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Segunda, 14 Julho 2025 20:34

O jogo da elite no MPLA

Nos últimos dias, começaram a aparecer sinais claros de que dentro do MPLA já se está a desenhar o futuro da liderança. Mas não com anúncios oficiais ou discursos bombásticos. Está a ser feito como quase tudo no partido: com silêncio, recados simbólicos e muito jogo de bastidores.

Três nomes ganharam destaque nesse movimento: Higino Carneiro e Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó) e Carlos Feijó.

Cada um tem o seu peso, o seu estilo e os seus aliados. Mas o que realmente está a acontecer? Quem quer o quê? E o que isso nos diz sobre o momento atual do partido? 

Feijó: o jurista que quer lembrar que “estava lá desde o início”

Carlos Feijó apareceu recentemente ao lado do ex-vice presidente Bornito de Sousa, falando sobre a Constituição de 2010 e contando que tudo foi pensado para garantir a sucessão de José Eduardo dos Santos (JES).Para quem acompanha política, isto é tudo menos um detalhe. É uma maneira de dizer: “Eu estava lá. Eu ajudei a montar o sistema.”Feijó quer que as pessoas – especialmente dentro do MPLA – o vejam como alguém que conhece as engrenagens do poder como poucos.

Um jurista respeitado, um cérebro por trás da estrutura. Isso pode não emocionar as massas, mas tem peso entre os quadros mais técnicos e nas elites.

A história do empréstimo a Portugal: mais do que memória, uma jogadaEm julho deste ano, Feijó deu uma palestra em Lisboa e contou como Angola, discretamente, ajudou Portugal durante a crise da Troika (2011–2014). Pode parecer só uma história de bastidor, mas a verdade é que essa lembrança serve para mostrar que ele não é só um homem de leis — é também um homem de Estado, com visão económica e prestígio internacional.

Num tempo em que Angola ainda tenta recuperar a confiança dos mercados e dos parceiros externos, essa imagem de “homem que entende o mundo” pode ser útil.

Nandó: “velho” conhecido, possível carta de equilíbrioO nome de Nandó voltou a circular, desta vez como possível candidato de transição, talvez com Feijó como conselheiro. Há quem diga que é só especulação, para ver como as pessoas reagem. Mas também há quem acredite que há, sim, conversas sérias a acontecer. 

Nandó é um nome seguro. Já foi quase tudo na política angolana – até Presidente interino. Não causa grandes resistências, mas também não empolga. Serve bem como figura de equilíbrio, se o objetivo for evitar choques internos.

Higino Carneiro: o que está a fazer mais barulho

De todos os nomes em jogo, Higino Carneiro é o que mais tem aparecido com intenção clara. Falou em público, lançou vídeos, apareceu com discurso forte e direto. E isso, num partido como o MPLA, é quase uma raridade.

HC traz consigo uma imagem de quem conhece o terreno. Foi militar, governador, Ministro – e é visto por muitos como alguém que resolve, não só promete. Tem também apoio entre as estruturas mais antigas do partido, aquelas que ainda têm muito poder de influência.Estarão a jogar juntos?

Pode parecer estranho, mas a verdade é que esses três nomes podem estar a conversar. Feijó com a sua autoridade técnica, HC com a sua força de campo, e Nandó como peça de ligação entre as gerações do partido. Se não for uma aliança formal, pode ser, pelo menos, um alinhamento de interesses: evitar que a sucessão crie divisões perigosas dentro do MPLA. 

Esse tipo de costura política não é novidade. O partido sempre funcionou melhor nos bastidores do que no palco.

E agora?

O que está a acontecer agora é um ensaio. Não há candidaturas assumidas (fora HC), mas há movimentações visíveis. Declarações públicas que parecem inocentes, mas carregadas de mensagem. Aparições cuidadosamente escolhidas. Reuniões discretas.

A disputa pela liderança do MPLA está a ser preparada em silêncio, mas com sinais claros para quem sabe ler. E, até agora, Higino Carneiro parece estar na frente – não só porque falou mais cedo, mas porque tem uma base mais orgânica dentro do partido. 

Feijó tem prestígio e cabeça fria. Nandó tem experiência e peso institucional. Mas HC tem estrutura e está no terreno. E isso, em política, pode fazer toda a diferença. 

*Jornalista

Rui Kandove

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