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Segunda, 21 Mai 2018 11:11

O país de improviso e da governação sem projecto

Tenho estado insistentemente a defender a tese de que, como Estado soberano e independente, Angola tem sido governada de improviso. Nenhum dos movimentos de libertação chegou a 11 de Novembro de 1975 munido com um Projecto Político-Filosófico de Nação (PPFN).

Por Nuno Álvaro Dala

O programa de governo da FNLA não era Projecto Político-Filosófico de Nação.

O Programa Maior do MPLA não era um Projecto Político-Filosófico de Nação.

O Projecto do Muangai (que nome pomposo) da UNITA não era um Projecto Político-Filosófico de Nação.

O que os movimentos tinham como pretensos projectos não passavam de cadernos de intenções e com linhas de actuação política a seguir caso tomassem o poder. Nenhum movimento tinha um PPFN.

Angola tem sido governada de improviso desde 11 de Novembro de 1975. Os Angolanos têm sido vítimas da governação do improviso.

Transcorridos 42 anos, o caos político, económico, social e cultural demonstra claramente que o MPLA levou a cabo uma luta libertária e independentista sem projecto. Tomou o poder e, sem um Projecto Político-Filosófico de Nação, não conseguiu sequer lançar as bases para a construção de um Estado social e muito menos para a construção do Estado-nação. Antes, pelo contrário, depois da falida economia planificada que vigorou de 1975 a 1992, surgiu uma alegada economia de mercado que, com tempo se revelou num mecanismo caótico através do qual, tendo sido soado o apito ao saque desenfreado, o grupo de chico-espertos que controla o Estado (desde 1975) deu início a um processo de acumulação primitiva do capital, suja selvajaria assumiu contornos violentíssimos especialmente a partir de 2002, de tal sorte que, 15 anos depois da conquista da Paz (em 2017), os cofres do Estado estavam exauridos. Biliões de dólares foram saqueados.

Entretanto, em finais de 2017, o novo Presidente da República (cuja eleição fraudulenta acabou esquecida por um Povo desesperado e encantado com a sua cruzada de operações de charme e promessas) anunciou que seria levado a acabo um processo de repatriamento do capital saqueado (e expatriado pelos chico-espertos de sempre). Os Angolanos, especialmente os milhões de descamisados que viram a sua miséria aumentar exponencialmente com a crise, quase saíram à rua para saudar aquele prometia ser o salvador, aquele que tiraria Angola do estado de marasmo em que se encontra. Então, foi apresentada a proposta de lei que regularia o processo de retorno dos biliões saqueados (o Banco Nacional de Angola disse que Angola sofreu um saque de cerca de 60.000.000.000,00 [sessenta mil milhões] de dólares. Mas, de acordo com estudos efectuados por certas organizações, o valor surrupiado ao longo de décadas vai de 500.000.000.000,00 [quinhentos mil milhões] a 800.000.000.000,00 [oitocentos mil milhões] de kwanzas, ou seja, de meio trilhão a quase um trilhão de dólares...).
Avisados, porém, pelo carácter perigoso de um projecto de lei que visava proteger os grandes gatunos de Angola, um grupo de cidadãos (eu incluído) deu inicio a uma série de iniciativas, ora de debates, ora de protestos de rua, as quais levaram a Assembleia Nacional a abrandar a sua discussão. Durante 2 meses, os cidadãos creram que as contribuições da «sociedade civil» seriam tidas e achadas, pelo que, o projecto de lei exigiria que os grandes gatunos devolvessem ao Estado – pelo menos – parte substancial do capital.

Ledo engano.

O projecto de lei do repatriamento de capitais (designação simples) acabou sendo aprovado na sua versão original: os biliões repatriados voluntariamente continuarão em poder dos grandes gatunos e serão amnistiados.

Mais uma vez, como sempre, ficou claro que o pequeno grupo que detém o poder em Angola não tem o interesse nacional como centro das suas preocupações.

Os grandes gatunos estão perdoados e legitimados. 
Neste sentido, aqueles que tiverem repatriado o capital, acabarão criando novas máquinas de monopólio, que darão ao grupo um poder económico extraordinariamente asfixiante. 
Basicamente, com esta operação, João Lourenço, terá conseguido agradar aqueles que o têm estado a apoiar para ter controlo do partido (presidência), pois os mesmos são também os grandes gatunos que não desejariam jamais ser alvos de acções de desapropriação, sendo o capital saqueado devolvido ao Estado (mesmo que que não a 100%) e terá conseguido (eventualmente) liquidez para pôr fim à crise, numa altura em que, por outro lado, o preço do barril de petróleo arfa quase que inexoravelmente para o valor de 100 dólares.

O alto preço que João Lourenço paga pelo reforço do seu poder partidário-presidencial é a manutenção do capital saqueado nas mãos dos grandes gatunos e o seu perdão como bónus (porque estes grandes gatunos são também as peças fundamentais do seu xadrez político para tomar a presidência do MPLA, logo João Lourenço não lhes retiraria as fortunas obtidas mediante o saque).

Entrementes, o desafogamento da economia nacional viabilizado pelo repatriamento de biliões de dólares (os grandes gatunos vão repatriar o capital, pois tudo foi bem negociado no seio do núcleo central do grupo hegemónico e estão assegurados tanto política quanto juridicamente) e pela subida do preço do barril de petróleo para níveis anteriores à crise, acabará, porém, por – mais uma vez – postergar o propalado e necessário processo de diversificação da economia. Sim, o fim da crise, que está à vista, deixará o Governo acomodado e a diversificação da economia ficará engavetada.

Evidentemente, João Lourenço manterá a governação do improviso. O caos político-administrativo vai continuar por mais tempo (anos, na verdade), pois a corrupção, o tráfico de influências, o nepotismo e outros males não são resolúveis a curto prazo, especialmente num país como Angola, que nunca foi governado à luz de um Projecto Político-Filosófico de Nação, cujo caos político, económico, social e cultural também beneficia os partidos alegadamente na oposição (os quais são cúmplices do MPLA. Este finge que governa e aqueles fingem que fazem oposição, cujos líderes padecem dos mesmos vícios e falácias politiqueiras que os do MPLA/Governo).

Entrementes, aos Angolanos comprometidos com a mudança convém recorrer a todos os mecanismos possíveis para pressionar e obrigar (sim, obrigar, porque não será com beijinhos que ele vai levar uma governação séria) João Lourenço a cumprir com as suas promessas. E isto deve ser feito a todos os níveis. Não deixar dormir os administradores distritais, não deixar dormir os administradores municipais e não deixar dormir os governadores provinciais (como já está a ocorrer em Luanda e vai ocorrer em outras províncias), anunciando um novo tempo, em que sair à rua já não é coisa dos revús (muitos dos quais carregam sinais no corpo das muitas agressões sofridas ao longo dos «anos solitários», em que eram praticamente os únicos a exigir reformas nas ruas).

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