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Terça, 23 Agosto 2016 20:21

O modo como José Eduardo dos Santos promove família "é claro sinal de força"

Ricardo Soares de Oliveira, que há anos investiga Angola, analisa o último congresso do MPLA e recente nomeação de vice-presidente do partido.

Autor de um livro fundamental sobre Angola, Magnífica e Miserável: Angola Desde a Guerra Civil (2015, Tinta-da-China) Ricardo Soares de Oliveira é um observador das dinâmicas de poder no país há anos. Respondeu ao PÚBLICO por email, no meio das suas férias de professor no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford, no dia em que foram anunciados o novo vice-presidente do MPLA, o ministro da Defesa João Lourenço, e o novo secretário-geral, Paulo Kassoma. 

Na polémica da ida de partidos políticos portugueses ao congresso do partido em Luanda, diz que o problema não é a sua presença mas “afirmações bajuladoras de afecto incondicional em relação ao MPLA”. Esta terça-feira foi noticiado que o PS, PSD, BE e CDS foram convidados para o II Congresso ordinário do partido da oposição Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE), que se realiza em Luanda a 6 e 7 de Setembro – só o PS não tinha confirmado a sua presença, segundo a Lusa.

O Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no seu discurso de abertura do congresso, atacou os empresários corruptos e falou em apoiar os empresários patriotas. Como lê estas palavras?

Mais vale tarde do que nunca, é uma excelente ideia. O Presidente estaria, talvez, a referir-se às pessoas que beneficiaram de acesso político e que construíram grandes fortunas na base de rendas, sem nunca ter investido nos sectores produtivos do país ou exibido talento empreendedor. Há aqui dois problemas: o primeiro, é que essa situação foi um produto das políticas do próprio Presidente que, com o pretexto de construir a burguesia nacional, criou uma classe de rendeiros. O segundo problema é que, do ponto de vista factual, a descrição do Presidente assenta que nem uma luva a pessoas muito próximas dele. São afirmações correctas, mas muito sensíveis no contexto do tal empresariado angolano, onde o que não falta são telhados de vidro. Obviamente que há empresários a sério em Angola, agora importa apoiá-los, e deixar de apoiar os outros. Vamos ver.

Representantes de partidos políticos portugueses foram a Luanda ao Congresso, à excepção do Bloco de Esquerda. Estamos perante uma legitimação, da parte destes partidos portugueses, do regime angolano? Que protocolo se deveria seguir?

Tendo em vista o comportamento recente do Governo angolano no que diz respeito a questões de direitos humanos (Cabinda, Huambo, os 15+2), seria sempre um ano estranho para gestos extremosos de amizade interpartidária. Mas a presença de representantes dos partidos portugueses no Congresso do MPLA é legítima, desde que faça parte de uma postura equidistante que, por exemplo, inclua presença nos congressos da UNITA, CASA, etc., e que se limite a observação discreta. O verdadeiro problema são as afirmações bajuladoras de afecto incondicional em relação ao MPLA, que demonstram uma proximidade facciosa no quadro angolano. Mas nada disso surpreende; tudo se enquadra num contexto mais lato de intimidade entre segmentos da elite portuguesa e a cúpula do partido dirigente.

Este congresso serviu que propósitos em termos de legitimação da candidatura de José Eduardo dos Santos à presidência - que ainda não foi anunciada?

O Congresso propriamente dito tem um carácter operático, nenhuma decisão toma lugar no Congresso, mas é uma ocasião para anúncios relevantes. A suposta renovação do Comité Central ficou muito aquém do prometido (muitas caras novas são filhos de gente importante, representam grupos influentes, ou são próximos do Presidente). No que diz respeito ao novo secretário-geral, Paulo Kassoma é um homem da confiança do Presidente, e sempre útil para mostrar que o MPLA é um partido nacional. Quanto a João Lourenço, era o nome mais apontado para vice-presidente, não há surpresa nenhuma. É respeitado no partido, nas Forças Armadas, e há uns anos que está de regresso, depois de uma década de travessia do deserto (durante a qual não se deu mal no sector privado, e a sua mulher Ana Dias Lourenço, ex-ministra do Planeamento e actualmente representante no Banco Mundial, manteve-se influente no Governo). Tinha sido afastado porque revelou ambições presidenciais antes de tempo. Talvez funcione desta vez, mas ainda a procissão vai no adro.   

O Presidente tem dois filhos no Comité Central (Tchizé dos Santos e José Filomeno dos Santos, que gere o Fundo Soberano de Angola). Colocou Isabel dos Santos à frente da Sonangol. Que legitimidade tem para nomear a sua família para posições estratégicas como Sonangol e FSA e de colocar no CC os seus filhos? Estas "movimentações" são um sinal de que tem cada vez mais opositores internos e menos gente de confiança a quem entregar cargos de poder como analisam alguns?

Se seguirmos o voto no Congresso (99.6% a favor de José Eduardo dos Santos, cinco votos contra) ele tem legitimidade para fazer o que quiser. Até que ponto é que o Congresso revela os sentimentos privados dos membros do MPLA (já não falamos da população) é outra questão. Mas revela, sem dúvida, a apetência que os membros do partido têm em se antagonizar com o status quo e correr riscos pessoais: zero, por ora. O modo como José Eduardo dos Santos tem promovido os membros da família é um claro sinal de força, mesmo se num contexto em que o MPLA regularmente promove membros das famílias influentes. Para além disso, demonstra que, mesmo que ele se reforme, a família e os seus interesses ficam de pedra e cal. Por outro lado, a nomeação de gente muito próxima também pode dar a impressão de que se sente sozinho e que já não confia em muita gente. Penso que estas explicações não são incompatíveis.

Soares de Oliveira trabalhou para instituições como o Banco Mundial ou a Oxfam e escreveu também Oil and Politics in the Gulf of Guinea (2007), tendo co-editado China Returns to Africa (2008, com Chris Alden e Daniel Large) e de The New Protectorates: International Tutelage and the Making of Liberal States (2012, com James Mayall). É ainda académico de Políticas Públicas no Woodrow Wilson Center e fellow convidado da Universidade de Yale, ambas instituições americanas.

PUBLICO

 

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