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Quarta, 07 Março 2018 11:32

A curva do sucesso e a ascensão dos factores da decepção

Direi que a política dos 100 dias de João Lourenço, para lá das funções ordinárias de exonerações e nomeações com o fito de criar uma equipa, teve como impacto a definição de novas políticas e atitudes éticas que mantêm os seus níveis de aceitação bem altos, apesar de nos faltarem sondagens.

Por Adriano Botelho de Vasconcelos

Mas ao fortalecer agora com o seu mergulho ao real, um conjunto de decisões políticas que pretendem superar a natureza da crise, entram em jogo os fatores decetivos que têm elementos subjetivos como objetivos, um epicentro que gerará novas apreciações sobre as suas capacidades de timoneiro, apesar de o ambiente político à sua volta não ser o melhor, já que sempre vivemos na unicidade do poder.

O desafio dos políticos de hoje está em estes saberem que os cidadãos agora têm uma maior perceção de que devem agir para mudar os paradigmas da governação, e acreditarem que todo o potencial adormecido do país pode proporcionar-lhes um amanhã mais radioso. Apesar de termos um número elevado de abstenção, vazio que empobrece os processos eleitorais por ficarem por se expressar um grande número de cidadãos, e, mesmo sem uma forte participação cívica, tem vingado a ideia de uma visão decetiva sobre como a política e seus atores não conseguiram alterar as suas vidas. É vertiginoso o impulso dos consumismos que alimentam essa sensação sociológica. Não raras vezes, olhamos para os vizinhos, seu poder de compra, e, desiludidos, ficamos por não conhecer o que se designa de magia da fórmula do sucesso. Todos os dias os cidadãos vivem de comparações, querem viver o deleite cultural, o deleite de uma boa economia, o das viagens, querem uma maior proteção de saúde que lhes permita sentirem que o mundo deva ser igual na qualidade de vida que evite as suas falências físicas. Os cidadãos têm justificados receios de uma degeneração da democracia, entendem que essas perdas colocariam em risco esses desejos baseados no consumismo no que nunca tiveram e já fazem juras republicanas em tudo fazerem para que possam ter esse modo de vida mais pluralista.

O que me é permitido observar e entender é que essa deceção tem a ver com as ausências ou maus níveis de serviços públicos, pois raramente os serviços essenciais foram capazes de atingir o nível de excelência. Quantos cidadãos fragilizados – o exemplo mais forte de um consumismo negativista é o da elite política desfilar a sua opção pela cura e plásticas no estrangeiro  ̶ não confiam nos hospitais e criticam esse mundo infernal sem assepsias, em que os doentes falecem ou esperam eternamente nos corredores mesmo antes de receberem as tentativas de reanimação médica, uma situação que arrasa as famílias e as coloca no limite da fúria contra o que deveria ser governável no interesse da angolanidade versus universalidade. A pressão decetiva na nossa sociedade tem proporções maiores, às vezes trágicas, já que algumas famílias tudo fazem para terem os seus entes queridos tratados na Namíbia, mais perto e “curta nas despesas”. Argumentam acreditando piamente que nesse pequeno país, ao contrário do nosso “portentoso país só de boca”, os serviços de saúde têm outro nível de atendimento e são menos especulativos. E raro são esses doentes de juntas médicas familiares não dizerem como frustração e conclusão que, apesar de pobres e sem petrodólares, as clínicas da Namíbia têm algo que os hospitais do país, nas condições atuais, não podem oferecer aos doentes: dignidade.

Os políticos angolanos ainda podem explorar a benevolência dos eleitores: é que apesar dos cidadãos estarem desiludidos, ainda acham que a política é um espaço nobre onde se podem construir alternativas cívicas, programáticas e de governabilidade. Existe ainda uma nuvem interpretativa sobre o que poderá valer um dia uma alternativa. É verdade que o presidente João Lourenço travou essa leitura decetiva através de seus atos e discursos ao reconstruir a tessitura de continuidade partidária que ao ser revigorada por seu mérito tem gerado novos alentos. Importa sublinhar que mesmo assim, os riscos estão aí à porta, nada ainda é ou está funcional, o exemplo de saúde que apresentei tem agregado à si outras falências e degradações antigas, é o caso da mais longa inoperância do sector bancário.

Os cidadãos pretendem que os preceitos de elevados padrões de gestão tenham como fito a recuperação e construção da “cidade destruída”, e vivam na cidade do esplendor, mundo que não se deve basear nos discursos e promessas, mas que seja um pouco idêntico ao mundo que os filmes deixam no imaginário e também pelas viagens que sensorialmente apelam como consumo: “o sonho do possível”. O que os cidadãos pretendem é poder refazer a alma da política, tirarem dela o pedantismo, querem ver os governantes acamados nos hospitais públicos para curarem as suas maleitas. Esse poder de imagens tem uma força de convencimento que pode atenuar as tensões sociais, a exemplo do que faziam Mandela e Obama quando se sentavam no restaurante ou conversavam com operários ou agricultores com a mesma felicidade com que recebiam as elites do poder económico, financeiro ou da cultura.

Já se começa a sentir a falta de diálogos setoriais mais específicos na temática e vigorantes em que o Presidente da República deixe fruir os seus pensamentos. No caso da saúde, espera-se que diga aos enfermeiros, médicos e serviçais, olhos nos olhos, como o país vencerá o abominável abandono que viveram os hospitais, que leis nacionais da saúde formalizará, que ordens e recursos emergenciais usará para vencer a “crise” mais vulnerável. Numa só frase, como conseguirá fazer com que a política nacional de saúde seja a primeira almofada de conforto do povo, um entendimento que não vingou nesses anos de independência. Os milhões de dólares gastos pelos doentes de juntas familiares - são cêntimos que têm um valor de dor e humilhações por parte dos chefes de famílias que passaram dias, meses, atrás dos balcões dos bancos - poderiam ter servido para potenciar os próprios serviços de saúde do país se oferecessem as respostas clínicas que procuravam. Direi que esse diálogo com os técnicos e funcionários das áreas chaves da sociedade dever-se-á constituir numa frente de argumentos, de teses, de catarses e de configurações das saídas da crise, até para que o líder possa fazer desaparecer o lado mais decetivo e mantenha o élan político que os cidadãos desejam.

Direi que essa “nova alvorada” tem, contra si mesma, o facto de serem os fatores decetivos muito crónicos e que qualquer cidadão entende poderem ser resolvidos, naturalmente não mais pela continuidade de políticas. Os eleitores não esperam pelas ruturas de vulto, do tipo bolchevique, mas que uma nova práxis ataque de forma frontal e compreensível os problemas que desestruturam as suas vidas. JA

*Escritor e ex- Presidente da UEA

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