa postura dentro da Oposição, podemos ter divergência com a Oposição, mas digo sempre aos meus companheiros e assim aprovamos em conjunto -que devemos fazer tudo e nunca permitir que o partido no poder nos divida.

A Oposição tem que actuar unida, mas isso não quer dizer que sejamos uma só força política. Cada uma das forças políticas tem o seu projecto, independência e actua em função dos seus próprios interesses. Mas dentro do possível procuramos coordenar a nossa acção nas actividades que levamos a cabo. Por isso é que abandonamos ultimamente o Parlamento. Antes já tínhamos feito uma carta, em que todos os presidentes dos grupos parlamentares assinaram, e enviamos para o presidente da Assembleia Nacional, advertindo, precisamente, que não estamos nada de acordo que não haja transmissão em directo das sessões parlamentares. Portanto, a nossa postura dentro da Oposição é essa: somos independentes, soberanos na tomada das nossas próprias decisões, mas compreendemos que é necessário conjugar esforços com as outras forças políticas da Oposição, para podermos ser mais efectivos e eficientes nesta actividade de oposição ao partido no poder.

Acredita que a política de cadeira vazia adoptada pela Oposição no Parlamento é a melhor via para protestarem?

Não há nenhuma via ou método que é perfeito para todo o tempo. Para esta fase, as medidas que nós tomamos são apropriadas. Se nós não tivéssemos abandonado o Parlamento, você não estaria a pôr esta pergunta, mas teríamos votado contra e o meu caro amigo nem sequer estaria preocupado.

Então surtiu o efeito desejado?

Naturalmente, por isso é que me está a colocar a pergunta. Era preciso criar factos e está criado. As pessoas querem saber e nós explicamos. Cria-se então um debate não só em volta da atitude de termos abandonado o Parlamento, mas aquilo que determinou que abandonássemos o Parlamento. É necessário, porque qual é o medo que o MPLA tem de que as sessões do Parlamento, que duram aproximadamente quatro horas, se transmitam em direito?

Isso pergunto eu: acha que o MPLA tem medo da transmissão das sessões parlamentares?

Existe medo. Eles viveram aquela experiência da campanha eleitoral em que não podiam editar os nossos tempos de antena. Usávamos os tempos de antena e eles eram obrigados a transmitir tal e qual nós havíamos apresentado. Eles passaram mal durante a campanha, muito mal. Já não tinham argumentos e começaram a ameaçar que nos iam tirar os tempos de antena, processar judicialmente porque não estavam a aguentar a passada. Eram só cinco minutos de televisão e 10 minutos de rádio diariamente.

Eles entraram em parafuso, o Jornal de Angola virou um panfleto para atacar a Oposição. Então têm medo de viver outra vez aquele momento e nós não podemos permitir. Porque até podíamos permitir que em diferido eles fizessem isso, mas o problema é que eles não são isentos. Quando eles vão editar os trabalhos que fazem com a Oposição, acabam sempre por deturpar o que a gente diz. Acabam por agarrar, por exemplo, quando lhe disse que ‘o Presidente José Eduardo dos Santos numa determinada etapa deu um contributo valioso à Nação’, se for a Rádio Nacional de Angola eles vão agarrar só neste aspecto, que é um dos que foquei entre muitos. É aquilo que eles põem, ignorando tudo o resto. Não podemos estar a viver desta maneira, com estas manipulações, queremos que de facto se transmitam em directo e vai caber ao povo saber quem é quem, assim como o desempenho dos próprios deputados. Isso também educa o próprio povo na hora de voltar a eleger, saber para quem é que ele vota, é um exercício pedagógico para a própria sociedade civil, povo e o cidadão.

Mas parece que tiveram um reunião e houve um consenso a nível da Assembleia Nacional de que não existiam condições para a transmissão em directo das sessões…

Reunimos sim, mas não houve consenso nenhum. Eles tiveram a sua posição e nós temos a nossa, tanto é que não chegamos a consenso e ainda voltamos a mandar mais uma carta assinada por todos nós. Não vamos admitir nunca quando ele diz…

Está a referir-se a quem?

O presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos.

Para já, ele recuou na sua posição, porque a Conta Geral do Estado, o Orçamento Geral do Estado e as declarações políticas, numa primeira fase, seriam transmitidas em directo. Não sei se alguém puxou-lhe as orelhas, mas na última conferência há um recuo.

Na Conta Geral do Estado não era toda a sessão que devia ser transmitida em directo, mas apenas a apresentação do documento pelo Executivo e as declarações políticas, nós não aceitamos. Isso ficou claro – e sempre ficou-e como lhe disse voltamos a escrever, este ano voltamos a escrever, os quatro partidos da Oposição e isso é um facto. Não vamos aceitar porque esta questão da declaração política são cinco minutos de três em três meses, salvo as declarações políticas que têm a ver com a Conta Geral do Estado e a aprovação do Orçamento Geral do Estado, que requerem mais tempo.

Mas as declarações políticas ordinárias são cinco minutos e acha mesmo que nós vamos aceitar que a transmissão em directo só são cinco minutos de três em três meses? Isso não é nada, é estarem a brincar connosco. Portanto, esta é a realidade. Conversamos sim, mas sempre estivemos contra.

Como é que vê a maioria democrática do MPLA no Parlamento?

Maioria democrática não. Aquilo não é maioria democrática, primeiro porque têm esta maioria por causa da fraude.

E quando digo fraude, à cabeça das pessoas ‘lá estão esses gajos com a fraude’. Mas a fraude não é só manipulação dos números, que eles também fazem. A fraude é usarem só eles 24/24 a comunicação social pública.

Se a Rádio Nacional só fala deles e não fala dos outros, qual é a mensagem que chega aos eleitores? É a mensagem deles. Como é que a sociedade depois vai esperar que este cidadão ou eleitor vai votar num outro partido se a mensagem do outro partido não chega? Está sempre a ser bombardeado pela mensagem do MPLA, porque eles detêm os meios de comunicação social públicos e usam-nos no seu interesse. Sobre esta posição da comunicação social, a Igreja já se pronunciou.

Há vários outros sectores que reconhecem isso, que de facto não há um tratamento igual como a lei exige.

A lei exige que haja um tratamento igual para os partidos políticos. Esse argumento que eles dizem de que o MPLA produz mais informação e por isso é que tem mais tempo nunca a lei diz. Se dão cinco minutos a mim, têm de dar cinco minutos ao MPLA.

Se dão ao MPLA uma hora têm de dar também a mim, a FNLA. Portanto, isto é fraude. Por outro lado, tem a ver com os dinheiros. Na hora de se realizar as campanhas eleitorais, o MPLA para além de tirar muito dinheiro dos cofres do Estado e é só ver as despesas que eles realizam, porque aqui não há projectos industriais e agrícolas a funcionar que produzem fortunas.

Você já viu? Eu não. Estão a transladar-se algumas indústrias da Europa para aqui, sobretudo de Portugal que estão a arrancar agora. Então onde é que o MPLA anda a tirar este dinheiro todo que foi gastando ao longo das campanhas, do Cofre Geral do Estado, são fundos públicos. Portanto, eles servem-se bem porque estão na cozinha e os outros recebem migalhas.

Esta diferença de dinheiro é fraude e o mais grave ainda é que, além de darem pouco, dão-nos o dinheiro já em cima da campanha. Vou-lhe confessar uma coisa: se tivéssemos ficado à espera do dinheiro do Estado para podermos fazer a campanha não teríamos comprado nada, porque ir lá fora, fazer as encomendas, etc, quando chegassem cá as eleições já teriam acabado. Isto é fraude e estes factos qualquer um vê.

Como é que um candidato em plena campanha vai para Benguela no comboio e decretam tolerância de ponto? Há aqui uma desigualdade, uma fraude e mentira que não pode ser.

