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Domingo, 09 Novembro 2025 18:40

"A independência começou com ambições étnico-regionais" - Marcolino Moco

“Antes de Angola existir, havia povos”, recorda Marcolino Moco. Cinquenta anos após a independência, o antigo primeiro-ministro angolano defende que os movimentos de libertação nasceram de matrizes étnico-regionais: FNLA, MPLA e UNITA - e que essas origens ainda marcam o país.

Para Marcolino Moco só reconhecendo essa verdade histórica vai ser possível reconciliar Angola consigo própria e cumprir o ideal da verdadeira independência.

A 11 de novembro de 1975, Agostinho Neto proclamava, em Luanda, a independência de Angola. Meio século depois, o país celebra 50 anos de soberania, mas também reflete sobre as marcas deixadas por um processo histórico complexo.

Para Marcolino Moco, antigo primeiro-ministro e antigo secretário-geral do MPLA, é impossível compreender Angola sem regressar às suas origens étnicas e às narrativas que moldaram a luta pela libertação. “Quando os portugueses cá chegaram, não havia Angola”, afirma. “Havia povos: os ambundos, os quimbundos, os bakongo com as suas línguas, culturas e formas próprias de organização. Angola começou a ser construída com a presença colonial portuguesa.”

Marcolino Moco cresceu nos anos 50 no Huambo, no centro do país, numa sociedade ainda marcada pela estrutura tradicional africana e pelo domínio colonial. “Sou de uma sociedade tradicional que começava a ter os primeiros contactos com o mundo colonial. Ainda se sentiam as reminiscências das guerras de resistência”, recorda.

Mas a forma como essa história foi contada, diz, é muitas vezes simplista e politicamente conveniente. “A nossa narrativa histórica está errada. Costuma-se dizer que os europeus colonizaram Angola, castigaram e depois nós libertámo-nos. Mas a verdade é que, quando eles chegaram, encontraram vários povos. Nós, os angolanos, enquanto identidade nacional, começámos a ser formados a partir dessa presença.”

É uma perspectiva que Marcolino Moco assume com franqueza, mesmo sabendo que levanta desconfortos políticos: “Quem faz o discurso são os políticos. E cada um formula o seu discurso de modo a que toda Angola acredite que serve toda Angola.”

No seu olhar, a independência angolana foi sonhada a partir de realidades diferentes, muitas vezes regionais. “Pensamos que os movimentos de libertação, MPLA, FNLA e UNITA, nasceram com o mesmo ideal, mas isso não é verdade. Os sonhos não eram os mesmos. Eram sonhos étnico-regionais.”

Marcolino Moco explica com detalhe que a “FNLA, que nasceu como União das Populações do Norte de Angola (UPNA), representava essencialmente os povos bacongo. O MPLA emergiu do centro, entre os quimbundos, mais aculturados e mestiçados. A UNITA, mais tarde, nasceu no planalto central, enraizada nos ovimbundos.”

Segundo o antigo primeiro-ministro, “todos invocavam Angola, mas cada um partia da sua matriz étnico-regional”. E é precisamente isso, defende, que ajuda a compreender as tensões políticas e sociais que o país ainda vive: “As dificuldades que temos até hoje vêm dessa origem. A independência foi proclamada por três movimentos que nunca representaram a totalidade da nação.”

11 de Novembro de 1975: MPLA, FNLA e UNITA declaram governos próprios

A 11 de novembro de 1975, enquanto o MPLA proclamava a independência em Luanda, também a FNLA e a UNITA o faziam nas regiões que controlavam. “Foram proclamadas três independências”, recorda Marcolino Moco. “Eu estava no Huambo, na altura bastião da UNITA, mas era militante do MPLA. O cartão da UNITA era o bilhete de identidade. Como não o tinha, fui preso várias vezes, até ser libertado graças à influência do meu pai.”

Essas vivências pessoais ilustram o que o antigo governante chama de “a fragmentação original da nação”: “A verdade é que, logo após o 25 de Abril, cada movimento se instalou na sua região. O MPLA em Luanda, a FNLA no norte, a UNITA no planalto central. As outras etnias não tinham massa crítica nem elites suficientes para criar o seu próprio movimento.”

Para Marcolino Moco, as divisões internas foram agravadas por factores externos: “O papel das potências estrangeiras foi perturbador. A União Soviética queria acelerar as independências para ter aliados no sistema internacional. Assim se passou por cima do artigo 73 da Carta das Nações Unidas, que previa uma transição com preparação das elites locais.”

A pressa, diz, custou caro: “Não houve tempo para preparar instituições, nem elites capazes de gerir Estados modernos criados artificialmente a partir das fronteiras coloniais. O resultado foi um país em guerra e sem base sólida de reconciliação.”

Os Estados Unidos e outras potências ocidentais também não escapam à crítica: “O Ocidente foi renitente em reconhecer Angola porque via uma independência unilateral, fora do Acordo de Alvor. Mas esse acordo era irrealista, esperava eleições entre estruturas que não eram partidos políticos, mas organizações étnico-regionais com interesses incompatíveis.”

“Nos últimos 50 anos, Angola teve três presidentes, todos do mesmo partido e da mesma matriz étnico-cultural, [mbundu]. Isso mostra como a independência, tal como foi construída, não quebrou o ciclo da concentração de poder" e critica, sem amargura, a cultura política instalada: “Em Angola criou-se a ideia de que perder eleições é um pecado. Isso é incompatível com a democracia. A alternância é essencial para que um país funcione normalmente.”

Apesar das críticas, o antigo dirigente não fala com ressentimento, concluindo que “não se trata de voltar atrás, de dividir o país em etnias antigas ou reinos antigos. Falo de verdade histórica. Só reconhecendo as nossas origens poderemos reconciliar Angola consigo própria e reparar os erros cometidos.” RFI

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