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Quarta, 02 Julho 2025 23:41

China zera tarifas de importação sobre os produtos Africanos: Solidariedade Comercial ou Expansão Estratégica?

Sem dúvidas foi bastante impressionante o recente anúncio feito pelo governo chinês de eliminar todas as tarifas de importação sobre produtos que advém dos países africanos, especialmente daqueles Estados menos desenvolvidos do continente, o que nos parece ser de facto um movimento com forte impacto geopolítico e econômico.

 Podemos justamente olhar essa manobra como um provável Qmex no fortalecimento das relações sino-africanas e para a promoção do comércio Sul-Sul. Contudo, a interpretação e implicações desse gesto variam substancialmente quando observadas sob duas dimensões teóricas das Relações Internacionais, nomeadamente o realismo e o idealismo (ou liberalismo).

UM OLHAR REALISTA

Do ponto de vista realista, que parte da ideia inicial de que os Estados agem principalmente com base ampliação dos seus interesses nacionais, busca de constante de poder e sobrevivência a nível do sistema internacional visivelmente anárquico, podemos de forma simplista olhar a decisão da China como sendo na verdade uma continuidade ampliada da  sua estratégia voltada na afirmação de sua influência global e consequentemente na contenção da presença ocidental, especialmente dos Estados Unidos e da União Europeia, a nível do continente africano.

Em um mundo cada vez mais competitivo, com mercado global continuamente agressivo onde as economias pequenas sofrem repulsão, a isenção tarifária levada a cabo pelo governo Chinês seria um forte sentido de soft power chinês, para consolidar a sua imagem como um parceiro “igualitário” e “solidário”, mas que, na prática, visa garantir acesso privilegiado a recursos naturais estratégicos (como petróleo, minerais raros e metais preciosos) oriundo dos países afectos a tal medida.

Por outro lado, ao abrir os seus mercados de forma unilateral para produtos africanos, a China acaba por garantir um handcup no que toca os laços de dependência econômica com os países africanos, só que desta vez com um pano colorido de oportunidades mútuas mais vantajosas. Não é novidade que muitos países africanos já têm a China como seu principal credor e parceiro comercial. Essa medida acentua esse vínculo, ampliando a influência chinesa sobre políticas econômicas africanas.

Outro sim, tal medida também pode ser encarada como uma estratégia para intensificar o seu o campo de influência na logica da disputa pela hegemonia global. Num momento em que as tensões com os EUA e aliados ocidentais, o continente africano torna-se um espaço estratégico para garantir apoio diplomático, sobretudo em fóruns multilaterais como a das ONU.

Vale igualmente considerar e louvar o devido cálculo racional de custo-benefício feito pelo Governo Chinês ao conceber a ideia de que a maioria dos produtos africanos exportados para a China são matérias-primas com baixo valor agregado. Logo, a isenção tarifária não representa um grande sacrifício fiscal para a China, mas gera ganhos políticos expostos em cartazes.

PERSPECTIVA IDEALISTA

Agora, é importante olharmos essa manobra sobre um olhar idealista ou liberal, que enquanto teoria das Relações Internacionais, enfatiza a cooperação internacional, a interdependência econômica, o direito internacional e as instituições. Sobre este prisma, podemos de facto enxergar a medida da China como uma demonstração de solidariedade e compromisso com o desenvolvimento dos países africanos, tal foi assumido através da Declaração de Pequim (2000), que efectivou o Lançamento do FOCAC (Fórum de Cooperação China-África) que é o principal mecanismo multilateral de cooperação entre a China e os países africanos.

Nesta senda, a eliminação das tarifas pode se constituir numa medida crucial para corrigir parte das assimetrias comerciais que historicamente penalizaram os países africanos a nível do comércio global, afirmando-se cada vez mais com um parceiro ideal, racional e estratégico, pois, honra com os compromissos historicamente firmados. Ou seja, trata-se de um passo concreto na direção de uma ordem econômica internacional mais inclusiva, isto porque a China, os EUA bem como Rússia e a França, têm se mostrado nos últimos anos como os principais agentes responsáveis pelo remapeamento constante da ordem internacional.

Por outro lado, é preciso reconhecermos que o acesso facilitado ao mercado chinês pode estimular sectores produtivos locais africanos, como agricultura, têxteis, e indústrias alimentares. Isso pode contribuir significativamente para a diversificação as economias africanas, que actualmente se encontram dependentes da exportação de commodities.

A iniciativa também pode ser olhada como um exemplo de solidariedade entre países do Sul Global, buscando romper com a lógica tradicional do comércio dominado pelo Norte Global. E isto pode servir como um algodão que reforça o multilateralismo e o discurso da multipolaridade, defendido por fóruns como o BRICS.

A china ao favorecer as exportações africanas, pode acabar refletindo consequências como a geração de emprego, o aumento da renda rural e melhoria dos indicadores sociais nos países mais pobres, alinhando-se aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Portanto, apesar das possíveis externalidades positivas para a África, a decisão chinesa deve ser compreendida como um gesto que mescla cálculo estratégico (realista) com uma narrativa idealista. Em outras palavras, a China se utiliza de instrumentos econômicos para expandir sua influência política, revestindo sua ação com um discurso de “parceria de ganhos mútuos”.

Estamos diante de uma diplomacia econômica híbrida: em que por um lado temos uma retórica idealista, mas os interesses são de facto realistas. Essa combinação é típica da política externa chinesa contemporânea, que busca desafiar a hegemonia liberal-ocidental através de uma ordem multipolar, mas sem romper com os instrumentos clássicos de projeção de poder.

POR: Juvenal Quicassa, Especialista em Relações Internacionais

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