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Domingo, 26 Abril 2020 18:59

Chás "milagrosos" não curam Covid-19 - OMS

Do chá distribuído de porta em porta em Madagáscar ao ervanário congolês que aconselha a beber urina, as "curas milagrosas" para a Covid-19 continuam a multiplicar-se em África. OMS avisa: não há evidências científicas.

Imagine este cenário: está em casa, ouve bater à porta e quando abre encontra um soldado que lhe oferece um chá de ervas contra a Covid-19. Pode parecer estranho, mas é o que tem estado a acontecer por estes dias em Madagáscar, depois de o próprio Presidente Andry Rajoelina ter elogiado uma bebida desenvolvida pelo Instituto Malgaxe de Investigação Aplicada (IMRA) a partir de artemísia, uma planta com eficácia comprovada contra a malária.

"Foram realizados testes. Duas pessoas estão agora curadas por este tratamento", afirmou Andry Rajoelina no início desta semana. O chefe de Estado foi ainda mais longe: "Este chá de ervas dá resultados em sete dias [...]. Podemos mudar a história do mundo inteiro".

Na terça-feira (21.04), foi a vez de os soldados defenderem a bebida na televisão nacional, desta vez atribuindo-lhe capacidades de prevenção. "Não há cura direta para o coronavírus", explicou o coronel Willy Ratovondrainy, médico do Exército. No entanto, insistiu, "a única solução, até agora, é reforçar a imunidade. E este remédio tradicional reforça a imunidade".

Soldados malgaxes fardados vão de porta em porta nas ruas da capital, Antananarivo, distribuir o chá aos habitantes. Mas a eficácia deste chá de ervas contra a Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, não foi, porém, objeto de qualquer estudo científico publicado.

Supostas curas podem matar

Marcel Razanamparany, da Academia de Medicina de Madagáscar, confirma que o "medicamento" ainda tem de ser avaliado a nível científico e mostra-se preocupado com os potenciais efeitos secundários negativos que o chá que está a ser distribuído pelo Exército pode ter nas pessoas que o ingerem, particularmente em crianças.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem vindo a sublinhar que "não existem provas de que os medicamentos atuais possam prevenir ou curar a doença", embora reconheça que "os remédios tradicionais [...] podem aliviar os sintomas da Covid-19". Mas a organização alerta contra o uso de terapias caseiras não testadas.

A medicina tradicional é altamente respeitada em África. Muitos curandeiros, no entanto, estão a aproveitar a pandemia para venderem "banha da cobra". Em Nampula, no norte de Moçambique, onde a atividade dos médicos tradicionais está suspensa no âmbito do estado de emergência, a Associação dos Médicos Tradicionais prometeu mesmo tomar medidas contra todos os associados que se envolvam no suposto tratamento da Covid-19.

E a lista destes "supostos tratamentos" é extensa no continente: na República Democrática do Congo (RDC), um médico tradicional propõe uma "cura garantida" num anúncio numa rádio local: "Inalar os vapores de uma mistura de manga e casca de árvore, folhas de papaia e uma planta secreta". Nos Camarões, um naturopata sugere um remédio semelhante - só mudam os ingredientes da infusão - alho ou gengibre com extrato de menta, fervidos em água, bastarão para combater o vírus. Já um auto-intitulado ervanário congolês sugere beber a própria urina - sem qualquer base científica que comprove os alegados benefícios.

Entretanto, já há registo de vítimas mortais de falsas curas tradicionais para a Covid-19 propaladas no continente. Na semana passada, a Rádio Okapi, da ONU, noticiou a morte de três crianças na RDC depois de a mãe ter administrado aos filhos uma planta medicinal que se acredita ser capaz de prevenir a contaminação.

Ciência vs. Fé

Em Madagáscar, país muito pobre do Oceano Índico, a população, que toma regularmente remédios fitoterápicos (a partir de derivados vegetais), acolheu de braços abertos a inesperada e gratuita distribuição do chá de ervas 'Covid-Organics'. "Desde que vimos o Presidente Rajoelina bebê-lo na televisão, estamos ansiosos por o levar", disse Jean-Louis Rakotonandrasana, 58 anos, motorista de carro, depois de ter recebido sete sacos de chá de ervas.

"Uma saqueta para quatro litros de água, a ser tomada em dois copos por dia para um adulto e um copo para as crianças. É proibido para as mulheres grávidas", instruem os soldados. Com a distribuição deste remédio tradicional, as autoridades malgaxes pretendem "proteger a população através da sensibilização contra o vírus e do reforço do seu sistema imunitário", numa altura em que o país regista 121 casos de Covid-19.

O Centro norte-americano de Controlo e Prevenção de Doenças tem estado a pedir vigilância para as alegadas curas tradicionais: "Não há qualquer evidência científica de que qualquer destes remédios alternativos possa prevenir ou curar a doença da Covid-19. Na verdade, alguns deles podem não ser seguros para consumo".

Ainda assim, enquanto a comunidade médica internacional continua em busca de um tratamento e vacina eficazes, a procura continua em alta, numa combinação de desespero e fé na medicina tradicional. Segundo a Organização Mundial de Saúde, há "vários ensaios clínicos em curso" tanto de medicamentos ocidentais como tradicionais. E curandeiros em vários países africanos exigem ser tidos em conta pelas autoridades de saúde na procura de uma solução, uma vez que a medicina convenvional ainda não foi capaz de o fazer.

Nos Camarões, o diretor de controlo de doenças do Ministério da Saúde, Georges Etoundi Mballa, garante que a porta não está fechada à participação da medicina tradicional: "Estamos abertos. Nada está excluído. Todos aqueles que consigam providenciar uma resposta científica, incluindo médicos tradicionais, são bem-vindos". Na África do Sul, o porta-voz do Ministério da Saúde diz que o departamento recebe cerca de 10 chamadas por dia de pessoas que alegam ter a cura para a Covid-19. O Governo reconhece o papel dos curandeiros, diz Pop Maja: "Respeitamos o seu papel [...] mas para já não há cura, sabemos que não há cura para o coronavírus". DW Africa

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Last modified on Domingo, 26 Abril 2020 19:05

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