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Sexta, 04 Junho 2021 19:17

Plataforma 27 de maio saúda desculpas do Estado angolano mas quer apurar autores dos crimes

A Plataforma 27 de maio saudou hoje o pedido de desculpas apresentado pelo Presidente angolano sobre os acontecimentos de 1977, de um suposto golpe de Estado, mas considera indispensável que se apure a autoria dos crimes cometidos.

Em causa está o dia 27 de maio de 1977, em que se terá dado uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves - então ex-ministro do Interior desde a independência, em 11 de novembro de 1975, até outubro de 1976 -- que foi violentamente reprimida pelo regime de António Agostinho Neto, o primeiro Presidente da Angola independente.

No documento, a que a agência Lusa teve hoje acesso, a Plataforma 27 de maio congratula-se com o facto de o Presidente angolano, João Lourenço, reconhecer que com o pedido de desculpas às vítimas e à nação não se pode apagar a história, assumindo a responsabilidade do Estado pelas trágicas violações de direitos humanos que se seguiram àquele dia.

"Saudamos o Sr. Presidente por este ato histórico, que deu satisfação a parte das reivindicações contidas na Carta Aberta que tínhamos enviado", refere a declaração da Plataforma 27 de maio hoje divulgada.

Segundo os subscritores da declaração, estão criadas agora as condições para que o processo de reconciliação tenha sucesso e obtenha resultados sólidos, como sempre defenderam.

Todavia, para que tal suceda, propõem que seja tomada "com coragem" algumas medidas complementares, nomeadamente a "busca da verdade histórica, com uma investigação isenta e eficiente, o que pressupõe, entre outras questões, inquirir o maior número de intervenientes nos acontecimentos, enquanto tal ainda é possível.

A Plataforma 27 de maio solicita ainda que sejam reconstituídos os acontecimentos daquele dia e período subsequente, apurando-se a autoria dos crimes cometidos, de modo que a responsabilidade não seja apenas do Estado em abstrato, mas de pessoas concretas e que estas também peçam perdão, bem como que sejam abertos os arquivos do Estado, com a promulgação de diploma adequado.

Consideram também indispensável o alargamento do número de vítimas a localizar, o recurso à cooperação dos que sabem onde estão as valas comuns, o envolvimento das famílias das vítimas, a fim de possibilitar testes de ADN, com o apoio de laboratórios e peritos internacionalmente credíveis.

A conversão da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) em Comissão da Verdade, à semelhança do ocorrido em outros países é outro dos pedidos, assim como a reformulação dos seus objetivos e a autonomização do processo do 27 de maio relativamente a outros conflitos.

A organização entende igualmente que as vítimas e familiares têm toda a legitimidade em reclamar a devolução dos bens que lhes foram usurpados bem como reclamar compensações ao Estado, perante a assunção de culpa, "sendo certo que o Sr. ministro da Justiça e dos Direitos Humanos já tinha anunciado publicamente a intenção de indemnizar as vítimas".

"Esperamos, convictamente, que o Sr. Presidente da República e Presidente do MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder] consiga dar o necessário passo em frente, que se impõe face à dimensão da tragédia e a efetiva necessidade de uma reconciliação de acordo com as orientações internacionais, designadamente das Nações Unidas e da União Africana", sublinham.

Afirmam que, assim procedendo, João Lourenço "ficará, seguramente, na história do país como um homem de coragem, como um verdadeiro estadista".

Hoje, o Governo angolano entregou as certidões de óbito de Nito Alves e Saidy Mingas, ambos mortos em 27 de maio de 1977, este último na altura ministro das Finanças e fiel a António Agostinho Neto.

O coordenador da CIVICOP e ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano, Francisco Queiroz, frisou que, depois da entrega das certidões de óbito, o passo seguinte será, para os casos em que for necessário, a entrega dos restos mortais "para que se faça um funeral condigno aos falecidos".

No passado dia 27 de maio passado, o Governo angolano rendeu, pela primeira vez em 44 anos, a primeira homenagem às vítimas do 27 de maio e de todas pessoas que faleceram em consequência do conflito político que reinou em Angola entre 1975, ano da independência do país, e 04 de abril de 2002, data do fim da guerra.

"Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias", disse João Lourenço um dia antes da homenagem.

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