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Quinta, 29 Dezembro 2016 18:50

Olhar o Mundo com olhos tapados

Com o aproximar das nossas eleições gerais redobram em Portugal os insultos a Angola proferidos por quem ainda não digeriu a irreversibilidade de sermos um país soberano que recusou a canga do neocolonialismo.

Por Luciano Rocha

Todos eles são bem conhecidos pelo ódio indisfarçável a Angola e pelo ridículo de que se cobrem sempre que abrem a boca e são calados por generosa mosca. 

Os anos passam, mas a idade não lhes ensinou que nem sempre uma mentira repetida várias vezes pode parecer verdade e que os angolanos - e até portugueses - já os conhecem de ginjeira. Apesar disso, insistem. Pela vontade patológica de mentir, mas também - precisamente agora em tempo de crise - porque a consciência, muito menos os bolsos, jamais lhes pesou. Aceitam todos os palcos. Pelo que é frequente aparecerem em “concentrações de repúdio” contra as desigualdades, a pobreza. Chegam eufóricos depois de almoços prolongados. A passeata pode ajudá-los a fazer a digestão, mas a sonolência impede-os de olhar em redor e ver pessoas de todas idades de mão estendida à espera da solidariedade que passa ao lado.

As situações de instabilidade na Síria, Iraque, Líbia, Palestina, Afeganistão, em praticamente toda a América Latina, na Europa, em alguns países africanos, criadas pelas potências ocidentais, evoluíram em sentido contrário aos interesses dos mentores e passaram a exigir o reforço da equipa de “comentadores, especialistas e afins” da política internacional. Em Portugal, começaram a surgir aspirantes aos “minutos de fama” que em nada ficam a dever aos “veteranos”. A língua solta-lhes para o disparate e calúnia. Como os “mestres”, falam de tudo o que desconhecem, mas sabem de cor e salteado quem são os alvos preferenciais, entre os quais Angola.

Um destes últimos exemplos encontrei-o no dia de Natal. Na procura de um canal por cabo que me despertasse a curiosidade parei numa estação portuguesa, no programa “Olhar o Mundo”. O título por si só é sugestivo. Esperancei por uma visão, mesmo que diferente da minha, sobre o que se passa no nosso planeta. Dos dramas de famílias inteiras a viverem em escombros das guerras que lhes acabou com a paz em que viviam, de homens com bebés ao colo na procura de um abrigo, de mulheres de joelhos a implorarem ao céu que lhes devolvesse a vida de filhos e netos mortos em bombardeamentos quando estavam na escola ou em hospitais, de jovens dentro de barcaças com as mãos estendidas a idosos que ficaram para sempre na praia sem força para arrastar as pernas. Também me podiam ter mostrado milhares de pessoas de todas as idades, fugidas da fome e das explosões, encurraladas em campos em condições desumanas e impedidas de entrar nos países responsáveis pelo drama que viviam.

 Em abono da verdade, devo dizer que não vi o programa de início. Parei nele, pelo título. Também não esperei pelo final. Sei que tinha um apresentador e uma comentadora ou convidada. Em rodapé era apresentada como Catarina de Albuquerque, jurista. Fiquei sem entender por que estava ali, mas percebi que não dizia a verdade, que, por maledicência ou ignorância, misturava “alhos com bugalhos”. Como não podia deixar de ser, falaram de Angola. Ela, com todo o desplante dos sabichões, a declarar que o nosso Governo não fazia o que deve, que os angolanos estavam pior (!), que a pobreza se situa em cerca de 40 por cento. Não disse em relação a quando é que a nossa situação se degradara. Se à época colonial, se à da guerra que fomos obrigados a travar contra forças invasoras logo a seguir à proclamação da Independência Nacional, comandadas por um oficial português, se antes de derrotarmos o Exército do regime sul-africano de apartheid, o que nos permitiu manter intactas as nossas fronteiras.

À “entendida” em assuntos internacionais deve ser lembrada que um estudo recente do Instituto Nacional de Estatística revela que a esperança de vida dos angolanos até 2050 é de 68,2 anos para homens e de 71 para as mulheres. 

O mesmo estudo mostra que de 2014 a 2024 a esperança de vida em Angola aumenta anualmente a um ritmo de 0,25 nas áreas urbanas e 0,20 nas zonas rurais das províncias com prevalência de VIH superior a 3 por cento.

O documento do INE, no qual constam aqueles dados, refere que a taxa de mortalidade continua a diminuir gradualmente nos próximos anos, o que proporciona o aumento, igualmente gradual, de esperança de vida à nascença. 

A convidada ou comentadora ou não se documentou como devia ou entrou no coro da calúnia propositada. Até à nossa independência, os quadros superiores em Angola contavam-se pelos dedos, a pobreza era indubitavelmente maior e as liberdades, a exemplo do que sucedia em Portugal, não existiam. Após a expulsão dos invasores sul-africanos e acólitos, fizemos a reconciliação nacional e de imediato iniciámos a reconstrução do país.   Catarina Albuquerque também quis tocar a tecla da falta da diversificação da economia, mas, para não variar, desafinou. É bom lembrar-lhe que não era possível plantar fosse o que fosse em terrenos minados, nem reconstruir e edificar cidades, vilas, aldeias, bairros, pontes, estradas, caminhos-de-ferro,  barragens, estabelecimentos de ensino e de saúde. O petróleo foi a via mais acessível para começarmos a desenvolver-nos enquanto país.

A jurista prosseguiu na desafinação e falou da “Primavera Árabe”, criada pelas potências ocidentais. Uma vez mais não foi original, limitou-se, a exemplo de outros parceiros de coro, a querer confundir alguns dos telespectadores e satisfazer interesses conhecidos. Mas, foi mais longe na desfaçatez e concluiu que aos angolanos apenas restam dois caminhos: ou saírem do país ou irem para as ruas protestar.

Os angolanos saem quando querem, não são impedidos de o fazer, a não ser em condições excepcionais, como sucede em qualquer país democrático e jamais são convidados a abandoná-lo, como sucedeu recentemente em Portugal. Alguns dos portugueses que acolheram a sugestão estão entre nós a ganhar honradamente a vida. Quanto a irmos para a rua, temos sempre motivos para o fazer. Depois de amanhã há a habitual corrida de S. Silvestre e em Fevereiro há o Carnaval. Catarina Albuquerque pode vir até cá ver estas grandes manifestações populares. Até pode dar umas corridinhas na Marginal de Luanda.

Jornal de Angola

 

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