Print this page
Terça, 24 Julho 2018 20:56

Isabel dos Santos: Crónica dos dias do fim

Há títulos estranhos. Um deles é o do semanário português Expresso, de 21 de Julho passado: “Isabel dos Santos ameaça poder de João Lourenço”. Este título faz pensar que neste momento, em Angola, Isabel dos Santos está a amedrontar João Lourenço.

Por Rui Verde

A estratégia de João Lourenço e as fragilidades de Isabel dos Santos

Na realidade, o que se passa é precisamente o contrário. João Lourenço adoptou uma estratégia de sufoco financeiro de Isabel dos Santos que muito provavelmente destruirá o seu império. Daí provém a aflição que esta tem manifestado em comunicados à imprensa divulgados a partir de Portugal. Já escrevemos várias vezes que o “império” económico de Isabel dos Santos não tem sustentabilidade financeira, pois a maior parte dos seus investimentos não gera taxas de rentabilidade interna adequadas, necessitando permanentemente de fundos, garantias ou “almofadas”, directa ou indirectamente proporcionados pelo Estado angolano (ver aquiaqui e aqui).

São estes fundos e garantias que João Lourenço está metodicamente a cortar, desencadeando pânico na filha do antigo presidente de Angola.

No Porto do Dande, é notório o combate entre Isabel dos Santos e João Lourenço, que se traduz em comunicados violentíssimos, particularmente por parte do Governo.

O comunicado do ministro dos Transportes contra Isabel dos Santos

O comunicado emitido recentemente pelo Ministério dos Transportes a propósito do Porto do Dande – e que surge em resposta ao comunicado de 16 de Julho de 2018 da Atlantic Ventures (que pertence a Isabel dos Santos) – é de uma agressividade inusitada, só comparável à conferência de imprensa de Carlos Saturnino, presidente da Sonangol, efectuada em Fevereiro de 2018. Quer isto dizer que os homens de confiança colocados por João Lourenço na Sonangol – Carlos Saturnino e agora, no Ministério dos Transportes, Ricardo Viegas de Abreu – têm, tal como o famoso agente secreto britânico James Bond, “ordem para matar”.

Vejamos algumas das afirmações mais graves que visam Isabel dos Santos nesse comunicado oficial do Ministério dos Transportes.

Desde logo, afirma-se que a empresa Atlantic Ventures não é rigorosa, nem verdadeira, e que não existe qualquer contrato de concessão celebrado entre a Atlantic Ventures e as entidades públicas legalmente competentes para o efeito. De seguida, declara-se que o decreto de José Eduardo dos Santos (JES) que está no cerne das reclamações de Isabel dos Santos foi “uma decisão de adjudicação, que recaiu sobre um procedimento de adjudicação directa, sem concorrência, isto é, sobre um puro procedimento de ajuste directo, sem observação de quaisquer formalismos, à Atlantic Ventures”. Em português claro, o governo está a dizer que JES queria entregar o Porto do Dande à sua filha sem qualquer respeito pela legislação em vigor.

Mais ainda, acusa-se directamente o comunicado de Isabel dos Santos de ser falso. Sem meias palavras, escreve o ministro dos Transportes Ricardo Viegas de Abreu: “Diz-se depois no comunicado [de Isabel dos Santos] que, ‘a Atlantic Ventures foi constituída como uma parceria, incluindo investidores privados nacionais e investidores estrangeiros líderes mundiais no sector portuário, e o Porto de Luanda que, em representação do Estado, titulará 40% da empresa’. É falso.”

Com ironia, o ministro acrescenta: “A Atlantic Ventures foi constituída com o capital social de AKZ 4 000 000,00 (quatro milhões de kwanzas), dividido e representado por 400 (quatrocentas) acções, com o valor nominal, cada uma, de AKZ 10 000,00 (dez mil kwanzas), tendo por accionistas apenas pessoas singulares angolanas ou com autorização de residência em Angola, a saber:
a) Fidel Kiluange Assis Araújo, com 396 acções;
b) António Silvino Duarte, com 1 acção;
c) Neusa e Silva Inglês Soule, com 1 acção;
d) António Yuri Augusto, com 1 acção;
e) Noémia da Luz Reis, com 1 acção.
É do conhecimento público que as referidas pessoas não têm sequer qualquer experiência nas actividades concessionadas.”

