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Quinta, 14 Mai 2020 21:20

Um olhar fugaz sobre a actual Constituição angolana

A actual Constituição angolana aprovada aos 21 de Janeiro de 2010, por uma alegada, Assembleia Constituinte (não resultou de nenhum poder constituinte originário, nem de eleição dos seus membros, pelo detentor da soberania) e na sequência do Acórdão n.° 111/2010 de 30 de Janeiro, do Tribunal Constitucional, tendo sido, oficialmente promulgada à 05 de Fevereiro de 2010.

É uma Constituição que apresenta muitas lacunas, em parte, devido à pouca experiência e história constitucional, dos seus mentores, para além do facto de, desde a independência (11. 11. 1975) até 2009, não ter havido de facto, uma Constituição, como tal.

A Constituição é a Lei Suprema de um País ou Nação, que descreve o modo segundo o qual o poder se organiza dentro do Estado e, é através dela que se pode identificar o sistema político.

O sistema angolano, pese elucubrações jurídicas de alguns juristas, o configurarem como presidencialista, na verdade se atentarmos na própria Constituição, temos do sistema de Angola ser parlamentarista, segundo o art.º 109.º: “É eleito Presidente da República, o cabeça de lista do partido ou coligação de partidos políticos mais votado, nas eleições gerais”.

Ora quem é votado, não é o cabeça de lista, mas o partido ou coligação de partidos políticos.

Isso significa que ninguém elege nominalmente o Presidente da República de Angola, tão pouco se pode considerar uma eleição indirecta, por nunca o candidato se desprender do programa, estatutos e bandeira partidária.

A Constituição angolana apesar de ser nova precisa ser revista com urgência por ser uma Constituição que não entra completamente nos mecanismos das constituições vigentes, fundamentalmente por as suas características andarem em sentido contrário aos sistemas presidencialistas directos e indirectos.

Por incrível que pareça no dia da minha defesa do Mestrado todos queriam saber sobre o sistema político de Angola, isso porque para além de ser uma Constituição atípica, ela não descreve de forma clara a separação de poderes, porquanto, de forma explícita o Presidente da República parece ser mais que um imperador, rei, um soberano sem limites de poderes, impossibilitando ser fiscalizado pelo Parlamento (Assembleia Nacional), pelos órgãos de justiça e da administração do Estado.

A Constituição angolana, assume-se como não sendo ditatorial, dinástica, comunista/socialista, autoritária, monarquia parlamentar, comissária, mas, também, não é uma Constituição democrática.

Quanto a ser atípica, também, não o é, por não existir na história do Direito Público e Internacional, modelos constitucionais atípicos, neste caso, estamos perante um tipo de Constituição, fora dos parâmetros normais.

Os partidos da oposição sobretudo a UNITA (Adalberto da Costa Júnior), Abel Chivukuvuku (PRA-JA), vários intelectuais e cidadãos independentes da sociedade civil clamam por uma séria revisão constitucional, visando mudanças concretas, principalmente, na forma de eleição do Presidente da República, prevista no art.º 109.º, para passar a ser eleito, nominal e directamente pelo povo, através de sufrágio universal, directo e secreto, de acordo com as características de um sistema presidencial puro.

O Presidente, no sistema presidencialista, deve ser eleito pelo povo de forma directa, não indirecta (excepção de alguns Estados) e o acto eleitoral deve ser separado das legislativas (eleições), milagrosa e danosamente, para uma democracia que se pretende afirmativa, elas decorrem em simultâneo, excluindo candidatos independentes ao cargo de Presidente da República, fraudando a vontade do povo, que, assim, vota 2 em 1, caricatamente, contrariando, o art.º 110.º.

Essa proibição contradiz um dos princípios básicos característico das constituições democráticas e de direito, ao violar direitos e garantias fundamentais do cidadão (direitos humanos), ao coarctar o direito individual de pertencendo ou não há um partido político ter o direito de concorrer à cargos públicos e políticos, de participar de forma activa na vida política, social, cultural e económica do seu próprio país, como recita o artigo 21.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por esta razão, a oposição e o povo insistem numa clara revisão e actualização da Constituição, para se encadear todo o ordenamento jurídico, ou seja, a organização pública e o mecanismo de distribuição de poderes da Administração do Estado.

Outrossim, os demais direitos, mas de forma urgente, o Direito Administrativo precisará de mais explicitação, através de um profundo ajuste a realidade angolana, distinta da colagem ao sistema português, visando a diminuição dos conflitos constantes de interesses e funções dos diferentes órgãos e instituições do Estado.  

A revisão terá de ser de 360 graus, para impedir que o futuro Presidente da República decida e nomeie tudo e todos, como o seu gabinete, ministros de Estado, ministros, secretários de Estado, governadores, diretores nacionais, conselheiros, adjuntos, mas todos, sem poderes executivos.

Deveria haver um sistema em que uma vez, um governo tomado posse, os dirigentes exerçam funções de forma independente, com base na Constituição, na sua consciência e princípios, com autoridade e poderes suficientes para fazerem reformas e mudanças dentro do próprio pelouro, governo ou direcção, podendo o Presidente sugerir mecanismos

político-estratégicos, mas sem interferência directa, como normalmente acontece. Todos esperam e alegam ordens superiores porque não conseguem exercer funções de forma independente, impossibilitando o bom funcionamento da Administração Pública.

Os poderes excessivos ditados pela actual Constituição a favor do Presidente, põe em risco não simplesmente a boa organização do Estado, mas também dificulta o próprio Presidente, porque se uma única pessoa decide tudo, no fim acaba por não fazer nada bem. Os órgãos de soberania (Governo, Parlamento, Magistratura) devem ser completamente independentes.

