Quinta, 25 de Abril de 2024
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Segunda, 03 Junho 2019 00:15

Dino Matrosse e um certo discurso legitimador - Reginaldo Silva

O aspecto que mais me chamou a atenção na entrevista de Dino Matrosse à MFM foi a sua dúvida manifestada em relação a possibilidade da cifra das vítimas da repressão que se seguiu ao 27 de Maio de 77 ter atingido a casa das 80 mil, de acordo com algumas estimativas.

Na verdade e por razões que se compreenderão facilmente, todos temos mais dúvidas do que certezas a respeito do mesmo assunto, porque de facto na altura ninguém foi enterrado numa campa individual e devidamente localizada conforme manda a lei administrativa, o que facilitaria imenso hoje a sua contabilização para os devidos efeitos julgados convenientes.

O sistema usado foi o das valas comuns, cuja localização ao longo de todo o país muito poucos saberão identificar.
Esses poucos continuam a existir e muitos deles ainda terão a memória em dia.

É mais um dos segredos da República Popular que anda por aí a medrar. A Espanha de Franco e o antigo Cambodja de Pol Pot já foram apontados como sendo os dois países onde mais este tipo de "recurso comum" foi usado para fazer desaparecer as vítimas da repressão.

Em que lugar estará Angola neste mapa sinistro é o que resta saber, com a certeza de que também fazemos parte com algum destaque desta "galeria" por mérito próprio, ou seja do Governo da época.

Todas as estimativas e dúvidas sobre o número dos desaparecidos são pois legítimas, até que se faça luz sobre este "território", que é uma verdadeira "dark side of the moon".
Não bastará pois dizer que há exageros nas estimativas, sem antes se reconhecer que o maior "exagero" acabou por ser bem real, porque aconteceu mesmo numa dimensão que ultrapassou todos os limites quer do excesso de zelo como da resposta desproporcional/descontrolo, para se transformar num programa de eliminação física sistemática dos suspeitos que se prolongou por cerca de um ano.

É diante desta monumental e triste realidade que não faz, nunca fez, qualquer sentido o discurso legitimador que permanece até aos dias de hoje de que houve matanças dos dois lados, tendo apenas como referência o que se passou no Sambizanga com o lamentável e nebuloso assassinato dos 6 ou 7 comandantes e dirigentes do MPLA.

O programa só não foi mais longe devido a pressão internacional que, entretanto, se começou a fazer sentir e que obrigou Agostinho Neto no discurso que proferiu em Cabinda em meados de 78 a arrepiar o caminho inicial traçado com o seu implacável "não haverá perdão/nós vamos ditar uma sentença/nós vamos ser breves/não vamos perder tempo com julgamentos".

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