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Quarta, 11 Março 2015 21:42

Panguila: famílias desesperam

Três famílias a morar numa única casa - um exemplo de como ainda vivem alguns moradores no Panguila, bairro 30 quilómetros a norte de Luanda. O espaço foi o encontrado pelas autoridades para albergar ex-moradores de determinadas zonas da capital onde ocorreram demolições de construções anárquicas, em áreas de risco e com ocupações ilegais de terrenos.

A visita do SOL ao Panguila coincidiu com um debate parlamentar para avaliar precisamente os aspectos positivos e negativos do processo de demolições, cujas áreas se destinam à requalificação urbana.

A partilharem residência desde 2010, estas três famílias têm apelado às autoridades para solucionarem o problema. Há, segundo dizem, a promessa de cada família vir a receber uma habitação própria.

Os desalojamentos estão enquadrados no âmbito da requalificação das cidades em território nacional. Luanda, por exemplo - que concentra um quarto dos cerca de 24 milhões de habitantes do país - tem experimentado várias transformações, com desalojamentos seguidos de reassentamentos planeados das populações.

«Estamos cansados desta vida», disse uma moradora que não se quis identificar quando falou à reportagem do SOL.

No caso citado, numa residência com três quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho, residem três famílias. O choque de hábitos e costumes é óbvio.

Luís Abreu, 35 anos, Rita Fernandes, 51, e Luísa Pedro, 36 , enfrentam há quase cinco anos esta realidade no sector 9 e dizem não encontrar palavras para a descrever, tantas são as dificuldades.

«Lá onde vivíamos [Praia do Bispo] cada um tinha o seu espaço. Aqui, juntaram-nos. Cada um tem os seus problemas, as suas dificuldades. Mas todas essas situações têm de ser partilhadas, quer queiramos quer não, com os restantes, uma vez que a sala é comum, a casa de banho é comum, tal como a cozinha», descreveu Luísa Pedro, com saudades de dias melhores. «Sabemos que o Governo está a construir casa para nós, mas ainda não sabemos quando é que nos irão dar. É bom que resolvam este problema o mais rápido possível. Porque já lá vão mais de quatro anos».

Outro exemplo é o de Regina José Domingos, 31 anos, três filhos. A eles junta-se mais uma dezena de pessoas, todos a viver numa casa com três quartos, uma sala, cozinha e uma casa de banho. Ao todo ali vivem 14 pessoas: oito adultos e seis crianças.

«É muito complicado. Há pessoas que não são higiénicas, outras são portadoras de doenças contagiosas, os nossos hábitos são diferentes, mas não temos como fazer para mudar esta realidade», lamentou Regina.

As discussões com vizinhos são constantes, motivadas pela incompatibilidade de personalidades, hábitos e costumes. As brigas por ciúme entre vizinhos são comuns devido à partilha do mesmo espaço: «Aqui já presenciámos a separação de vários casais por infidelidade praticada com as pessoas com quem partilhavam o mesmo tecto», exemplificou, queixando-se ainda da falta de privacidade.

Panguila-Bairro,a longa caminhada

O acesso ao sector 9 no bairro do Panguila é dos mais difíceis devido à estrada esburacada. A título de exemplo, nem os candongueiros se atrevem a lá ir.

Os moradores, para poderem chegar à estrada principal que dá acesso ao mercado do Panguila ou seguir para Luanda, socorrem-se dos moto-táxis, vulgarmente conhecidos de kupapatas. O valor da corrida fica-se pelos 100 kwanzas.

A energia eléctrica aparentemente não é um problema para o bairro, apesar de esta ter falhado quando a reportagem do SOL visitava o local.

«A electricidade é regular no bairro», disse um dos populares, para logo adiantar que «o mesmo não se pode dizer da água». A água continua correr pelas torneiras. E o abastecimento, através de cisternas, acaba por levar o preço de cada bidão de vinte litros aos 50 kwanzas.

A zona tem um hospital, que atende casos de primeiros socorros e doenças comuns. Há também uma escola de ensino de Base. Mas faltam os espaços de diversão para os mais novos - o que nunca constituiu barreira ao divertimento. Um dos mais comuns é ver crianças correr e saltar à caça de gafanhotos ao longo de um terreno baldio, que encosta àquele sector do bairro.

Enquadradas no projecto de requalificação da cidade, as demolições em Luanda tiveram o seu início em 2000, com o primeiro desalojamento a incidir bairro da Boa Vista. O objectivo foi retirar populares de zonas de risco, uma vez que havia muitas habitações precárias junto a elevações, com perigo real de serem atingidas por derrocadas ou deslizamentos. Entretanto, passados 15 anos, é generalizada a ideia segundo a qual ainda é longo o caminho da requalificação da cidade, face ao crescimento da população.

Desalojamentos e demolições anárquicas continuam

Contactado pelo SOL, o coordenador da SOS Habitat, organização não governamental (ONG) cujo objectivo é defender o direito à habitação e combater as demolições anárquicas, caracterizou como «desumana a situação em que vivem os moradores do Panguila».

De acordo com Rafael de Morais, desta forma as autoridades violam uma resolução da Assembleia Nacional, a qual estabelece que «antes do desalojamento é preciso dialogar com a população e criar as condições dignas para acomodá-las».

Rafael de Morais observou que, depois de o Executivo ter organizado o seminário sobre o conflito de terras e ocupações ilegais, no qual acusou certas ONG nacionais de defenderem as ocupações ilegais (como a própria SOS Habitat), as demolições intensificaram-se. «Praticamente serviu para legitimar as demolições em Angola», afirmou.

A maioria das demolições acontece, afirma o responsável, à margem das normas de desalojamentos: «A nossa visão é de que o desenvolvimento deste país não pode ser feito violando o direito das pessoas», avançou, defendendo o diálogo entre administrações e populares.

Só nos últimos dois meses, contou, ocorreram cerca de duas mil demolições em Luanda, sobretudo na zona de Viana. Ainda nesta zona, vários camponeses viram as terras expropriadas, para naquele espaço nascer a Zona Económica Especial.

«Os proprietários dessas terras ainda não foram indemnizados. Até mesmo os proprietários do espaço hoje ocupado pela centralidade do Kilamba não foram indemnizados», contou Rafael de Morais.

Sol

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