Então você é candidato tem tolerância de ponto, então Abel Chivukuvuku quando vai para Benguela também tinha de haver tolerância de ponto para um tratamento igual, já que estamos a falar de campanha eleitoral. Portanto, eu se começar a falar da fraude nunca mais termino. Depois são os homens da Segurança e Casa Militar que manipulam essas comissões todas.

Eu até fui votar aí defronte a Rádio Nacional de Angola e vejo dois carros pretos parados. Eu estava à espera do indivíduo que estava a chefiar aquilo, ele nunca mais saía e reclamei. Então vejo que ele andou cerca de uma hora numa reunião com dois indivíduos que são da segurança e eu até conheço.

Um até, assim meio envergonhado, ainda olhou para mim, acenou porque conhecemo-nos. Isso é fraude, que não é só a manipulação dos números, mas como usam a comunicação social, os dinheiros públicos e como põem agentes da segurança a interferirem.

Por exemplo, quando se levantou essa questão do Kamulingue e Cassule vocês acompanharam nos jornais que o Comité Provincial do MPLA de Luanda tem lá uma coisa que se chama Gabinete Técnico, gente até que parece que alguns estão presos. Como é uma estrutura da Segurança Nacional, órgãos da Inteligência estão dentro de uma estrutura partidária, se de lei estes indivíduos têm que ser isentos? Esse é um exemplo, factos, não estou a falar do vazio. Tem lá o Gabinete Técnico com gente que é da Segurança, como é possível. E realiza os assassinatos que você está a ver, portanto intimidação política. Acha que com tudo isso eu não tenho razão de buscar outros caminhos para ajudar a transformar esta Nação? Tenho que fazer.

Se me sinto bem? Sinto-me e estou estimulado. E sejam quais forem as dificuldades, a minha luta só termina quando de facto houver transformação na sociedade angolana. Porque o MPLA hoje só está a atrasar o processo.

Isso que eles consideram ganhos são ganhos que o outros já abandonarem, é resíduo. E nós precisamos de andar depressa, de nos afirmar com todo o potencial que nós temos, que é o nosso país Angola. Temos a obrigação de estar à frente, mas precisamos de uma direcção, liderança e não pode ser uma liderança de gente desanimada.

‘Não fui eu que criei ou que trouxe a fome’, ‘no tempo do meu pai também já existia’, ‘os direitos humanos não enchem a barriga de ninguém’, são palavras do Presidente. Nós precisamos de gente jovem, com aspirações e capacidade, naturalmente, para levar este país a um porto mais seguro e outros destinos.

A CASA-CE terá feito a sua contagem paralela em relação ao pleito eleitoral de 2012, já que fala de fraude. Qual é o resultado que esperavam?

Esperávamos um resultado mais auspicioso. Mas também é aquilo que lhe estou a dizer, para não estarmos a falar lá das contagens porque fizemos a nossa, mas o senhor não viu. Agora, estou-lhe a falar de fraude de coisas que o senhor também vê no dia-a-dia, a maneira como ele usa a comunicação social. Como é que um Jornal de Angola começa a atacar um partido daquela maneira? Aquilo é um panfleto ou um jornal público? Como é que uma Rádio Nacional fica parece uma instituição privada do MPLA, a televisão a mesma coisa. E volto-lhe a repetir que alguns dos chefes destes órgãos são seguranças, gente da inteligência que amedronta depois os funcionários lá dentro. Estou-lhe a falar de fraude, de comportamentos incorrectos e coisas que você próprio também pode constatar. Qualquer um que vai ler a sua reportagem se possa situar e saber que estas coisas de facto se dão.

A oposição ainda tem algum peso no Parlamento apesar do número de representantes?

