Com base no Artigo 78 do Código da Estrada e com vista ao cumprimento rigoroso do Decreto Presidencial que proíbe a circulação de veículos em mau estado técnico. Os automobilistas dizem desconhecer essa determinação mas afirmam que a vão acatar.
Depois de ficar durante quatro horas parado na estrada, o taxista João Caricoco reconhece que a falta de manutenção do carro é a principal causa da avaria no veio de transmissão da viatura. Entre a reparação da avaria, e sem incluir o reboque que espera debitar a um colega de estrada, Caricoco faz contas ao dinheiro perdido.
Àquela hora da manhã, cerca das 11h00, podia ter feito pelo menos três viagens de ida e volta, 9.600.00 kwanzas e, com os passsageiros que entram e saem a meio do caminho, tinha feito o dinheiro do patrão.
O taxista concorda que teve sorte pois ia devagar quando o veio se soltou. Se fosse a mais de 60 km-hora, as consequências podiam ter sido piores e talvez engrossasse as estatísticas de acidentes divulgadas semanalmente pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito da Polícia Nacional, que causam calafrios a João Caricoco.
Para Fernando Jorge, 19 anos, o que o preocupa não é a facturação do dia, mas a perda das aulas. Ia pela Avenida Deolinda Rodrigues, já perto do cemitério de Santa Ana, quando notou um barulho estranho no carro.
Uma fuga de óleo podia ter gripado a caixa de velocidades da viatura, comprado mais pela cor e pelo preço baixo do que pelo verdadeiro estado técnico do motor. Aflito, Fernando coloca no asfalto um triângulo desengonçado, a condizer com o seu velho meio de transporte, para sinalizar o veículo, enquanto pensa numa solução para a avaria.
A suar em bica, ouve a ladainha dos rapazes que o cercam, na maioria vendedores ambulantes, que se oferecem para guardar o carro a troco de uma compensação.
Se fossem mandados parar antes por um agente regulador de trânsito, tanto Caricoco quanto Fernando tinham, no mínimo, ouvido um “sermão” baseado no Artigo 78 do Código da Estrada que, como frisa o porta-voz da DNVT, Angelino Sarrote, é bem claro quanto à proibição da circulação de veículos a motor que emitam gases em demasia, derramem óleo ou quaisquer outras substâncias poluidoras.
Estes são alguns dos indícios a ter em conta pelos agentes de trânsito no terreno, uma orientação da DNTV com vista ao cumprimento rigoroso do Decreto Presidencial que proíbe a circulação de viaturas em mau estado técnico. Angelino Sarrote reconheceu que com o acatamento dessa medida por parte dos automobilistas vão reduzir os índices de sinistralidade rodoviária no país.
Medida desconhecida
Na estrada, a maioria dos automobilistas ouvidos pelo Jornal de Angola disseram desconhecer o Artigo 78 do Código da Estrada. Depois de elucidados, as opiniões abrem-se em leque: a ordem é bem-vinda, mas penaliza os menos dotados em termos financeiros que não conseguem adquirir carros novos. Faustino Maly disse que é preciso fiscalizar o estado técnico das viaturas porque “há muita sucata a circular” mas, enfatizou as palavras com um abrir de braços, “nem todos os cidadãos estão em condições de adquirir uma viatura nova, razão pela qual recorrem às de ocasião”.
“É compreensível a medida do Executivo mas vai prejudicar quem não tem possibilidades para ir a um stand de automóveis”, disse.
António Zamba refere que a Polícia deve começar por uma acção pedagógica e só depois autuar os automobilistas.
Rosa Gonçalves considera a medida como a única forma de eliminar a circulação do que considera “sucata”. “É importante que os órgãos de fiscalização actuem de acordo com as normas estabelecidas para não haver incompreensões”, aconselha Rosa Gonçalves.
Triciclos sem passageiros
Angelino Sarrote diz que, além das viaturas em mau estado técnico, a DNTV emitiu um instrutivo que orienta os órgãos de fiscalização a interpelarem e sensibilizarem os motociclos de três rodas a absterem-se de transportar passageiros.
