Na sua opinião, o que Angola procura com a abertura de linhas de crédito e a doação de recursos financeiros a alguns países africanos?
Nos últimos tempos, Angola tem assumido cada vez mais o papel de liderança na região centro-austral do continente africano. Esta liderança tem sido firmada com questões relacionadas com processos de pacificação na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) e a nível da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos, da qual assumimos a presidência rotativa desde Janeiro deste ano. Este processo, que levará a que Angola se torne no principal peace maker da região centro-austral do continente, não é simplesmente feito com a assessoria militar ou aconselhamento diplomático. Julgo que é neste sentido que tem havido algum esforço por parte do Governo no sentido de apoiar os seus parceiros em termos financeiros, como aconteceu recentemente com a República Centro-Africana, a quem Angola doou 10 milhões USD, e já o fez com outras nações africanas em dificuldades.
Recentemente Angola emprestou dinheiro a Cabo Verde e abriu, em finais de 2013, uma linha de crédito de 180 milhões USD a São Tomé e Príncipe...
Quando se projecta capacidade diplomática e há uma série de projectos que têm por fim último transformar o País numa potência regional e até africana, não se deve olhar a meios. Desenganem-se as pessoas que julgam que seremos uma potência só pelo facto de termos um exército com grande capacidade de desdobramento a nível da região centro-austral de África. Temos de entrar com dinheiro também. Não devemos julgar que o dinheiro virá do Orçamento Geral do Estado (OGE), até porque em Cabo Verde temos o Banco Angolano de Investimento, que é o maior banco comercial daquele país. É provável que o Governo angolano tenha feito diligências junto daquele banco para a abertura de uma linha de crédito que depois receba uma garantia soberana do Estado cabo-verdiano, por exemplo.
Se considerarmos o nosso PIB e o OGE de 2014, as verbas de apoio são irrisórias, mas o País também tem as suas prioridades …
Este dinheiro faz falta a Angola, mas não nos podemos esquecer de que o poder não se projecta apenas com diplomacia. É também pagando. Sabemos que os EUA, a maior potência do mundo, que têm apoiado uma série de missões de paz e intervenções militares no estrangeiro, também precisam de dinheiro. Portanto, só com este tipo de apoio é que Angola ganhará mais influência e notoriedade. Na SADC, estamos em segundo lugar, logo a seguir à África do Sul, que é um gigante económico do continente, e sabemos que tão cedo não estaremos ao seu lado, pelo menos em termos de desenvolvimento económico. Felizmente, a diplomacia transformou Angola numa placa giratória para a resolução de conflitos em África, e isto tem de ser resguardado com a injecção de capital nos países com mais necessidades.
Há receios de que estes fundos nunca retornem ao País, uma vez que não se conhecem as garantias de pagamento, as taxas de juro nem se há fiscalização aos montantes...
Não podemos pensar que estas verbas tendem a ir parar a um fundo perdido. Servem igualmente para manter um status quo de Angola enquanto País, que com certeza necessitará do apoio destes países para outros compromissos futuros. Nesta altura, por exemplo, Angola concorre para membro não- -permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ninguém vai votar em nós só porque temos 12 anos de paz.
O poder que Angola deseja tem custos?
Claramente. Tem-se dito que não existem almoços gratuitos. Para termos poder, não basta darmos conselhos e usarmos a diplomacia. O mesmo aconteceu em relação à Guiné-Bissau, para onde Angola enviou tropas para a reformulação do Exército, respondendo a um pedido do então presidente Bacai Sanhá. Para além de tropas, Angola foi o único país do mundo que disponibilizou dinheiro para restabelecer a sua economia, quando a própria Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que é o bloco económico da qual a Guiné-Bissau faz parte, aprovou a ECOMIB, em substituição da Missão Militar Angolana (MISSANG), mas que nunca conseguiu sair do papel até hoje.
Como encara a presença da MISSANG naquele país, que é considerada um fracasso por muitos especialistas e na qual foram gastos 10 milhões USD?
No meu ponto de vista, a missão de Angola na Guiné-Bissau foi um sucesso, porque o que nos levou ao país - a participação na reformulação do seu sector militar - foi cumprido. Acontece, porém, que a Guiné- -Bissau está instalada numa região fora do domínio de Angola. Os países da CEDEAO - sabemos que a Nigéria e a Costa do Marfim são concorrentes directos de Angola - pressionaram o poder político instalado na Guiné-Bissau, após a morte de Malam Bacai Sanhá, para que Angola retirasse as suas tropas. Isto foi feito e evitou-se um conflito que poderia ser catastrófico para ambas as partes. Depois da retirada das forças angolanas, a situação deteriorou- se e, inclusive, parlamentares daquele país pediram para que Angola regressasse.
Estêvão Martins
Semanária Expansão