O primeiro beijo gay da história da Televisão Pública de Angola (TPA) valeu “um acto de censura” que o canal tentou disfarçar com razões técnicas, ao suspender na segunda-feira a exibição da telenovela “Jikulumessu”. É o próprio Coréon Dú quem escreve com as letras todas no Facebook: “o acto de censura que o projecto sofreu pelo órgão que emite a telenovela”.
Na nota publicada no Facebook, o responsável pela produtora Semba Comunicação começou por agradecer aos fãs as mensagens de apoio e explicou que o pedido de desculpas que empresa fez ontem serve para garantir a continuidade do projecto.
“Evidentemente que fiquei entristecido pela forma como foi cometido o acto de censura que o projecto sofreu pelo órgão que emite a telenovela, independentemente da sua eventual motivação. Por este motivo humildemente deixamos a nossa abertura como produtora da novela para fazer correcções na representação de alguns conteúdos mais sensíveis para assegurar que a abordagem dos mesmos em ‘Jikulumessu’ mantém o valor pedagógico inicialmente pretendido”, escreveu Coréon Dú.
O responsável adianta também que continua a aguardar uma resposta sobre a possibilidade de “Jikulumessu” voltar a ser exibida.
“Fico muito feliz em saber que muitos de vocês apoiam o projecto e tal como todo o elenco e equipa de produção da telenovela aguardamos pela possibilidade do mesmo voltar ao ar”, lê-se.
O comunicado de Coréon Dú surge um dia depois de a Semba Comunicação ter anunciado que a história da novela será modificada.
Após o beijo gay, emitido no último dia 28, a novela causou intensas discussões nas redes sociais, a favor e contra a representação do afecto entre dois homens. Na trama, Pedro Hossi interpreta um homem casado e com dois filhos que se envolve com um jovem solteiro, interpretado por Lialzio Almeida. Na segunda-feira à noite, o público foi avisado durante o Telejornal da TPA que a novela estava suspensa por problemas técnicos.
Em declarações ao Rede Angola, o actor Orlando Sérgio, que interpreta José Loca na novela, disse que “em qualquer país um beijo gay criaria problemas”.
“É preciso saber que não podemos ser retrógrados. Gostaria de lembrar que há gays que têm empresas, ganharam o concurso de carnaval, há uma vedeta gay – a Titica. Parece-me tudo um bocado associado à ignorância. Não era necessário chegar a tanto”, declarou o actor sobre a suspensão de “Jikulumessu”.
Orlando Sérgio sublinha ainda que esta repercussão vai criar mais audiência. “Acredito que agora a novela será mais vista do que nunca”, afirmou.
Já Joel Benoliel, o intérprete de Celso Capita, não quis se pronunciar. “Sou actor. Pagam-me para decorar o texto. Não tenho qualquer opinião sobre este assunto”, disse ao Rede Angola.
Paulo Pascoal também reagiu à polémica. Numa nota publicada no Facebook, o actor começa por esclarecer que não faz parte da novela, como pensam algumas pessoas, e logo diz que foi “apanhado de surpresa” com a decisão da TPA.
“Quero responder às perguntas no diz respeito a esta recente celeuma beijo gay ‘Jikulumessu’ que não sou o ‘roteirista’ e que não vou fazer parte da novela como actor. Infelizmente, devido a conflitos com compromissos prévios, não pude deslocar-me a Angola para participar no projecto. Como angolano e gay obviamente fui apanhado de surpresa com a suspensão da novela. Acho que algumas das abordagens ao tema são válidas, ainda bem que estão a acontecer, e sugiro que sejam feitas com seriedade e não de forma tendenciosa. Acredito na tolerância à diversidade do povo angolano e pude constatar isso no ano passado quando se fez notícia o facto de me ter assumido gay publicamente”, lê-se.
Paulo Pascoal argumenta que “há que realçar o valor pedagógico da produção da Semba Comunicação sobre as diferentes vertentes da sociedade angolana e não esquecer que o que para uns foi um acto abominável para muitos outros é um reconhecimento de igualdade, de esperança, de não ter que viver com medo de ser o que é, sempre foi e sempre será.”
Repercussão na imprensa internacional
O caso ganhou repercussão internacional, tendo sido mencionado na BBC, no site da rádio Starr FM, no site russo Gazeta e no Propagandista Social. Todas as matérias mencionam o pedido de desculpas da produtora Semba Comunicação por ter exibido a cena.
Falando sobre o CEO da Semba Comunicação, a BBC escreve: “José Eduardo Paulino dos Santos, um artista conhecido pelo nome Coréon Dú, tem sido acusado de promover a homossexualidade em Angola, onde muitas pessoas mantêm valores religiosos e sociais”, lê-se.
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