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Quarta, 06 Mai 2020 17:00

O Sentido e alcance do gozo de Imunidades. A Polémica entre CSMJ vs. Polícia Nacional

A propósito da polémica sobre a interpretação e aplicação da lei (disposições da CRA) entre a Polícia Nacional (PN) e o Conselho Superior da Magistratura Judicial (doravante CSMJ), decorrente da ordem de retenção e retorno a procedência dada ao Dr. Januário Catengo em Benguela em plena vigência do Estado de Emergência, quando este tentava o regresso ao Namibe vindo de Luanda onde terá permanecido alguns dias por razões pessoais (autorizadas).

Dos Factos e do Direito:

Ora, no entender da PN, passo a citar, “ a competência jurisdicional do Dr. Januário não foi colocada em causa. Pois, segundo a PN, ele é  juiz da Comarca do Namibe e a sua jurisdição é específica ao Namibe. Não há nenhuma justificação para fazer o trajecto Luanda-Namibe visto que a imunidade não confere legitimidade para  cometimento de crimes ou infracções e violação de normas. 

Na opinião da PN, qualquer uma das secções da Constituição da República que dispõe sobre as imunidades não  confere legitimidade ao seu titular para fazer o que bem entende. Estabelece apenas que este não pode ser detido ou preso em flagrante delito por crimes cuja pena seja inferior a dois anos (prisão correccional) ou para aqueles crimes cuja pena é superior a dois anos”.

O CSMJ  esclarece, no entanto, que “o Magistrado Judicial Januário Linda Catengo, ao pretender deslocar-se à província do Namibe, nada mais fez senão cumprir cabalmente com as determinações da Constituição da República, do Decreto Presidencial n.º 120/20, de 24 de Abril que prorroga o Estado de Emergência, assim como as Resoluções do Conselho Superior da Magistratura Judicial de 16 de Abril e 25 de Março de 2020.

O CSMJ sublinha que a Constituição da República é clara ao anunciar, através da alínea b) do n.º 5 do artigo 58.º que, em caso algum o Estado de Emergência pode afectar os direitos e imunidades dos membros dos órgãos de soberania.


O Decreto Presidencial n.º 120/20, de 24 de Abril que prorroga o Estado de Emergência autoriza a deslocação do Magistrado, considerando que à interdição de circulação exeptuam-se, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º, alíneas b) prestação de serviços autorizados a funcionar; d) o exercício de actividade laboral para os cidadãos com vínculo laboral com instituições em funcionamento durante o período de vigência do Estado de Emergência” fim de citação.

Quem tem razão?

Sentido e Alcance do Gozo de Imunidades

Cingiremos a nossa breve e imparcial análise aos factos acima oferecidos subsumindo-os a lei e a doutrina. Comecemos por questionar o que são imunidades? De acordo com André Leite – imunidades são prerrogativas e direitos funcionalizados e nunca direitos subjectivos. Existem se e na medida em que se revelem essenciais para que, no caso, os juízes mantenham a independência, inamovibilidade e irresponsabilidade que os caracterizam. Nunca para benefício próprio, mas porque só assim existe um verdadeiro poder judicial livre de intromissões dos demais no quadro de um Estado de Direito.

Com esta definição, entendemos que as imunidades só se aplicam enquanto o seu titular exerce as funções para as quais tais imunidades lhe foram atribuidas e não para tratar de assuntos pessoais. Está aqui fixado o sentido da atribuição de imunidades funcionais.

Agora, qual é o seu alcance? No seu pronunciamento, a PN afirma não ter posto em causa a competência jurisdicional do Dr. Januário, sustentando que a mesma circunscreve-se a Província do Namibe. Ora, o que é uma competência jurisdicional e qual é o seu alcance?

No respeitante às atribuições dos Juizes, a competência jurisdicional obedece a pelo menos 2  critérios: a) critério objectivo – competência em razão do valor da causa e da matéria e b) territorial - competência em função do domicílio das partes, bem como pela situação da coisa imóvel e do lugar dos actos ou factos (sem desprimor a competência funcional).

Lembro-me, enquanto Advogado, ter presenciado situações em que o Juiz interrompeu a sessão de julgamento  convidando as partes para com ele deslocarem-se ao local da ocorrência dos factos. Portanto, compete também ao Juiz efectuar as diligências necessárias para o apuramento da verdade material in situ. Pode dar-se o caso de haver necessidade de levar este serviço além da sua área de jurisdição, concertando ou não com os seus pares. Será que ao sair da sua zona de jurisdição ele perde as imunidades? Não. Mas, atenção: só estará protegido por elas enquanto estiver no exercício das suas funções.

A meu ver, o que está aqui em causa não é tanto a questão de saber se o Meritíssimo goza ou não de imunidades em situação de Estado de Emergência, pois temos como certo que sim, mas nos termos acima referidos. Também estamos a par do que dispõe a nossa Constituição nos termos  da alínea b) do n.º 5 do artigo 58.º relativamente as imunidades.

O que está em causa é a questão de saber se nas circunstâncias em que foi interpelado, e, considerando as razões que motivaram a viagem, vale invocar as prerrogativas conferidas pela CRA para o exercício das suas funções como Juiz.

Assim, a questão que aqui deixo para a nossa reflexão é a seguinte: será que ao deslocar-se a Luanda o Meritíssimo Juiz de Direito Dr. Januário Catengo encontrava-se no exercício das suas funções?

Simão Pedro

Jurista

Doutorando em  Direito Internacional

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