Naturalmente, porque nós parlamentares apenas somos representantes do povo eleitor que nos elege. E o fundamental não é só o que se passa dentro do Parlamento, mas sim justificarmos perante quem nos elegeu, as pessoas que representamos. Aquilo que nós não conseguimos lá, vamos fazer com que o próprio povo consiga cá. O que não conseguimos lá dentro, vamos voltar aos próprios eleitores e dizer que por esta e aquela razão não conseguimos isso e aquilo. E vai caber ao próprio realizar as conquistas em conformidade com os seus interesses. Por isso é que lhe dizia que aquela questão da cadeira vazia, neste momento é cadeira vazia, mas amanhã temos que avançar para outras medidas.

Ou só nós parlamentares ou com o próprio povo que encontramos cá fora, outras medidas para que de facto a democracia vingue. Portanto, embora poucos, nós conseguimos realizar o nosso papel lá dentro.

Já se ventilou a hipótese de fazer uma frente única para a Oposição enfrentar o MPLA. Acha isso possível tendo em conta as características dos partidos que compõem a nossa oposição?

Entendemos que do facto de haver multiplicidade, diversidade de opiniões e mesmo vários partidos, em primeiro lugar porque a própria sociedade é mesmo assim, esses partidos políticos vão reflectir o próprio conteúdo da sociedade, que é diversificada. Agora, eu não tenho esta preocupação da frente única, porque, como lhe disse, a cooperação que temos permite-nos actuar em conjunto aí onde é possível. Onde temos interesses comuns podemos agir em comum e temos estado a fazer.

Ali onde somos diferentes, porque também temos diferenças, cada um vai realizar o seu papel. Por isso, é que um chama-se UNITA, outro CASA, FNLA e PRS. Há diferença entre nós.

Não há o risco de “fogo amigo”?

Para além da diferença, também há interesses comuns. E onde há interesses comuns actuamos em conjunto. O fogo amigo dá-se mesmo dentro da própria força. Por exemplo, os americanos quando lutaram no Iraque bombardearam as suas próprias tropas, não foram os aliados.

Portanto, o problema do fogo amigo mesmo dentro da própria força pode acontecer. Nós temos é de ter a maturidade – e temos estado a ter porque somos gente já com alguma experiência e temos cooperado muito bem. De facto, esta frente está aí se quisermos entender assim, porque temos actuado em conjunto. De jure e institucionalizada, não. Quando os interesses são os mesmos, para fazer frente ao MPLA actuamos em conjunto. Mas depois para o trabalho de mobilização cada um vai fazer o seu trabalho, aí não há frente comum.

‘Nunca encontrei uma instituição que viola a lei como aí dentro do Parlamento’

Para alguém que sempre acompanhou o Parlamento de fora, como é que vê a sua presença neste hemiciclo político?

Um bocado desiludido, porque às vezes confrontavam-me com alguma legislação de fora e perguntava aos deputados: como é que vocês deixaram passar isso?

E então vejo hoje o que é que se passa lá dentro.

Nunca encontrei uma instituição que de maneira voluntariosa viola a lei como aí dentro do Parlamento.

A gente chama a atenção, olha a Constituição diz isso, mas eles atropelam aquilo. Se os seus interesses não estão em consonância com a lei, eles não têm pejo absolutamente nenhum em atropelar.

Mas é de lá que saem as leis..

É. É mesmo lá onde saem as leis.

Vou-lhe dizer que aquilo é uma mentira.

O que é mentira?

A aprovação das próprias leis.

Vou-lhe dizer que 90 por cento daquela gente que está lá dentro só levanta a mão, sem saber qual é o conteúdo do que os dossiês contêm.

Por exemplo, estivemos ultimamente a aprovar todo este processo tributário, era muito documento.