Os juízes presidentes e os demais juízes auxiliares dos referidos Tribunais (Constitucional, Supremo, Contas, Supremo Militar) não devem ser nomeados pelo Presidente da República, esses são funcionários do poder Judiciário, não são membros do executivo.

Mesmo a PGR é um órgão que deve ser independente, pois ela tem a responsabilidade de investigar crimes e suspeitas de crimes de forma imparcial e levar à justiça os culpados, sejam eles cidadãos comuns, empresários, políticos ou mesmo o próprio Presidente da República em caso de crimes graves ou atentado à Constituição.

Muitas reformas e revisões precisam ser feitas, sente-se a necessidade de se elaborar um novo sistema eleitoral, a necessidade de se institucionalizar um novo Tribunal: o Tribunal Eleitoral, que deve ocupar-se da legalização dos partidos políticos, além de questões estritamente eleitorais.

A magistratura angolana no seu todo precisa de reformas, por sermos o único País do Mundo em que na hierarquia dos tribunais, o Tribunal Constitucional é mais relevante que o Tribunal Supremo. Além disso precisam ser redefinidas a modalidade sobre as nomeações, eleições, funções e duração de mandatos dos juízes. O Presidente da República não deve intervir directamente na Magistratura. O que se vê até o momento, são os mesmos juízes fazendo jogos de cadeiras, ou seja, trocando de Tribunais como se fossem políticos em vez de magistrados, esses aspectos também devem ser revistos em caso de uma possível revisão constitucional.

Nas democracias consolidadas os órgãos de soberania exercem funções em prol do povo e do bom funcionamento do Estado, todas as instituições públicas, sem excepção, devem antes de tudo obediência à Constituição. Os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes, mas existe fiscalização simultânea e recíproca entre si, mas nenhum poder interfere nas competências do outro.

A actual Constituição atribui super poderes ao Presidente, contendo disposições legislativas de funções não muito claras dos diferentes órgãos e instituições do Estado.

O parlamento não consegue fiscalizar o poder executivo, porque a Constituição que atribui ao Parlamento o poder de fiscalizar o governo e seu executivo, é a mesma Constituição que atribui ao Presidente da República o poder de exercer funções legislativas sempre que esse achar necessário ou conveniente. Não se trata de problemas de interpretação das normas constitucionais, mas problemas da própria Constituição. A contradição aqui é a Constituição que não é bem clara na disposição das normas.

O projecto de revisão constitucional deve envolver todas as partes, partidos políticos, juristas qualificados e competentes, técnicos e auxiliares de justiça, constitucionalistas, e membros independentes da sociedade civil que entendam de justiça constitucional.

Deverá nascer uma Constituição inclusiva onde todos participem, independentemente da maioria parlamentar, não tendo de ser, de novo, uma Constituição imposta por este ou aquele partido político ou líder. Ela deve corresponder não os interesses de um pequeno grupo político ou partidário, porque deverá ser capaz de salvaguardar a integridade nacional, proteger os interesses do Estado e de todo o cidadão, enfim deve e terá de ser uma constituição sólida livre de inconveniências e de lacunas graves.

Isso só será possível se colocarmos em primeiro lugar o País e se todos participarem, colaborando mutuamente, sem o uso da ditadura da maioria, para o reforço dos poderes do Parlamento por representar o povo, devendo ter participação crucial e primária na condução dos destinos do País, e sempre que o Estado quiser contrair empréstimos o governo precisa ter o aval da Assembleia Nacional, sendo pois os deputados eleitos que devem autorizar as dívidas públicas e externas, ou seja o governo propõe e o Parlamento decide em aprovar ou não. E toda alta figura, dirigente ou autoridade do Estado em caso de necessidade, pode ser chamado pelo Parlamento para responder certas perguntas e prestar contas sobre o andamento das suas funções. Dentro do Parlamento devem ser criadas várias comissões de controlo e fiscalização, as tais chamadas comissões de inquéritos.

Com a revisão da Constituição, poderá propor-se a criação de mais uma câmara, passando a Assembleia Nacional a ser bicamaral, talvez com esse sistema, haveria mais equilíbrio e eficácia na elaboração das leis e projectos de lei, já que essas teriam de ser aprovadas pelas duas câmaras, com projectos e debates mais sérios, profundos e responsáveis, para vingarem nas duas e, assim reforçar-se o poder do parlamento.

Nesse caso os números de assentos no parlamento sofreriam também algumas mudanças, a câmara dos deputados, por exemplo, poderia ser constituída por 140 deputados e a do senado por 100 senadores, num total das duas de 240 membros.

A ideia aqui não é tanto o número de membros, mas sim a intenção de se criar uma nova câmara, para reforço do poder legislativo, implementando-se, também, o sistema de voto secreto, na aprovação dos projectos de leis, que transitarem nas duas câmaras.

Com este quadro, muito seguramente, com quadros e juristas descomprometidos politicamente, o Estado funcionará melhor, com a fiscalidade da Assembleia Nacional, na defesa dos mais altos interesses dos cidadãos que defendem a todo o custo uma justiça constitucional distinta.

Por Leonardo Quarenta

Doutorando em Direito Constitucional e Internacional

Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia

Mestrado em Direito Constitucional Comparado

Master em Direito Administrativo

Master em Direitos Humanos e Competências Internacionais

Master em Jurista Internacional de Empresas

Master em Management das Empresas Sociais.

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