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Terça, 20 Março 2018 09:19

Corrupção, impunidade e segurança nacional

A alta corrupção, que envolve os níveis mais altos da hierarquia dos Estados é um grande obstáculo ao desenvolvimento dos países.

Por Maurílio Luiele

Largamente responsável pela pobreza que grassa os países afectados, compromete acintosamente a democracia e é descrita por Noam Chomsky como uma alavanca para a falência dos Estados, ao torná-los inaptos a desempenhar o seu papel social. Nesta perspectiva, a alta corrupção representa uma séria ameaça à Segurança Nacional, razão pela qual é um imperativo e uma questão de Estado absolutamente prioritária a sua abordagem frontal.

Em Angola a alta corrupção é uma realidade insofismável e atingiu níveis tão elevados que é reconhecidamente um dos grandes freios ao desenvolvimento. Ela trespassa todas as esferas de governo e impregna transversalmente o tecido social, cimentando uma cultura nefasta que obstrui qualquer perspectiva sensata de desenvolvimento. Por isso, qualquer programa de desenvolvimento no país passa incontornavelmente por um combate acérrimo à corrupção de modo a confiná-la a níveis comportáveis. A eleição pelo Presidente João Lourenço do combate à corrupção como trave-mestra do seu programa é um reconhecimento deste facto e merece o apoio de todos aqueles interessados que o país ascenda a outro patamar.

Dois factos ocorridos recentemente e trazidos ao conhecimento público, que teriam defraudado o Estado angolano em biliões de dólares, destapam parcialmente o véu sobre a forma como opera a alta corrupção em Angola. Pela amplitude dos valores financeiros em jogo e das estruturas de Estado implicadas vale a pena reflectir sobre estes dois factos, para percebermos o quão é importante desencadearmos um combate à corrupção que não admita hesitações, ou tergiversações. O alerta vermelho da corrupção está aceso, requerendo, por isso, acções vigorosas para impedir o seu avanço! Vamos aos factos:

- Segundo relato do Maka Angola, confirmado por factos posteriores, nas últimas semanas do mandato de José Eduardo dos Santos (JES), o Banco Nacional de Angola (BNA) transferiu 500 milhões de dólares para a conta de uma empresa, a Mais Financial Services, no Crédit Suisse de Londres, que tentou, "a posteriori2, a transferência dessa verba para a conta privada de Jean-Claude de Morais, conhecido sócio de Zenú, tendo, entretanto, as autoridades britânicas bloqueado a operação por suspeitar irregularidade. A operação resultou de uma proposta internacional, trazida a Luanda por Zenú, que visava supostamente garantir a concessão de créditos a Angola no valor de 30 biliões de dólares.Com a proposta em mãos, oPresidente, em fim de mandato, convocou o ministro das Finanças Archer Mangueira, e o governador do BNA Walter Filipe para tomarem conhecimento.Tendo os dois lido o documento ali mesmo, JES ordenou-lhes que acompanhassem Zenú naquela noite a Londres para negociarem com os proponentes. Em Londres, no contacto com a proponente, Archer Mangueira questionou-se sobre a capacidade do grupo para angariar créditos para Angola num valor tão alto e o governador dispôs-se a levar a proposta aos técnicos para a competente análise e daí elaborar parecer para o Presidente.

Em Luanda, ante a recusa do governador em elaborar parecer conjunto, Archer Mangueira elaborou um parecer negativo e fê-lo chegar à mesa do Presidente. Já Valter Filipe reuniu técnicos do BNA e representantes de Zenú, gerando parecer favorável remetido também ao Presidente. Com os dois pareceres na mesa, José Eduardo dos Santos elegeu o do governador, o que, na prática configurou retirada de confiança política ao ministro, passando o governador a coordenar a comissão de negociações. É neste quadro que a parte britânica achou oportuno solicitar ao BNA uma garantia no valor 500 milhões de dólares, valor que o BNA transferiu, com a anuência de José Eduardo dos Santos a quem Valter Filipe remeteu o respectivo comprovativo.

