A 7.ª Cimeira União Africana–União Europeia terminou hoje, em Luanda, com promessas de paz, prosperidade e multilateralismo.
À margem do discurso oficial, porém, três organizações angolanas — o Grupo de Trabalho de Monitoria dos Direitos Humanos, a OMUNGA e a AJPD — acusam a União Europeia de ter afastado da agenda principal os direitos humanos, a democracia e a boa governação, para privilegiar energia, minerais e grandes projetos económicos. Angola, lembram as organizações, é um país onde a pobreza persiste e continuam as denúncias de repressão.
"Europa tira direitos humanos da agenda"
O lema oficial desta cimeira foi "Promover a paz e a prosperidade através de um multilateralismo efetivo". Na agenda formal estiveram investimento, transição energética, comércio, segurança e corredores logísticos como o do Lobito. Mas, para várias organizações da sociedade civil angolana, os temas considerados centrais para a vida dos cidadãos ficaram fora do encontro principal.
Guilherme Neves, do Grupo de Trabalho de Monitoria dos Direitos Humanos, plataforma que congrega mais de vinte organizações em Angola, diz que a ausência de debates claros sobre direitos humanos era previsível e decifra uma mudança de prioridades europeias.
"A Europa começa a tirar da agenda as questões fundamentais. Está mais preocupada em conquistar acesso aos recursos naturais que a África possui e não está a se importar com a dignidade humana", afirma.
Neves sustenta ainda que a parceria continua desequilibrada, com África em posição fragilizada e dependente, enquanto a Europa retira maiores vantagens políticas e económicas do relacionamento.
"Violações todos os dias”
Críticas semelhantes vêm da OMUNGA. O coordenador da organização, João Malavindele, afirma que não faz sentido falar de paz e cooperação ignorando o que classifica como abusos constantes de direitos humanos em Angola.
"As questões dos direitos humanos não foram postas à mesa", critica. "Há violações dos direitos humanos todos os dias e a comunidade internacional pouco ou nada diz."
Malavindele considera que a cimeira falhou no essencial. Para o ativista, era indispensável discutir as denúncias recorrentes de repressão de protestos, limitações às liberdades e níveis persistentes de pobreza e fome.
"Hoje, em Angola, ainda temos presos por consciência, pessoas que saem à rua para se manifestar são reprimidas, e continuamos com problemas básicos como a fome", diz.
Carta aberta e alerta sobre democracia
A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) reforçou essa denúncia numa carta aberta divulgada por ocasião da cimeira. O documento denuncia violações sistemáticas de direitos humanos em Angola, incluindo repressão de manifestações, detenções de ativistas e alegada instrumentalização do sistema judicial.
Em entrevista à DW África, Serra Bango, presidente da AJPD, acusa a União Europeia de relativizar essas denúncias para tentar recuperar influência económica perdida para a China e garantir espaço numa nova corrida global por recursos naturais e rotas estratégicas.
"A prioridade da União Europeia é económica, não é meramente política. Neste momento, a União Europeia está a correr atrás dos prejuízos. Perceberam que os direitos humanos e a transparência não facilitam a negociação e enveredaram para uma estratégia meramente económica", afirma.
Bango alerta que a consequência desse caminho pode ser o enfraquecimento das democracias africanas, incluindo em Angola, ao normalizar relações internacionais baseadas apenas em interesses económicos.
"Não vamos ter democracia liberal. Vamos ter democracias formais, autoritárias", antevê.
A cimeira União Africana–União Europeia terminou com uma declaração conjunta e novos compromissos de cooperação até 2030. Para as organizações ouvidas, porém, o impacto real desta parceria será medido menos pelos comunicados finais e mais pela disposição europeia de colocar direitos humanos e dignidade no centro da relação com Angola e com o continente. DW Africa