A medida é uma reacção das autoridades ao elevado número de acidentes protagonizados ou que envolvem esse tipo de veículos, sobretudo nas zonas periféricas.
Os triciclos motorizados foram introduzidos pelos projectos de apoio a desmobilizados e deficientes de guerra. Os resultados imediatos levaram-nos à conquista do apelido carinhoso de “Avô Veio”, analogia da criançada com o momento de regresso desse parente amado, por norma de bolsos recheados de guloseimas.
Mas o “Avô Veio” foi tomado por netos jovens e adolescentes e passou a chamar-se “Kong Back”, do filme de Muay-thai que ainda tem fama nos bairros e, depois, como veículo de transporte misto de mercadorias e passageiros ganhou o sinistro nome de “Mata Peixeira”.
O porta-voz da DNTV disse que, em relação aos triciclos, os órgãos de fiscalização já começaram a actuar, mas o Jornal de Angola constatou que o transporte de passageiros se mantém em alguns bairros periféricos da capital.
Nas vias Combal-Gamek-Bananeira, Papa Simão-Mulenvos, Cacuaco-Vidrul, e Kikolo-Vidrul, os motociclos de três rodas continuam a transportar pessoas em cima das mercadorias, muitas vezes sob o olhar silencioso dos agentes da Polícia Nacional.
Adriano João, dono de um triciclo, procura escudar-se no desconhecimento da norma.
“Não sei de nada, porque esta medida não foi anunciada na Comunicação Social nem a associação a que pertenço foi notificada a esse respeito”, disse.
O motociclista defende uma maior divulgação da medida para não criar mal-estar nos colegas que têm nessa actividade o seu ganha-pão.
Antigo combatente e pai de seis rebentos, Adriano João disse pertencer a uma organização filantrópica por meio da qual adquiriu a motorizada para o serviço de mototáxi, reconhecendo ser importante regular e fiscalizar esse tipo de transporte, mas teme pelo seu próprio negócio e pela sobrevivência de muitas pessoas dependentes financeiramente do transporte de pessoas.
A palavra da associação
O presidente da Associação dos Motoqueiros de Angola (Amotrang), Bento Rafael, disse concordar com as instruções da Direcção Nacional de Viação e Trânsito e vai persuadir os seus associados a respeitarem o instrutivo.
Bento Rafael frisou que, embora o cumprimento dessa orientação crie dificuldades aos associados, é preciso respeitá-la. O problema maior, mencionou, está em convencer os donos das mercadorias, que insistem em acompanhar os pertences até ao destino. “A questão não é o motociclista mas a pessoa a quem pertence a carga”, sublinhou.
O presidente da Amotrang salientou a importância dos mototáxis como meio de transporte privilegiado e muitas vezes único na periferia das grandes cidades e no meio rural, “onde não existe sequer uma carrinha, nem mesmo uma bicicleta para acudir às pessoas necessitadas”.
Os mototáxis chegam a servir de ambulâncias, disse Bento Rafael, e a reportagem do Jornal de Angola presenciou o transporte de caixões e o funeral de uma criança.
Bento Rafael sublinhou que os associados vão enfrentar algumas dificuldades de compreensão e adaptação à medida de fiscalização, mas garante que vai “pressioná-los para que estejam do lado da Lei e cumpram à risca essa medida”.
O presidente da Amotrang espera dos agentes da Polícia Nacional “boa colaboração” e um pouco mais de compreensão porque, por exemplo, “os associados têm apoiado”, nos últimos meses, o programa do Executivo Papagro para a aquisição e comercialização de produtos agrícolas.
“Os motoqueiros vão até às lavras mas como a dona do produto tem dificuldade em mandar só o motoqueiro, prefere acompanhar a mercadoria e isso tem estado a criar problemas”, conclui Bento Rafael.
Para melhor esclarecimento do instrutivo da Direcção Nacional de Viação e Trânsito, a Amotrang tem realizado várias palestras semanais, sobretudo nos municípios de Cacuaco, Kilamba Kiaxi, Cazenga e Viana.
JA