E remata: “Portanto, nem a engenheira Isabel dos Santos, nem quaisquer investidores estrangeiros líderes mundiais do sector portuário fazem parte da estrutura accionista da referida empresa.”

Assim, Viegas de Abreu desmonta as afirmações de Isabel dos Santos, desmascarando mais uma das suas empresas com testas-de-ferro, esvaziando as suas já habituais afirmações míticas e empoladas acerca de grandes investimentos e grandes sócios estrangeiros.

Um projecto pago pelo Estado

O mesmo comunicado não hesita em denunciar que Isabel dos Santos se preparava para realizar as obras do Porto do Dande à custa do Estado: “Uma sociedade constituída com o capital social de AKZ 4 000 000,00, 3 (três) meses antes da publicação de um DP que lhe pretende adjudicar um contrato de valor indeterminado, com custos de financiamento de infra-estruturas orçadas desde logo em 1.5 bi USD, sem qualquer histórico de actividade, com accionistas sem qualquer experiência em qualquer das actividades concessionadas não oferece a menor credibilidade técnica e financeira.”

Mas o ministério liderado por Ricardo Viegas de Abreu não se fica por aqui e relata os meandros das exigências da empresa face ao Estado para a construção do porto. Isabel dos Santos queria uma garantia do Governo para obter financiamento, uma garantia de receita mínima que seria suportada pelo Estado, o direito ao equilíbrio financeiro, vários direitos, tarifas e taxas, bem como um regime de benefícios fiscais. Deste modo, trata-se de um projecto essencialmente garantido pelo governo de Angola. O Estado seria o garante dos empréstimos, e caso Isabel não pagasse, então o governo pagaria. O Estado asseguraria a receita do porto, caso o porto não gerasse rendimentos por falta de barcos ou actividades. O Estado pagaria a Isabel um montante equivalente a essas receitas não obtidas, além de garantir o equilíbrio financeiro do projecto. Não entrando aqui em demasiados detalhes técnicos, é indiscutível que a operação estava montada para nunca dar prejuízo a Isabel dos Santos. Quem asseguraria o financiamento e quem correria todos os riscos seria o Estado angolano. Alguns dos advogados de Isabel dos Santos poderão dizer que em Portugal também se fizeram contratos semelhantes. Pois fizeram, sendo que alguns estão na origem da prisão preventiva do primeiro-ministro José Sócrates e das investigações criminais a Ricardo Salgado, antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES).

As ilegalidades de José Eduardo dos Santos

O comunicado do Ministério dos Transportes é longo, com cerca de 15 páginas, e não há necessidade de o reproduzirmos na íntegra. O que ele faz, além de acusar Isabel dos Santos de várias afirmações falsas, é desmontar a argumentação jurídica da filha do ex-presidente e demonstrar que o despacho de JES não obedeceu a qualquer trâmite legal. Foi somente um acto de vontade de um pai, que por acaso comandava os destinos de um país.

Este comunicado tem duas implicações estruturais que não se podem ignorar. A primeira é acusar Isabel dos Santos de comportamentos muito duvidosos que, na prática, consubstanciaram uma tentativa de apropriação de fundos públicos através de práticas ilegais. Repetem-se muitos dos temas da conferência de imprensa de Carlos Saturnino na Sonangol. Quando é que a Procuradoria-Geral da República terá coragem de encetar uma investigação criminal às actividades de Isabel dos Santos, depois de tantas denúncias de altas autoridades do Estado angolano?

A segunda implicação é ainda mais grave. Surge-nos um presidente, José Eduardo dos Santos, a proceder a actos ilícitos para entregar benefícios aos seus filhos. Já tinha acontecido o mesmo na história dos 500 milhões transferidos para Londres pelo seu outro filho, José Filomeno dos Santos.

Neste caso, estamos perante um ministro que afirma publicamente que JES não cumpriu a lei. Não há hesitações. Há uma declaração formal de práticas ilícitas por parte do ex-presidente. Ninguém tira conclusões? Ninguém toma medidas?

A gravidade das acusações inscritas no comunicado de Ricardo Viegas de Abreu, como já antes tinha acontecido com Carlos Saturnino, é demasiado evidente para que esta espécie de silêncio político e judicial sobre os actos de JES e de Isabel dos Santos se perpetue. Maka Angola

Rate this item
(0 votes)

Latest from Angola 24 Horas

Template Design © Joomla Templates | GavickPro. All rights reserved.