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Quarta, 25 Dezembro 2013 11:26

Quatro séculos de atraso - Filomeno Manaças

1. Isaías Samakuva lançou na terça-feira o seu “livro de discursos”. Talvez porque a obra não ofereça nada de mais ao leitor, pois trata-se da compilação de discursos feitos desde 2005, portando já conhecidos do público, e porque a “media” está sempre sequiosa de novidades, o líder da UNITA aproveitou a berlinda para apelar para a criação de um “contrato social” para desenvolver Angola.

Se os discursos reunidos no livro não constituem notícia, a expressão “contrato social” não é original e nos dias que correm assume a feição de “arranjos políticos” destinados a acomodar interesses.

O conceito de “contrato social” surgiu há cerca de quatro séculos, quando filósofos como Thomas Hobbes, John Locke e mais tarde Rosseau teorizaram sobre a necessidade que o homem teve de viver em sociedade e erigir regras de conduta válidas para todos de modo a evitar o caos. Embora com argumentos diferentes, mas partindo do mesmo pressuposto, Hobbes (1651), Locke (1690) e Rosseau (1762) procuraram explicar o surgimento das sociedades, dos Estados e, por conseguinte, o interesse das pessoas em manterem a ordem social. Defenderam eles, embora com pontos de vista diferentes e teorias nem sempre bem acolhidas, que tudo resultou do “pacto” que as pessoas tiveram de assinar a um dado momento e que lhes permitiu sair do “estado de natureza” (entenda-se anarquia) em que se encontravam.

Nessa altura, ainda não existiam as Constituições Democráticas como as conhecemos hoje. Samakuva parece despertar agora do “estado de natureza” a que ele próprio se votou porque, em boa verdade, há já uma série de compromissos assumidos para fazer desenvolver o país e que todas as forças políticas são obrigadas a respeitar. Não vemos, por isso, necessidade de mais acordos quando até Samakuva e a UNITA não respeitam muitos dos actuais compromissos que têm verdadeira natureza de “contrato político”.

Angola é um país que tem a sua própria Constituição e é ela que rege a vida política, económica e social. Angola é um país que esteve em guerra civil e em Abril de 2002 foi assinado um memorando de entendimento que trouxe a paz. Angola é um país que desde 1992 enveredou pela democracia multipartidária e desde 2008 tratou de realizar eleições regulares como forma de legitimar a conquista e o exercício do poder político. Todas as forças políticas concordam com esse princípio mas na prática o que observamos depois é que rompem com o “contrato” estabelecido.

Samakuva e a UNITA perderam as eleições em 2012 e deram um exemplo de que não cumprem com o acordado. Antes mesmo da divulgação dos resultados finais já falavam em fraude eleitoral. E não foram os únicos.

Outro exemplo da particular inclinação de Samakuva para o incumprimento de “contratos” é o facto de ter primado pela ausência na cerimónia de investidura do Presidente da República eleito no sufrágio de 2012, quando a sua presença iria marcar historicamente um novo momento psicológico da democracia angolana.

O compromisso com a manutenção e consolidação da paz é outro “contrato” ao qual as formações políticas e os seus líderes devem prestar especial atenção. Mas nem sempre a UNITA e Samakuva emitem sinais apropriados de profundo comprometimento na protecção política excepcional que a paz deve merecer.

A decisão de Isaías Samakuva ignorar as autoridades policiais e manter a realização da manifestação convocada para finais de Novembro, com o propósito claro de chegar ao poder pela via da desordem - e não de eleições livres e transparentes -, é a prova mais recente de que o líder da UNITA não mostra ter verdadeira consciência de que a paz exige mais do que declarações circunstanciais de engajamento. Até porque no encontro com as associações juvenis e estudantis, a 21 de Junho, o Presidente da República já havia esclarecido que estavam em curso investigações para apurar as mortes dos jovens entretanto desaparecidos e fazer-se justiça.

Os angolanos já têm um “contrato social” forte, que está a permitir pelo décimo primeiro ano consecutivo celebrar o Natal em paz, já possibilitou a execução dos grandes projectos para a reconstrução nacional e vai seguramente levar o país ao desenvolvimento.

2. Na Ucrânia está em curso a estratégia das manifestações apoiadas pelo Ocidente com vista a fazer cair o Governo e que Samakuva quis pôr em prática em Angola.

O Presidente Viktor Janukovic decidiu permanecer fora da União Europeia e as forças pró-integração desataram vários dias de protestos para obrigá-lo a demitir-se, mesmo sem esperar pela realização de novas eleições, como aliás deve ser em democracia.

Janukovic olhou para as experiências da Espanha, Itália, Grécia, Irlanda e Portugal e entendeu, de modo legítimo e soberano, não colocar a Ucrânia na União Europeia, mais a mais numa lógica de confronto com a Rússia, país com o qual partilha fronteira e um volume considerável de trocas comerciais que têm influência nas suas receitas. De muitos líderes europeus não tardou o coro de críticas ao líder e executivo ucranianos e até mesmo apoios abertos à oposição, o que traduz uma clara ingerência nos seus assuntos internos e uma flagrante violação do direito da Ucrânia decidir com quem deve estabelecer relações económicas.

Filomeno Manaças

Director Adjunto do Jornal de Angola

Jornal de Angola

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