Foi nesse espírito que nasceu o Movimento dos Não-Alinhados, com líderes como Nasser, Nehru, Tito e Nkrumah a defenderem a soberania dos seus Estados, a cooperação entre os povos e a recusa em serem meros peões nas mãos das grandes potências.
No entanto, com o fim da Guerra Fria, o projecto do não-alinhamento parecia ter perdido espaço sendo que este tinha sido instituída na logica da bipolaridade que se assistia no Sistema Internacional. Deste modo, o fim desta bipolaridade, isto é, nos anos 1990, o sistema internacional foi dominado pela influência americana e pelo discurso de um mundo unipolar, onde não havia alternativa senão seguir a maré do Ocidente. Mas nos dias de hoje é possível ver uma possível mudança na maré. O actual sistema internacional voltou a viver uma competição acesa, desta vez entre os Estados Unidos e a China, com a Rússia e outros actores a baralharem ainda mais o jogo. Esse regresso da rivalidade das grandes potências está a abrir caminho para que os países do chamado Sul Global voltem a procurar uma posição própria, sem cair no jogo de ser satélite de ninguém, o que acaba por se configurar numa possível configuração de um novo Movimento dos não-alinhados.
O novo “não-alinhamento”
A diferença que podemos extrair do antigo e do novo movimento dos não-alinhados, no entanto, é que o não-alinhamento de hoje não é tanto um projecto ideológico ou de solidariedade anticolonial, como foi nos anos 1960 e 1970. O que se vê actualmente, é o pragmatismo de determinados países, a evocaram seus próprios interesses distantes de um alinhamento anunciado face a disputa das grandes potências actuais.
A Índia, por exemplo, coopera militarmente com os Estados Unidos no Indo-Pacífico, mas ao mesmo tempo continua a comprar petróleo barato da Rússia e participa activamente dos BRICS. O Brasil, um outro grande exemplo, mantém um pé no Ocidente e outro no Sul Global, jogando com o discurso da autonomia. Já os países africanos, entre eles Angola, sabem que não podem dar-se ao luxo de apostar todas as fichas num só parceiro: recebem investimentos chineses em estradas e portos, recorrem ao FMI para apoio financeiro, fazem negócios com empresas ocidentais, mas também abrem espaço para a Rússia, a Turquia e os países da região do Golfo Pérsico.
Este jogo múltiplo não é incoerência, mas, podemos olhar isto como uma forma de sobreviver e crescer num mundo onde os interesses se cruzam. O mesmo pode ser claramente visto na região do Médio Oriente onde temos a Arábia Saudita e Emirados, aliados históricos dos EUA, a fazerem negócios de petróleo e tecnologia com a China nos dias actuais, ao mesmo tempo que retomam relações diplomáticas com o Irão. Ou seja, não se trata mais de não-alinhamento puro e duro, mas de um multi-alinhamento, em que cada país procura equilibrar-se como pode, tirando proveito das oportunidades sem se deixar aprisionar.
Desafios e oportunidades para África
Para os países africanos, este cenário abre espaço para mais protagonismo. Países como Angola, Nigéria, África do Sul podemos também citar a Etiópia podem negociar com várias potências e, assim, aumentar o seu peso nas decisões globais. Mas é preciso termos em conta alguns riscos que podem advir desta jogada: quanto mais diversificados forem os parceiros, maior pode ser a vulnerabilidade a dívidas impagáveis, pressões externas ou dependência tecnológica. O perigo é que, em vez de libertar, esse não-alinhamento pragmático pode acabar por criar uma nova forma de dependência, agora repartida entre vários senhores.
Ainda assim, tal como temos visto, o Sul Global tem mostrado que pode ganhar voz própria. A entrada da União Africana no G20, a expansão dos BRICS e as constantes cimeiras África-China, África-EUA e África-União Europeia revelam que o continente é cada vez mais um espaço de disputa e cortejo. No meio disso tudo, a posição não é de mero espectador: é de quem pode negociar, exigir contrapartidas e lutar por um lugar mais digno no sistema internacional.
Desta feita, não estamos a assistir a um simples regresso do velho não-alinhamento da Guerra Fria. O que se desenha agora é um não-alinhamento activo e pragmático, onde a sobrevivência política e o desenvolvimento económico se sobrepõem a ideologias fechadas. É na verdade uma forma de jogar o jogo mundial sem perder autonomia, sem cair no canto da sereia de nenhuma potência. A grande questão é se os países africanos vão conseguir transformar essa posição de “neutralidade” em uma verdadeira força de negociação, ou se continuarão apenas a oscilar conforme sopram os ventos das grandes potências.
Juvenal Quicassa
Especialista em Relações Internacionais