Ricardo Salgado revelou hoje na comissão de inquérito parlamentar ao caso BES que se foi apercebendo de que as coisas não estavam a correr bem em Angola devido a relatos que lhe iam chegando, mas que só após a saída de Álvaro Sobrinho da liderança executiva do BES Angola (BESA) é que foi possível perceber a dimensão do problema.
Segundo o antigo banqueiro, é a nova comissão executiva do BESA, que foi preparada por Amílcar Morais Pires, antigo administrador financeiro do BES e o `braço-direito` de Salgado, que "ao fim de algum tempo consegue perceber o que se passa".
E realçou: "Era uma situação pavorosa e que ultrapassa tudo e todos".
Salgado considerou que a gestão de Sobrinho "foi um verdadeiro desastre" e foi isso que levou o BES "a ir pedir apoio ao Presidente" angolano, José Eduardo dos Santos, que aceitou dar a garantia estatal sobre 3,3 mil milhões de euros devido "à consideração que tinha pelo Grupo Espírito Santo (GES)".
E por considerar que o BES é "um banco essencial para o desenvolvimento de Angola", acrescentou.
Questionado sobre a dimensão da exposição do BES ao BESA, que ascendia a 3,3 mil milhões de euros, Salgado sublinhou que "o BES era um banco que apoiava muitíssimo toda a área das exportações".
O responsável assinalou que "houve um aumento significativo das exportações portuguesas nos últimos anos, mas não para os países do centro da Europa, mas sim para os países emergentes" e que "essa foi a grande força dada pelo BES às PME" (pequenas e médias empresas) portuguesas.
"Angola hoje representa uma quota de mercado nas exportações portuguesas superior aos Estados Unidos (EUA) e acredito que também ao Reino Unido", disse.
E no financiamento às empresas na base desse crescimento de "Angola, principalmente, e também Moçambique, o grande ator foi o BES", sublinhou Ricardo Salgado.
"Esses 3 biliões de euros têm a ver com o apoio ao BESA, com garantia estatal, mas também a empresários portugueses e angolanos nesse país", justificou.
"Nunca tivemos nenhuma dúvida da devolução desses montantes, devido à existência da garantia do senhor Presidente da República de Angola", garantiu Ricardo Salgado.
E vincou: "De facto, se não tivesse havido um enorme problema em Angola, por que razão haveria uma garantia da dimensão que houve com a assinatura do senhor Presidente da República" angolano.
Salgado relatou que o BES abriu a sua operação em Angola já no início deste século.
"O dr. Álvaro Sobrinho viveu em Portugal e trabalhou no BES 10 anos, onde prestou serviços de uma forma impecável. Uma vez que tinha tido uma formação aprofundada no BES, foi preparado com todos os procedimentos e exigências de boa gestão da atividade bancária" para liderar o BESA, realçou o responsável.
"Assim foi, durante os primeiros anos. A partir de uma certa altura, o que aconteceu foi o seguinte: começámos a ter em Lisboa informações estranhas (a partir de meados da década). Os clientes queixavam-se de que não eram recebidos pela administração do banco", revelou.
Salgado apontou para o forte "crescimento do crédito, elevando os rácios de transformação", e diz que se chegou "a uma altura em que, infelizmente, o BNA [Banco Nacional de Angola] estabelece uma ordenação na qual os bancos angolanos têm que ter total independência informática do exterior".
Daí, o BES teve "que cortar a aplicação informática e dar autonomia a Angola", justificou, precisando que tal aconteceu a partir de 2009 e que foi uma condição "imposta pelo BNA".
E reforçou: "Acontece que começámos a ficar preocupados à medida que o tempo ia avançando, vendo rácios de transformação a crescer. Começam a sair notícias, mas recebemos uma análise do `stress test` do BNA em 2012 que revela que o BESA está com rácios confortáveis de solidez".
O antigo banqueiro recordou uma notícia do jornal Público com uma referência "que o BESA estava com dificuldades de liquidez", mas salientou que, em reação, o "BNA escreve uma carta a dizer que está tudo bem".
O BES tinha "administradores em Angola mas não nos informavam de nada", garantiu Salgado.
Isto, porque "quem violar o segredo bancário em Angola pode ser preso. É considerado crime", frisou.
"Quando contactei com os nossos sócios angolanos que vieram a Lisboa, contaram-me que a reunião de Álvaro Sobrinho com o BNA tinha corrido muito mal. Os nossos sócios angolanos sugeriam a substituição do Dr. Álvaro Sobrinho, o que veio a acontecer nos finais de 2011, inícios de 2012", explicou.
Salgado disse ainda que, após a saída de Álvaro Sobrinho do BESA, o gestor angolano adquiriu participações de controlo em órgãos de imprensa (Sol e jornal i).
"Chamei-o para lhe dizer que isso era completamente fora das regras do GES. O GES nunca teve investimentos nos media, com duas exceções", afirmou, apontando para o apoio temporário concedido a Pinto Balsemão no lançamento da SIC e na privatização do Diário de Notícias.
"Fizemos sempre questão de não termos participações nos media e o dr. Álvaro Sobrinho violou essas indicações. Depois da sua saída, ele começou a bombardear-nos com notícias", acusou.
LUSA