Eu lhe garanto que 90 por cento das pessoas que estão lá dentro não leram aquilo, nem têm noção do que é que está lá dentro. Mas, de um modo geral, queremos mais tempo para podermos analisar e votar em consciência. Estamos numa luta para que os deputados tenham assistentes, isto está no regimento, porque você tem que dar a economistas, juristas ou a um time que vai analisando. O papel do deputado é do enquadramento deste trabalho técnico. Humanamente, ninguém tem a capacidade para durante cinco dias ler 500 páginas e não é um romance. Ainda se fosse um romance, o indivíduo lê aquilo de maneira corrida. Por isso, vou-lhe dizer que aquela malta aí levanta a mão como um autêntico analfabeto. Aquilo é só levantar a mão. Como nós em consciência achamos que não fizemos o trabalho de maneira devida para poder votar, nós abstemo-nos. E porque vamos entregar esta documentação em equipas técnicas, fazer uma análise exaustiva e voltar ao Parlamento, questionar aquilo que entendemos que não está bem feito e outras que votamos contra, sobretudo na matéria económica, porque é aí onde eles gostam de ludibriar os outros. E é assim que se fazem ricos.

Como é que são bilionários? Onde é que andaram a produzir? Qual é a indústria com sucesso que as pessoas conhecem que cria biliões para as pessoas serem bilionárias? Não há. Por isso é que estas prestações de conta são de faz-de-conta e nós votamos contra.

Só vamos votar a favor – e votamos muita coisa a favor – quando temos consciência do que estamos a fazer.

Pior ainda, não nos dão tempo. Aqui o regimento diz que se deve dar o tempo em função da complexidade e da natureza dos assuntos. Eles limitam a intervenção dos pequenos partidos a 10 minutos. Em 10 minutos não dá para entrar na essência das matérias e é o MPLA que usando a sua maioria diz não.

Primeiro dava só cinco e agora vão nos dar 10, mas depois de muita discussão, para que a gente não tenha tempo de argumentar. Por isso é que digo que aquilo não parece um Parlamento, porque vamos para lá e não temos tempo para falar, não nos dão os assistentes para podermos fazer as análises. Para eles, como é o caso do presidente da Assembleia Nacional, tem 15 funcionários no seu gabinete. O secretário-geral tem nove. E só são órgãos de coordenação e asseguramento. Os elementos fundamentais de qualquer Parlamento são os grupos parlamentares, as forças políticas aí representadas e estas não estão municiadas. Os deputados não têm assistentes, embora esteja na lei.

Então não estamos capazes de poder cumprir com o nosso papel e é por isso que a gente denuncia, abandonamos a sala para chamar a atenção a estes factos. Havemos de chegar a uma determinada altura em que outras acções mais significativas vão ter que ser tomadas, mas aí já com a participação do próprio povo.

Quando abandonou a Assembleia Nacional, o político e nacionalista do MPLA, Lopo do Nascimento, pediu aos colegas que deixassem as ‘conversas de infantário’. É o que tem acontecido lá dentro?

Essa conversa de infantário é mesmo para eles MPLA, porque às vezes os factos são por demais evidentes e ficam aí a tentar justificar o injustificável, como quem diz dá cá a minha bola, ela é minha. É a tal conversa de infantário, isso tem mais a ver com a própria bancada do deputado Lopo do Nascimento. Se viu as imagens naquela altura, os que aplaudiram a intervenção dele foram os da Oposição.

Muitos do MPLA ficaram cabisbaixos, não gostaram daquilo que ele disse. Há conversas ou discussões de infantário sim, parecem criancinhas a dizer que a bola é minha.

Já tentou perceber qual será neste momento o pensamento do cidadão comum em relação aos deputados?

Para já, não estão informados. Não sabem o que se passa lá dentro e depois não vêem os seus problemas resolvidos. E ao não verem os seus problemas resolvidos, pensam que os deputados não fazem nada. Por isso é que queremos que haja transmissões em directo, ao menos assim eles acompanham e vão poder responsabilizar quem está a falhar e quem está a cumprir com as suas obrigações. Por isso, tem que haver transparência.

É justo, num país como o nosso, com uma população carente e que precisa de serviços básicos como a água, electricidade e outras coisas, os deputados andarem com carros caríssimos, alguns dos quais chegam a custar mais de 150 mil dólares?

Não sei quanto custam os carros, porque nunca ninguém me disse o preço deles. Quem compra é o MPLA.