Reconduzido para o novo Governo, Archer Mangueira descreveu na primeira audiência com o novo Presidente da República o estado precário das finanças públicas e informou-o sobre as negociações para a obtenção de crédito, envolvendo Zenú e Valter Filipe e fez questão de assinalar que não fazia fé na proposta  tendo, por isso, sido afastado das negociações. Sensibilizado, João Lourenço reabilitou-o e devolveu-lhe a coordenação do dossiê, cabendo ao ministro das Finanças a chefia da delegação do Governo na ronda seguinte de negociações que ocorreu a 23 de Outubro. Acompanhado pelo governador e assessores do MINFIN e do BNA, Archer Mangueira levava consigo um trunfo letal: a notificação das autoridades britânicas à Unidade de Informação Financeira (UIF), onde estas inquiriam sobre o depósito efectuado pelo BNA para a Mais Financial Services. Durante o encontro, Archer falou sobre as regras escrupulosas do novo Presidente e o Governador, alheio ao documento em posse do Ministro, exibiu o comprovativo da transferência, solicitando o cumprimento do acordo.Os técnicos do MINFIN demonstraram, entretanto, o carácter lesivo do acordo proposto para o Estado angolano e, assim, o Ministro das Finanças fez saber que o Estado não prosseguiria com as negociações, sendo isto que reportaria ao Presidente.

Com parecer negativo de Archer Mangueira, o Presidente da República comunicou a Valter Filipe o abortamento da operação e ordenou-lhe a adoptar procedimentos imediatos para a devolução dos 500 milhões de dólares, exonerando-o dias depois das funções de Governador do BNA.

Em outro desenvolvimento relevante, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) comunicou o desmantelamento de uma rede envolvendo angolanos, tailandeses e cidadãos de outras nacionalidades que pretendia defraudar o Estado angolano no montante de 50 mil milhões de dólares americanos.

Segundo o SIC, cidadãos tailandeses que se diziam proprietários da empresa Centennial Energy Company, com sede nas Filipinas, teriam simulado dispor de acesso a uma linha de crédito aberta num Banco Filipino, no valor de 50 mil milhões de dólares com a qual se propunha financiar projectos em Angola, estando por ocasião do desmantelamento da rede já na posse de 53 propostas. O SIC considera que terá havido um erro de avaliação por parte da entidade nacional responsável pela captação de investimento privado (UTIP), o que passou para o mercado a falsa ideia de que os 50 mil milhões de dólares para investimento eram já um facto. Tendo o SIC registado o envolvimento no processo de entidades angolanas que gozam de foro especial, entre as quais altas patentes das FAA, o processo transitou para o domínio da DNIAP-PGR. As informações disponíveis apontam, entretanto, que o envolvimento das Forças Armadas parece ser institucional, através de uma cooperativa imobiliária ligada às FAA. Assim, por pouco, seria a Instituição FAA a chancelar um golpe monumental ao tesouro nacional, provando que a corrupção em Angola é hoje uma séria ameaça à Segurança Nacional.

Os factos aqui expostos são apenas a ponta emersa de um enorme iceberg, cujos contornos devemos delimitar para impedir que a Nau Angola encalhe em seus tentáculos submersos. A apetência com que as redes internacionais do crime organizado se aproximam de Angola é o manifesto dos níveis de corrupção que atingimos e a subversão consequente das instituições, tornando o país um terreno fértil para asua actuação, o que compromete a Segurança Nacional.

Nos casos aqui relatados é notório o envolvimento da mais alta hierarquia do Estado. No primeiro caso fica claro que o pai Presidente protege os interesses do filho proponente. Diante de dois pareceres distintos o Presidente fez vista grossa ao parecer negativo. Não nos parece que o ex-Presidente, no alto dos seus 38 anos de poder, não tenha percebido a fragilidade da proposta, porém, entre rejeitá-la e proteger os interesses do Estado, ou aceitá-la e lesar o Estado, optou por lesar o Estado, comprometendo-o com uma dívida cujo bónus caberia exclusivamente à sua família. No segundo caso, o envolvimento da UTIP é negligente, ou mesmo doloso, pois, como afirma o SIC, “terá havido um erro de avaliação” por parte desta entidade, “o que passou … a falsa ideia de que o dinheiro para investimento já eraum facto”. Coube também à UTIP envolver as FAA no processoo que revestiu a rede criminosa de alguma credibilidade.

Estes casos ilustram bem o grau de dificuldade que o combate à corrupção encerra. Será necessário muita firmeza e determinação para se conseguirem avanços importantes neste campo. O envolvimento de altas figuras, geralmente esquivas aos ditames da lei, tende a promover a impunidade, sendo esta a forma mais fácil de abrir fissuras na frente unida contra a corrupção. O Presidente da República tem reafirmado a sua determinação em levar por adiante a luta contra a corrupção e a impunidade, mas ainda não são visíveis as linhas mestras do seu programa de acção.

É preciso sair do plano do discurso para a acção, pois, ao nível em que chegamos, o combate à corrupção não admite recuo! JA

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