O senhor está a dizer que custa 150 mil dólares norte-americanos ou 200, não sei, nunca discuti os preços. Agora, estamos preocupados com este problema da água e da energia, mas não dos deixam fiscalizar e controlar para resolvermos de facto estes problemas que são a preocupação do povo.

Sentem-se amarrados?

Quisemos, por exemplo, interpelar o ministro da Energia e Águas, mas não fomos autorizados. Não nos deixaram.

Depois quisemos fazer fiscalização, eles, com medo, a bancada do MPLA escreveu para o Tribunal Constitucional. Quem cria estas instituições? É o próprio MPLA. E elas na hora de agir procuram servir o MPLA, decretaram que não se pode fazer interpelações e inspecções. Pronto, não podemos visitar nem controlar nada. Estamos assim amarrados.

Com isso não conseguem também propor iniciativas legislativas?

As únicas duas forças que tiveram iniciativas legislativas foram a CASA e a UNITA, mas o MPLA com a maioria que tem acaba sempre por chumbar tudo aquilo que está bem feito.

Mas vamos continuar a ter iniciativas legislativas. O MPLA ainda não apareceu com nenhuma iniciativa legislativa.

E as que têm sido aprovadas?

São propostas do Executivo, que não é o MPLA. No Estado trabalha gente que não tem partido ou que são de outros partidos também. Aquilo não é MPLA, é administração pública.

Em termos gerais como é que vê a situação social dos angolanos?

Com apreensão, há muita penúria, fome. Há muita gente com dificuldades, portanto não olhem só para a classe média e pensar que todo o mundo vive assim. Há uma série de constrangimentos, algumas coisas vão sendo feitas, mas costumo dizer às pessoas que a economia de Angola resume-se neste esquema que lhe vou apresentar: Angola tem muitos recursos naturais, graças a Deus, o Governo vai lá para fora e traz chineses, americanos e ingleses que vêm explorar os nossos recursos como o petróleo, diamantes e outros. Então, depois eles pagam as nossas contrapartidas. Nós somos os donos da matéria-prima, eles tiram o que é seu e dão-nos a outra parte. Portanto, o processo produtivo praticamente é dominado por estrangeiros, porque até nós vivemos sobretudo do petróleo.

São os estrangeiros que produzem este petróleo, diamantes e outros bens. E nós recebemos as nossas contrapartidas como donos destas matérias-primas. Depois vamos buscar os chineses, portugueses para fazerem as construções aqui e ali. E nós acabamos por ser out siders, gente que vive na periferia. A economia de Angola é isso, gabam-se muito de que nós, nós, mas qualquer um faz isso.

Mas o país foi referenciado como sendo um dos que mais cresce no mundo?

Se você só tem um e faz mais para ser dois, então você cresce 100 por cento. E vai dizer que cresci muito, mas se só tinha um pão e fez mais um para ser dois, sempre cresceu 100 por cento. Vai se gabar que cresceu muito. Mas, por exemplo, se um indivíduo tem 100 pães e fizer mais 25, ele só cresce 25 por cento e não 100 por cento. E este que está a dizer que cresceu 100 por cento só tem dois pães, mas o outro que só cresceu 25 por cento tem 125 pães. Portanto, há que não ficar cego com esta propaganda do regime, porque isso é só falácia.

É dos que mais cresce porque é dos países mais rebentados, não tinha absolutamente nada, qualquer coisinha que faça dá uma percentagem elevada. Mas agora é preciso não olhar só para a percentagem, é preciso ver qual é o valor, a quantidade de bens que o país tem. E você não vai comparar Angola com a África do Sul. A África do Sul cresce menos, mas aquilo é uma potência.

Portanto, tudo depende da base de onde se parte para crescer. Se a base é pequenina, um simples espirro já vai dizer que estou a crescer a 80 por cento. Mas quando a base é larga e grande, você já produz muita quantidade, para poder crescer dois ou três por cento. Por isso é que vemos que os países altamente industrializados crescem a dois, três por cento, porque a base da sua economia é muito ampla.

O PAIS

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